Por Fabio Pugliesi*
A importância de Norberto Bobbio, na qualidade de intelectual e homem de ação, tendo sido senador vitalício da República Italiana, precisa ser sempre rememorada.
A concisão e a profundidade de sua abordagem, conjugadas com o cuidado de se fazer atender pela opinião pública e estimular o debate, são marcantes.
Embora o Direito seja um só, verifica-se a utilidade da identificação de ramos em decorrência da crescente elaboração de trabalhos multidisciplinares nos quais se faz necessária a identificação de textos normativos e a interpretação destes a partir dos postulados que são próprios a cada ramo, bem como, evidentemente, o aprendizado da Ciência do Direito.
Embora o texto normativo possa ser considerado em mais de um dos ramos do Direito, a exemplo do que se verifica nos ramos do Direito Financeiro, Direito Tributário, Direito Administrativo Tributário e Direito Econômico; a análise deste decorre de um ângulo peculiar e a interpretação produz diferentes normas jurídicas, relacionadas ao ramo do Direito em que se considera o tema.
Existem superposições entre os ramos, as chamadas “faixas cinzentas”, mas isto paradoxalmente torna mais útil a classificação, pois a própria negação desta reafirma a autoridade no paradigma jurídico.
Observo que estes apontamentos referem-se ao Direito Brasileiro, embora possa ter reflexos no âmbito internacional e comunitário, por exemplo acordos comerciais e Mercosul.
A Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB no inciso I do artigo 24 atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal a competência concorrente de legislar no Direito Econômico.
Embora a CRFB assim atribua a competência legislativa no Direito Econômico a referência a “Estado” no texto constitucional corresponde à união indissociável dos Estados (federados), Municípios e do Distrito Federal, segundo o disposto no artigo primeiro da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB.
Relativamente ao Direito Econômico faz-se necessária mais uma explicação.
Destaque-se que, embora a CRFB tenha um título sobre ordem econômica e financeira, os textos normativos constitucionais que dizem respeito ao Direito Econômico não se limitam aos inclusos sob este título na CRFB e nem gozam de conteúdo específico, dado que mudam permanentemente.
O surgimento do Direito Econômico é coetâneo com a identificação no Direito de promover comportamentos, chegando a conferir sanções premiais àqueles que praticam os atos e as atividades que se quer concretizar no campo econômico.
Assim, não se esgota na identificação de textos normativos e pressupostos de interpretação para disciplinar o campo de estudo diferentemente das áreas acima referidas, os textos normativos costumam indicar a definição para os termos utilizados e verifica-se uma multiplicidade de fontes e de textos em diferentes posições na hierarquia da ordem jurídica.
Os textos normativos, relacionados à atuação do Estado na atividade econômica atribuída ao particular, mudam permanentemente e se relacionam, presentemente, com bancos e moeda, concorrência, regulação de atividades econômicas, regime jurídico das empresas privadas prestadoras de serviços públicos, bem como empresas públicas que atuam em atividades econômicas atribuídas ao particular.
Assim o Direito Econômico constitui um conjunto de normas jurídicas que permitem ao Estado promover e reprimir comportamentos de agentes econômicos para concretizar os direitos fundamentais estabelecidos na CRFB por meio da regulação da atividade econômica atribuída ao particular.
Ademais este ramo do Direito parte do pressuposto que uso da propriedade, a conservação da liberdade e a igualdade ficariam seriamente ameaçados, se as forças do mercado agissem sem regulação.
A regulação difere da limitação do uso da propriedade, na medida que nesta o Estado lança mão do poder de polícia para garantir a ordem pública, segundo as normas do Direito Administrativo, e naquela busca-se que a atividade econômica própria do setor privado seja coordenada para os fins escolhidos pelo povo em sua Constituição.
Inexiste, assim, uma ordem econômica constitucional puramente liberal ou socialista, mas uma ordem modelada pela “ideologia constitucionalmente adotada pela constituição” que, dada a sua amplitude, está e sempre estará sujeita ao debate.
O Direito Econômico se consolidou após a Segunda Guerra Mundial e, desde então, disseminaram disposições constitucionais destinadas a moldar a atividade econômica nas Cartas Magnas de diferentes países.
A teoria geral do Direito de então se limitava considerar o Estado como definidor da regra do jogo, enfim um árbitro dos conflitos e litígios em princípio entre particulares. Assim a sanção legal se confundia com a coação para um comportamento ou, na melhor das hipóteses, gerava uma obrigação até desagradável ao sujeito que a deveria realizar.
O Estado do pós-guerra passou a perseguir objetivos destinados a melhorar as condições de vida da sociedade, daí a necessidade de estimular comportamentos neste sentido.
Neste contexto Norberto Bobbio desenvolveu a noção de “sanção premial”, em seu clássico “Dalla Struttura ala Funzione”[i] desta forma a consequência do comportamento sancionado pelo texto normativo contém um “prêmio”, a exemplo do que ocorre na redução de imposto de renda, se o contribuinte faz o investimento em determinada área.
Desta forma distingue o Direito da “Moral Privada”, pois aquele deixa de ter uma função exclusivamente protetiva para ter uma função transformadora.
O conceito de sanção premial de Norberto Bobbio passou a estimular a disseminação das normas objetivo e princípios que deixam de ter a estrutura de regras, que pressupõem uma sanção, para designar objetivos a serem perseguidos por todos os órgãos estatais, inclusive o Poder Judiciário, e a sociedade como um todo.
Os conceitos de normas objetivo e as sanções premiais vêm conferir segurança jurídica às decisões dos Bancos Centrais e as agências reguladoras que emitem textos normativos com força de lei, como tem sido reconhecido pelo Poder Judiciário, desde que observados os objetivos fixados para tais entes estatais.
Evidentemente, a reflexão de Bobbio sobre a política vai levar a questões sempre revisitadas e promover a abordagem multidisciplinar da Teoria Geral do Direito e as relações encontráveis com a sociologia, política, economia e até psicologia.
Indo além do Direito Econômico, desnecessário lembrar como Bobbio influencia o Direito brasileiro de hoje, o que torna sempre necessário revisitar o mestre que tanto respeitamos.
[i] BOBBIO, Norberto. Dalla Struttura alla Funzione – nuovi studi di teoria del diritto. Milano: Edizione Comunità, 1977
Publicado originalmente em:
http://conversandocomoprofessor.com.br/2020/11/16/norberto-bobbio-e-o-direito-economico/ Acesso em: 16/nov/2020
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Colaborador dos portais Ambiente Legal e Dazibao. Blog Direito Financeiro e Tributário. Twitter: @FabioPugliesi.
Fonte: Direito Financeiro e Tributário
Publicação Ambiente Legal, 24/11/2020
Edição: Ana A. Alencar