Uma contribuição para o Governo do Presidente Jair Bolsonaro
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
As presentes notas foram apresentadas como subsídio à equipe encarregada de formular a agenda de mudanças estruturais do Sistema Nacional do Meio Ambiente, para o Governo do Presidente Jair Bolsonaro.
Instalado o novo governo, entendo interessante divulgar essas breves anotações, como forma de auxiliar os atores interessados na implementação do direito ambiental e da gestão ambiental no Brasil, a compreender o tamanho dos desafios que deverão ser enfrentados pelo novo governo.
O CONSELHO DE GOVERNO
1- Um Sistema Sem Cabeça
Desde sua instituição pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938 de 1981, o SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente, permanece sem o Órgão Superior – o Conselho de Governo, cérebro do sistema, encarregado de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e decidir as diretrizes governamentais estratégicas para o meio ambiente.
Há um Conselho de Governo, instituído pela Lei Federal 13.502 de 2017, que estrutura o atual Gabinete da Presidência da República. Esse conselho, em tese, poderia contar com uma câmara interministerial de sustentabilidade, secretariada pelo MMA, cumprindo com a lei ambiental.
Há outra alternativa – criar por decreto um Conselho de Governo do Sisnama, formado por um grupo de conselheiros próximos ao presidente, e secretariado pelo Ministro do Meio Ambiente – cinco ou seis membros seriam suficientes para contribuir na orientação da chefia do executivo sobre a política ambiental.
A falta de um órgão superior, presidencial, gerou e gera desconexão da Política Nacional do Meio Ambiente com as demais políticas públicas ambientais (Saneamento, Resíduos Sólidos, Mudanças Climáticas, Biodiversidade, florestas e Recursos Hídricos), e destas com as demais Políticas Públicas de Estado, relacionadas ao desenvolvimento econômico e infraestrutura – como é o caso da gestão urbana, energia, agricultura, educação, controle territorial, exploração minerária, etc.
O CONAMA
2- Um conselho confuso
O CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, é designado na Lei Federal 6.938/81, como o órgão consultivo e deliberativo, com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais. Ele é estruturado pelo art. 4º do Decreto 99.274 de 1990.
No entanto, por não haver de fato um Conselho de Governo, o CONAMA acaba por deliberar diretamente ao SISNAMA as diretrizes políticas governamentais, a título de normatizar normas e padrões de compatibilidade ambiental – muitas vezes ao arrepio de políticas já decididas no âmbito do próprio governo federal.
Inchado e com uma composição de natureza política, o CONAMA termina por atuar emocionalmente, sem a devida técnica, sujeitando-se a interferências de ordem ideológica e corporativista pouco afetas à política de Estado. O resultado é a emissão de normas e padrões distantes da realidade.
O caminho é reposicionar o CONAMA, alterando sua composição e estrutura, por decreto. O Plenário do CONAMA poderia ser reduzido a um número pequeno de conselheiros nomeados, indicados periodicamente pelo executivo, com mandato, caracterizado por um menor vínculo político e maior vínculo técnico, podendo eventuais participações de outros organismos de governo ocorrer na medida da demanda específica ou do interesse setorial em pauta, nas Câmaras técnicas, Grupos de Trabalho e Grupos Assessores ao Conselho.
O MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
3- Um órgão Central com Atribuições executivas
O órgão central é o Ministério do Meio Ambiente – nominado, no entanto, na Lei 6.938/81, como Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República. Sua finalidade é planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente.
Porém, o MMA está sobrecarregado de atribuições implementadoras redundantes (caso das secretarias e coordenadorias que tratam de florestas, tecnologias, meio urbano, agricultura, pesca, etc), e sobrecarregado por atribuições executivas, para as quais não tem perfil estrutural ou implementador – como é o caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, prevista na Lei 12.305 de 2010, com estrutura desprovida de agência e conformação “interministerial” – cuja regulação da economia circular (sem a qual a PNRS não fica de pé) permanece debilmente definida no Decreto 7.404 de 2010, porém devendo ser diretamente implementada pelo SISNAMA – nos termos do parágrafo único do art. 5º do Decreto 9.177 de 2017 (leia-se IBAMA e sistemas dos estados e municípios).
Por outro lado, o MMA possui outras atribuições complexas, referentes à Política Nacional de Recursos Hídricos, regida pela Lei 9.433 de 1997. O Ministério abriga todo o sistema, incluso a Agência Nacional de Águas – ANA, regida pela Lei 9.984 de 2000, cujas atribuições foram ampliadas, açambarcando a instituição de normas de referência nacionais para a regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico, conforme redação dada pela Medida Provisória nº 844, de 2018, demandando novas interfaces interministeriais.
O inchaço do ministério, de fato, não o aproxima mas, sim, o distancia da Presidência da República (onde deveria estar, por força da necessidade de secretariar o Conselho de Governo). Essa disposição estratégica o torna um “obstáculo” horizontal no caminho dos demais organismos de primeiro escalão e transforma-o numa espécie de “rival” burocrático das próprias agências, que deveriam implementar e administrar as políticas públicas por ele articuladas. Isso, de todo modo, fragiliza o controle e fiscalização da PNMA.
O Ministério ganhará eficácia se retomar seu papel de proposição e planejamento, eliminando secretarias executivas com atribuições originárias de outras pastas ministeriais competentes, devolver atribuições para as agências executivas e reguladoras, extinguindo secretarias e assessorias igualmente redundantes.
Poderá integrar com destaque o planejamento do governo, se adotar a Avaliação Ambiental Estratégica, fazendo integrar upstream o vetor ambiental nos planos, políticas e programas a cargo dos vários setores governamentais, conferindo-lhes sustentabilidade e, com isso, se antecipando a conflitos e reduzindo judicializações.
POLÍTICA CLIMÁTICA SEM AMBIENTE
4- Relação doentia que revela aparelhismo sistêmico e risco à soberania
No caso da implementação da Política Nacional Sobre Mudança do Clima – Lei 12.187 de 2009, o quadro é absolutamente doentio e caótico. Em que pese todo o protagonismo político e material nessa área passar pelo Ministério do Meio Ambiente, de fato, NADA fica diretamente a cargo do MMA.
A estratégia no campo das relações internacionais – esfera da Convenção Quadro Mudança do Clima – CQMC , é expressada de forma soberana pela chefia do executivo e seu Ministério das Relações Exteriores- MRE, cumprindo ao MMA prestar toda assessoria técnica disponível.
O Comitê Interministerial, autoridade instituída na PNMC e regida pelo Decreto 6.263 de 2007, trafega entre Casa Civil e o Ministério de Ciência e Tecnologia.
O sistema de registros de emissões, regido pelo Decreto 9.172 de 2017, fica hospedado no Ministério de Ciência e Tecnologia, conforme o art. 11 do Decreto 7.390 de 2010.
O Fórum Brasileiro de Mudança do Clima – FBMC, regido pelo Decreto 9.082 de 2017, é um imbróglio de proselitismos e técnica similar ao Conama.
O FBMC está apoiado no Ministério do Meio Ambiente. Nele permanecem também pendurados o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – PBMC e a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais – Rede Clima, considerados pelo decreto como organismos científicos nacionais sobre a mudança do clima. Porém, na composição legal do Fórum, NEM O IBAMA, NEM O ICMBio não estão incluídos ou representados – embora o controle territorial e fiscalizatório pertença ao primeiro e a manutenção das unidades de conservação – beneficiadas em tese pela PNMC, fiquem sob administração do segundo…
Essa caríssima “panaceia multiforme”, resulta em um “placebo” – um sistema sujeito a lobbies de toda ordem, fora do controle da autoridade ambiental, alimentado por interesses setoriais muitas vezes díspares e que fomenta, sem qualquer dúvida, um dos maiores cabides de empregos redundantes da área governamental.
De fato, por não estar em lugar nenhum, o sistema climático demanda contratações em todos os ministérios, autarquias e conselhos. Justifica contratações de ONGs, consultorias de organismos multilaterais, manutenção de igrejinhas ideológicas, lobbies empresariais e aparelhos acadêmicos de universidades – tudo sem resultado prático até hoje observado no clima brasileiro – cujas ações territoriais de redução de emissões e controle de desmatamento, porém, ficam a cargo do “excluído, porém hospedeiro” SISNAMA.
O caos na área do clima, propicia a interferência internacional nesses assuntos que implicam na soberania do Brasil.
A questão, portanto mereceria uma profunda e rápida reformulação, com delimitação do sistema à área do meio ambiente – sob o agenciamento regulador do MMA e IBAMA – ou no âmbito da ciência e tecnologia, com agência própria.
A FUSÃO DOS ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO
5- Órgãos executores que redundam e colidem
A atribuição bifurcada do órgão de execução do SISNAMA foi inserida pela Lei 12.856 de 2013 na lei de regência da PNMA. No entanto, foi instituída pela Lei 11.516 de 2007, que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Assim, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, dividem atribuições como órgãos executores do SISNAMA, com a mesma finalidade de implementar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências.
Ocorre que a própria redação do inciso IV do art. 6º da Lei 6.938/81, já exprime o pleonasmo administrativo e a superposição de atribuições, iniciada pela Lei 11.516 de 2007, como se o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, gerido pela Lei 9.985 de 2000, não fosse extensão da atividade de controle territorial do próprio IBAMA.
A situação de conflito de atribuições foi parcialmente resolvida pela Portaria 55/2014 do MMA. Porém a própria normativa expressa a perda de energia ocorrente com a duplicação de estruturas no sistema – como duas faces de Janus (duplicando escritórios regionais, conselhos gestores de unidades de conservação, departamentos… etc.).
Seria o caso de repensar a estrutura e proceder à fusão dos órgãos.
O IBAMA
6- O IBAMA – confusão no organograma e funções administrativas
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, deve trabalhar para atingir sua visão de tornar-se referência na implementação da PNMA. Para tanto é necessário, sobretudo, resgatar a carreira de especialista em meio ambiente – Gestor Ambiental, Gestor Administrativo, Analista Ambiental, Analista Administrativo, Técnico Ambiental, Técnico Administrativo e Auxiliar Administrativo – estatuído pela Lei 10.410 de 2002, retirando dela os contornos ideológicos que veio a adquirir nas gestões anteriores.
De fato, a conformação abrangente da carreira de “especialista”… permitiu a inoculação no sistema, de militantes profissionais e não de profissionais militantes. Esse efeito de “militância”, não ocorre, é certo, apenas no IBAMA – Projeta-se também para outros órgãos de acompanhamento externo, como o Ministério Público… e o resultado pode ser visto na impressionante judicialização ocorrente no espaço da gestão ambiental.
Será preciso trabalhar uma nova doutrina de atuação, introduzir manuais de procedimentos bem objetivos e pouco discursivos, reciclar, carrear os esforços da máquina administrativa para a obtenção de resultados técnicos eficazes, objetivos e moldados nos novos parâmetros hermenêuticos e exegéticos estatuídos pelos artigos 20 a 30 do Decreto-Lei 4.657 de 1942, modificado pela Lei 13.655 de 2018.
A organização e o quadro de pessoal comissionado e de confiança nas unidades do IBAMA, sofreram sensível redução. O quadro de pessoal comissionado e de confiança foi reduzido de 499 na gestão Lula, para 276 na gestão Temer. No entanto, O Regimento Interno do IBAMA, aprovado pela Portaria 14 de 2017 ao detalhar os órgãos integrantes da estrutura organizacional prevista no Decreto 8.973 de 2017, misturou colegiados, diretorias, serviços, coordenações, divisões, órgãos singulares, assessorias especiais… dificultando sobremaneira a construção de qualquer organograma.
Essa dificuldade de visualização das relações hierárquicas também obstrui os fluxogramas decisórios e torna difícil traçar um roadmap estratégico para o sistema.
Se o Decreto não atribuiu quem expede a licença, o regimento atribuiu o ato ao presidente.
O Regimento “diluiu” a presidência, no entanto, em um “colegiado”, distribuiu coordenações afins para diretorias diversas e construiu um labirinto nos processos e procedimentos administrativos de forma que se torna difícil compreender “quem manda” e “quem executa” cada tarefa.
Essa distribuição dificulta sobremaneira compreender o fluxograma interno envolvendo duas instituições básicas, que justificam a própria funcionalidade da autarquia: o processo sancionador e recursal das infrações ambientais e o procedimento de licenças e autorizações das atividades impactantes.
A gestão atual, é certo, construiu um “Mapa Estratégico” 2016/2019, mas não formatou um organograma… Ato necessário para identificar com precisão onde será preciso enxugar a máquina e onde ela está aquém da demanda.
Assim, a primeira medida para que o instituto possa se olhar no espelho e compreender sua forma – é construir um organograma e organizar os fluxogramas de suas principais funções.
Há, também, perda de memória operacional por faltar um acervo técnico, de relatórios, soluções de conflitos e decisões, que possa ser consultado e disponibilizado publicamente como forma de antecipar procedimentos e prevenir conflitos.
A publicação de jurisprudência administrativa pode orientar a consulta de empreendedores e cidadãos interessados. A publicação de notas técnicas, regularmente, pode orientar os próprios funcionários na resolução de conflitos similares quando da análise de licenças ambientais.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View. Participou da equipe de consultores encarregada de propor os parâmetros da gestão ambiental para o Governo Bolsonaro, no período de transição.