“A vaidade encontra-se tanto no ponto de partida como no objetivo proposto”
(Hugo von Hofmannsthal)
por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Complexa é a vida de todos nós, no ambiente frio, ensimesmado e competitivo em que vivemos.
Estado voraz nos come pelos ombros. Barnabés, encastelados na burocracia, devoram nossos direitos como formigas saúvas. Políticos corruptos alternam-se com idiotas. Um judiciário oficialista e pusilânime patrocina nossa injustiça cotidiana. Ladrões rentistas ostentam opiniões firmes sobre assuntos duvidosos.
A mídia
Como se não bastasse, a mídia (que deveria ser livre), nos presenteia pérolas de miserabilidade humana, que seus pobres editores entendem ser os critérios pelos quais devemos buscar o sucesso e a felicidade: o fausto, o esbanjamento e a ostentação – condutas factoides sem outro propósito que não externar soberba.
Do artista icônico ao político irônico, passando pelos empresários sem passado, “youtubers” sem presente, “otoridades” atemporais e futebolistas sem futuro, a importância midiática deles se revela na conta bancária.
O problema é que em tempos de crise – e a crise é uma constante na vida cotidiana – a ostentação ensimesmada divulgada pela mídia irresponsável beira à injúria.
A bajulação
Nos idos do regime militar, durante o “Fantástico” da Rede Globo, o colunista social Ibrahim Sued, ao apresentar alguns “ricos e famosos” e lhes perguntar se “era bom ser rico”, recebeu uma censura oficial que lhe custou a seção no renomado programa da TV. Entendeu o governo do General Geisel, que concessões de rádio e TV deviam zelar pelos valores constitucionais da dignidade e respeito ao trabalho do cidadão comum, à priorização da cultura, do mérito alcançado pelo esforço e dos valores cristãos. Nessa perspectiva, o programa-ostentação do jornalista-bajulador Ibrahim Sued, resvalava a subversão…
Se era verdade naqueles tempos duros, a subversão dos valores morais tornou-se mais evidente ainda com a bajulação midiática atual.
O problema nos dias de hoje, no entanto, é maior.
A educação, a moral e o civismo, foram despejados, junto com o chamado “entulho autoritário”, para fora das instituições de educação e dos meios de comunicação.
A religião passou a ser algo considerado “politicamente incorreto”. O crucifixo, hoje, é objeto de ações judiciais patrocinadas por agentes públicos, que se arrogam a defender o “caráter laico” da Administração Pública, sem atentar para a moralidade, a humildade, e o respeito ao próximo, externados pelo símbolo de cristo que combatem levianamente.
No lugar dos valores, resta o mais rampeiro materialismo. A “sociedade-espetáculo”, o mundo da vaidade dos que ostentam muito por nada – admitido como único fato jornalístico, hoje nos domina.
A bajulação substituiu o respeito.
Testemunhamos essa loucura com os programas televisivos importados sem qualquer criatividade, que esbanjam atitudes ostentatórias, frases preconceituosas ditas em tom “politicamente correto”, atitudes elitistas, segregacionistas, deslavadamente dissimuladas no culto á futilidade de “ricos e famosos”.
Até a bandidagem ostenta. E a ostentação – razão de ser dos pancadões da marginália – é admitida pela intelectualidade medíocre w bajuladora como “manifestação cultural” da pobreza – aquela que nada teria a ostentar…
Na mídia impressa, revistas com passado respeitável desperdiçam páginas e páginas tecendo loas ao mundinho das vaidades públicas. Jornalistas sem conteúdo garimpam partículas de alguma lucidez de gente “bem sucedida”, que na verdade é tão pobre, tão miserável, que só pode ostentar o dinheiro que tem.
A integridade
Dirão os críticos dos críticos de ocasião que a revolta contra esses fatos revela recalque, inveja social. No entanto, não se trata disso.
Há mérito na riqueza! É claro que há (quando há). Mas ela é um efeito desejável, não um fim em si mesmo. Não podemos de forma alguma reduzir nossa sociedade a uma comunidade de indivíduos pequenos em busca de capital sem qualquer finalidade social.
Corremos o risco de, ao par de toda a parafernália pública que já nos atormenta, acrescentarmos ao nosso cotidiano maus exemplos privados. Esse fenômeno exerce efeito perverso. Pressiona os mais jovens á busca frenética e frustrante do pecado capital da soberba como objetivo de vida.
A riqueza de um homem não se mede pelas coisas que ele tem e, sim, pelos valores que cultiva, que não se trocam por dinheiro.
Por isso que a miséria do superlativo contamina a humanidade, na medida em que a integridade deixa de ser virtude.
A final, que exemplo passam à sociedade servidores públicos que medem o grau de autoridade e dignidade pelo valor dos próprios rendimentos salariais?
Que educação pode se esperar de um governo que entende como política de educação apenas a realocação de alunos e matérias, e a melhoria da condição salarial dos professores, sem dispender um segundo de esforço para desenvolver mecanismos institucionais que resguardem valores que dignifiquem o profissional e obriguem ao respeito social pela atividade do mestre, na sala de aula e na sociedade?
Dignidade é integridade
Esse é o valor verdadeiro. A integridade é nosso todo. Ela não muda sua essência com o dinheiro.
O todo é consistente com o que se prega, não com a forma de agir de acordo com as circunstâncias e conveniências ocasionais.
Isso deveria ser um mantra obrigatório na mídia concessionada, autorizada e patrocinada pelo Estado, com o dinheiro do contribuinte. Deveria ser obrigatório, também, para a mídia privada (?) mantida pelo patrocínio de empresas compostas por pessoas que trabalham, produzem e se conduzem por valores morais, em sua esmagadora maioria.
Na Bíblia – muito dita, porém pouco apreendida, encontramos muitas referências sobre integridade. Gosto particularmente da passagem de Tito que diz: “Em tudo seja você mesmo um exemplo, fazendo boas obras. Em seu ensino, mostre integridade e seriedade. Use linguagem sadia, contra a qual nada se possa dizer, para que aqueles que se lhe opõem fiquem envergonhados por não terem nada de mal para dizer a nosso respeito”.
O mal dito pelos que “se nos opõem”, encontra-se na vaidade e na ostentação. São estes os “valores” miseráveis propagados pela mídia e suas fontes igualmente miseráveis.
Ou mudamos esse comportamento, ou nos afogaremos de vez nas águas profundas, tomadas por espelho pelos narcisos plenos de nada…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Infraestrutura e Sustentabilidade e de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Um dos melhores textos que li sobre as vaidades públicas!