Por Alfredo Attié
Parodiando Getúlio Vargas, que, por sua vez, parodiava o ceticismo italiano, eu diria:
“O capitalismo brasileiro, ora o capitalismo brasileiro”.
Bem assim, passeando a pé, como gosto, pelos vários lugares de São Paulo (a famosa Sampa), o que tenho visto, sobretudo em lojas e estabelecimentos comerciais pequenos e médios, é a substituição das velhas placas, das velhas marcas, por duas apenas, que demonstram em que estágio está o sonho, ou para onde se dirigiram os sonhos e projetos de quem empreendeu.
Uma das “novas marcas” é o tal “OFF”. Sim, sem vender ou sem vender o que se vendia, os comerciantes anunciam o corte dos preços, pela palavra inglesa que, se for associada ao verbo “cut” vai designar a interrupção, a parada brusca, o corte.
A outra “velha bandeira” (no tempo de tantas “bandeiras”, tantas redes, tantas marcas), é o “ALUGA” (que substitui o mais velho “aluga-se”), uma placa que vai cobrindo as antigas placas, que expunham os nomes das lojas, que se mudaram, sem deixar endereço, sem destino, ou, com maior probabilidade, encerraram seu destino. Associa-se a outra expressão da lingua inglesa, que é o “cut out”, que é o deletar, remover, cancelar. “For rent”: o rentista entra em suspense, esperando algum outro “parceiro” comerciante, para explorar (uma atividade e alguns).
Não é engraçado constatar que os que ainda sobrevivem, liquidam. E que os demais, fecham as portas, logo cobertas com o anúncio de que o imóvel se esvazia, para aguardar o novo aluguel.
Os jornais anunciam os cortes de postos de trabalho – é um termo neutro, insípido, que nenhum leitor sente, pois parece longe da realidade, que é o fim de sonhos, a suspensão do curso da vida – esse tempo não se retoma.
O governo diz, também de modo neutro e insípido, que daqui a um ano e meio o País (outro termo do distanciamento da realidade do sofrimento de pessoas, seres de “carne e osso” e emoções e interesses,com necessidade de pão, água e – por que não? – de desejos de fazer amor, de se divertir) vai se recuperar.
Uma doença se torna a expressão nacional, sem que ninguém se afirme culpado pela sua chegada e triste incidência.
Essa gente que perde seu negócio e essa gente que perde o emprego têm apenas a si, nem direito possui de se lamentar ou culpar isso ou aquilo (“o cenário internacional” – diz cinicamente o governo).
Talvez tenham ido protestar, pedir o impeachment da mentira, da safadeza política e do crime da corrupção (outro nome de governo). Mas foram ofendidos pelos pseudointelectuais, que habitam a mídia e as redes sociais: eram a “classe média” odiada, odiosa, que, contribuindo para as finanças do País, pelos tributos diretos e indiretos, não pode reclamar.
A rua é o destino de quem perde emprego e empresa; trabalho e capital pouco.
A rua, lugar de expressão dos desejos políticos, porém, não pode ser ocupada.
Ela é de ninguém – ou dos miseráveis, dos que se drogam porque se têm de drogar. Muita vez, do crime, às vezes de quem o reprime. Ou de quem cobra para controlar o crime, fiscalizar quem o administra e controla, proteger.
No Brasil, sempre como sempre, “quem rouba pouco é ladrão; quem rouba muito é barão”,,, quiçá representante, político, autoridade, presidente.
Caminho pelas ruas, vejo as placas, leio as novas redes, as velhas bandeiras da exploração, interpreto as marcas e choro pelos sonhos que não mais representam.
Alfredo Attié – Magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Doutor em Filosofia, Mestre em Direito e em Direito Comparado, Membro do Fórum Global de Justiça e Desenvolvimento, Washington, D.C., Titular da Cadeira San Tiago Dantas da Academia Paulista de Direito.