Em face à votação da Medida Provisória que altera o novo Código Florestal (MP 571/12) e à consequente estabilização do marco legislativo, as diretrizes nela estabelecidas começam a ter validade, atingindo diretamente os setores da agricultura e da pecuária.
Neste artigo, discutem-se os reflexos desse novo diploma em relação aos Termos de Ajustamento de Conduta assinados sob a égide da lei revogada, e se levantam algumas questões pertinentes relacionadas à possibilidade de sua modificação, tanto por parte do Ministério Público como dos signatários desses termos, fazendo incidir as novas regras.
Para tanto, preliminarmente, nunca é demais lembrar que o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), previsto no §6°, do artigo 5°, da Lei Federal 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), é descrito como um “título executivo extrajudicial, por meio do qual um órgão público legitimado toma do causador do dano o compromisso de adequar sua conduta às exigências da lei”[1], e, assim, por não se tratar de instrumento de natureza transacional ou contratual, pautado nos princípios de direito civil, mas de meio negocial, que celebrado objetiva preservar direito transindividual e indisponível, é que o interesse da proteção do meio ambiente pode ser objeto de acordos de vontade entre as partes, na qualidade de bem jurídico integrante da categoria de microbem.
Ademais, não há que se esquecer de que questões ambientais são negociáveis, a exemplo do que dispõe a Resolução 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que deixa a cargo do órgão ambiental competente, a definição dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início do processo de licenciamento correspondente a licença a ser requerida.
O assunto é polêmico e existem várias correntes de entendimento relacionadas à natureza jurídica do TAC, podendo ser divididos em três os principais grupos: aqueles que pensam tratar-se de um ato jurídico, em sentido estrito, de reconhecimento da ilicitude da conduta e compromisso de adequá-la ao ordenamento jurídico; aqueles que defendem tratar-se de figura híbrida, contendo negociação ou transação quanto às obrigações acessórias; e aqueles que entendem cuidar-se de uma verdadeira transação.
Vale lembrar que o art. 14, da Resolução nº 23, de 17 de setembro de 2007[2], do Conselho Nacional do Ministério Público, descreve que o órgão do Parquet toma o compromisso, e não o firma, e, para alguns doutrinadores, a nada se compromete por meio do TAC, somente o infrator é que se obriga.
Na verdade o órgão do Ministério Público se dispõe somente a não propor demanda judicial enquanto estiverem sendo cumpridas as condições ajustadas no TAC e de outro lado, o compromisso assumido pelo “infrator” é ato jurídico, ao reconhecer implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, concordando, por isso, eliminar a “ofensa” através da adequação de seu comportamento às exigências legais.
A natureza jurídica do instituto é, portanto, a de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nele intervêm o órgão público. Pode, entretanto, estipular, o infrator, os termos e condições de cumprimento das obrigações (modo, tempo, lugar etc).
Assim, o compromisso assinado no âmbito de um Inquérito Civil tem natureza de um título executivo extrajudicial. Isso significa que o descumprimento do objeto principal do ajustamento de conduta, seja por força da incidência de multa ou em decorrência do inadimplemento da obrigação assumida, permite ao Ministério Público iniciar a sua devida execução.
Não há que se esquecer de que o Termo de Ajustamento de Conduta assinado no curso de uma Ação Civil Pública, devidamente homologado judicialmente, tem natureza de título executivo judicial, podendo ser executado como uma sentença.
O fato de o Código Florestal ter sido alterado, não exime o signatário de um termo de compromisso com o Ministério Público de cumpri-lo nos termos ali previstos, estando sujeito, no caso de inadimplemento, às sanções constantes nas cláusulas do Termo, independentemente da execução judicial das obrigações assumidas.
Nesta altura haveria que se indagar: de que forma as novas diretrizes do Código Florestal podem ser aplicadas aos termos de ajuste já assinados, ou em vias de os serem?
Importante consignar a importância da relação da lei no tempo e a tentativa de equacionar questões relativas às obrigações já assumidas em compromisso de ajustamento de conduta válidos e eficazes. Nesse sentido, primeiramente é necessário fazer a junção do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, e o artigo 6º do Decreto Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, também conhecida como “Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro” (antiga Lei de Introdução ao Código Civil – Redação dada pela Lei nº Federal 12.376/10), que assim dispõem:
“Art. 5º – (…)
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”
“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”
Considerando o teor dos dispositivos legais supra, colhe-se que a nova lei, ao integrar o ordenamento jurídico, deverá respeitar ato jurídico perfeito, assegurando os efeitos dos atos praticados, antes da vigência da nova lei, e garantindo assim segurança às relações estabelecidas no passado.
Segundo o §1º, do artigo 6º, da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, “reputa-se como o ato jurídico perfeito já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou.”
Por outro lado, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado pelo interessado com órgão público legitimado, não é imutável, ou seja, não é equiparado à sentença, e, como já se disse, não sofre os efeitos da coisa julgada, mas, ainda assim, não é passível de alteração com relação ao objeto, entretanto, por meio de aditamento, é sempre possível propor alguma alteração em relação ao tempo e ao modo de execução.
Em relação às novas diretrizes contidas no Código Florestal e que implicariam em modificação do objeto do TAC em curso, poderia configurar um conflito de normas, por que a lei posterior, em tese, revoga expressa ou tacitamente a norma anterior que com ela seja incompatível, muito embora restasse necessário estabelecer qual norma seria aplicável às situações jurídicas pendentes.
Neste sentido, pode-se mencionar ainda o entendimento de Fernando Reverendo Vidal Akaoui,² in verbis:
“No que tange aos fatos pretéritos, será aplicável a legislação anterior em face ao princípio da irretroatividade e, em relação aos fatos ocorridos desde a vigência do novo diploma legal, a norma superveniente revogadora.”
Por outro lado, é prudente levar em consideração que estamos diante de uma atualização das normas do Direito Ambiental Brasileiro, com a publicação da Lei Federal 12.651, de 25.05.2012, revogando as Leis Federais 4.771, de 15.09.1965, a Lei 7.754, de 14.04.1989, e a Medida Provisória n° 2.166-64, de Agosto de 2001.
Assim, é possível avaliar o interesse jurídico em efetuar aditamento do termo de ajustamento de conduta com intuito de se adequar às novas normas, desde que essa mutação seja para melhor proteção do bem jurídico tutelado. Tal conduta encontra fundamento no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988, ao dispor que a Lei nova não afetará o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.
Não obstante essa determinação fixou-se entendimento na 2° Turma do Superior Tribunal de Justiça de que não há direito adquirido contra o meio ambiente, especialmente para que se pudessem condenar proprietários rurais que desmataram legalmente suas propriedades a recompor áreas de florestas nativas em tamanho equivalente ao que seriam suas reservas legais. Tal entendimento fora consolidado e fundamentado no STJ (REsp 948.921⁄SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23⁄10⁄2007, DJe 11⁄11⁄2009):
“Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente”, assertiva esta fundada, especialmente: (i)na densidade constitucional da função ecológica da propriedade (arts. 170, inc. VI, 186, inc. II, e 225, da CF); (ii) na garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da CF); e (iii) na indisponibilidade do bem ambiental.”
Observa-se que, tanto o poluidor que não possui licença ambiental alguma, como o que a possui, mas exorbita dos seus limites, não pode postular direito adquirido à manutenção da atividade poluidora. Isto porque, na medida em que descumpridas as condicionantes da licença exigida, a conduta é reputada como ilícita e, consequentemente, contrária à norma do artigo. 225 da CF.
O desfazimento do ato ou da situação jurídica criada pelo Ministério Público pode ser mais prejudicial que sua manutenção, especialmente quanto a repercussões de ordem social e ambiental. Por esta razão quem desejar modificar o objeto do TAC legalmente firmado entre as partes envolvidas, inserindo o teor da nova legislação, deverá apresentar forte fundamento técnico e legal para que a instituição permita.
De outro lado, tratando-se de alterações negativas, uma vez perfeito, válido e eficaz, o TAC não pode ser alterado, tanto por parte do Ministério Público quanto pelo firmatário, desconsiderando inclusive as medidas já praticadas para adequação ambiental da propriedade sob a devida orientação da autoridade administrativa competente.
Importante consignar que:[3]
“As alterações negativas instituídas pelo novo Código Florestal, que afetam notadamente as Áreas de Preservação Permanente – APP e a Reserva Legal, não teriam aplicação, por se tratar de patrimônio jurídico já incorporado à sociedade brasileira (brasileiros e estrangeiros residentes no país- art 5°, caput, CF).”
Como podemos perceber, a doutrina também defende que as alterações promovidas pelo Novo Código Florestal não devem influenciar no cumprimento das obrigações assumidas em compromissos de ajustamento de conduta, instituídos antes da sua vigência, uma vez que se tratam de situações jurídicas abrigadas pelo manto do ato jurídico perfeito, sendo que aquele instrumento que lhes dá segurança, tem natureza jurídica de garantia mínima para a sociedade. Contudo, poderá também o Ministério Público, caso as alterações concedam benefícios ao firmatário, se valer das argumentações do ato jurídico perfeito, dificultando a realização do termo aditivo ao TAC.
Entendo que não será possível fazer alterações caso as obrigações assumidas no TAC já tenham alcançado sua finalidade, nos termos da legislação vigente à época da sua feitura, ou seja, por estarem consolidadas, como no caso de uma recuperação ambiental.
As alterações decorrentes da nova legislação podem assim gerar instabilidade para ambos os lados e ser um elemento perturbador da ordem jurídica, exigindo, por isso, que seu exame se faça, sempre com especial cuidado.
Muitos Estados, outrossim, possuem legislação própria relacionada a Florestas, como, por exemplo, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, e alguns promotores de justiça estão se utilizando do código revogado, através de dispositivos legais constantes na legislação estadual em vigor, para inserir cláusulas em termos de ajuste de conduta antes que as Assembleias Legislativas Estaduais possam promover o realinhamento da lei com as novas diretrizes.
O argumento de que a Lei nova é menos restritiva do que a legislação estadual em vigor não deve prevalecer, já que esta contem dispositivos legais revogados.
Deve o subscritor atentar ao assinar Termos de Ajuste de Conduta, em qual legislação está lastreada suas cláusulas, devendo, caso o Ministério Público esteja utilizando-se de legislação estadual, mesmo que em vigor, mas com dispositivos revogados pelo novo Código Florestal, recusar-se assiná-lo.
Assim, tendo em vista que muitos indivíduos, obedecendo aos comandos normativos vigentes à época da celebração do TAC, a fim de buscar solução para adequação ambiental da propriedade, poderão, também, caso entendam necessário e favorável a seus interesses, se adequar à nova Legislação por meio de um Termo Aditivo ao TAC firmado, fundamentando que o Novo Código Florestal veio para regulamentar as questões omissas, visando um melhor equilíbrio dinâmico ambiental com base em norma posterior ao estabelecimento da relação jurídica processual (Novo Código Florestal), sob pena de se gerar grave insegurança ao sistema jurídico brasileiro.
Já em relação às modificações benéficas do novo código, destaca-se que a referência para medição das faixas marginais de área de proteção permanente passou a ser da borda da calha do leito regular dos cursos d’água, deixando de ser a partir do nível mais alto em faixa marginal, como acontecia na antiga lei.
Concernente às novas regras estabelecidas no artigo 15 da nova Lei Federal n° 12.561, que permitem o cômputo da área de proteção permanente na reserva legal, sugere-se a análise técnica em relação ao cômputo dessas áreas, visando incluir as devidas alterações em eventual proposição de aditamento de termo de ajustamento de conduta. As áreas excedentes poderão ser comercializadas, enquanto que as áreas faltantes deverão ser analisadas com vista à devida complementação até chegar aos 20%, no próprio local ou mediante compra de outra área para este fim.
Sem prejuízo das considerações já mencionadas, com advento do novo Código Florestal, propriedades rurais deverão providenciar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma vez que se trata de importante instrumento trazido pela nova legislação e que deverá reunir todas as informações da gestão ambiental da propriedade.
A sugestão é a de que seja realizada nova medição técnica para analisar o interesse em se adequar ao novo dispositivo legal através de um possível aditamento nesse sentido.
Diante do exposto, sem prejuízo das conclusões apostas no presente, conclui-se que:
1. É de suma importância cumprir o que estabelece o termo de ajustamento de conduta elaborado sob a égide do Código Florestal revogado, podendo requerer, justificadamente, um aditamento com o intuito de se readequar a nova Lei Federal n° 12.651/12.
2. Termo de Ajustamento de Conduta firmado sob a égide da lei anterior deverá ter seu objeto respeitado, podendo sofrer aditamentos com relação ao tempo e modo de execução, inclusive em relação à adequação a nova legislação, buscando a regularização ambiental da propriedade, ou mesmo rescindido nos termos da legislação civil, caso exista algum vício como erro, dolo, coação, simulação ou fraude, que causem um desvirtuamento do Termo de Ajustamento;
3. Caso venha requerer um aditamento ao Termo de Ajustamento de Conduta para sua devida adequação ao novo Código Florestal, se faz necessário um estudo Técnico referente às alterações trazidas pelo novo dispositivo, bem como uma assessoria jurídica institucional.
*Guilherme Crippa Ursaia é Advogado, Auditor Líder Ambiental – ISO 14001 pela Bureau Veritas, tendo trabalhado no Folkecenter for Renewable Energy, Solar Panels, na Dinamarca e Center for Alternative Technologies (CAT) no País de Gales (Reino Unido). É membro da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão de Energia da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseções de Santa Catarina e São Paulo. Atualmente Gerencia as áreas de Sustentabilidade e de Novos Negócios do escritório Pinheiro Pedro Advogados.
[1] MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural patrimônio público e outros interesses. 19ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 366.
[2] Art. 14 O Ministério Público poderá firmar compromisso de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos mencionados mo artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou indenização pelos danos que não possam se recuperados.
[3] COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA AMBIENTAL, Fernando Reverendo Akaoui. Editora Revista dos Tribunais. 4° Edição, P.149
Prezado Guilherme,
Gostei muito do seu artigo, muito esclarecedor e técnico. Obrigada, você disponibilizou em um momento que estava interessada, por curiosidade, neste entendimento do Novo Código Florestal.
Caro Guilherme,
Parabenizo pelo otimo artigo, estou escrevendo um artigo p/ finalização da pós e seu artigo veio a muito contribuir, aliais seria abuso se vc me disponibiliza-se, caso tenha, outros materiais referente ao assunto. Fica aqui meus agradecimento.
Caro Guilherme
Entendo que existe algo improcedente na afirmação que o TAC ambiental é um ato juridico perfeito e portanto “imexivel”. A mais forte bandeira dos teóricos em materia ambiental e que embalou durante “seculos” a totalidade das decisões em tribunais no que se refere a Reserva Legal, é que não existe para questões ambientais, o ato juríco perfeito, coisa julgada e muito menos o direito adquirido. O posicionamento, absolutamente errôneo, está ancorado no Caput do artigo 225 da CF ,ou seja, uma peça absolutamente surreal e digna dos alquimistas de outrora.O chamado meio ambiente ecológicamente equilibrado fere as leis da termodinâmica e o grande absurdo é que o ficional deve ser preservado para as futuras gerações. Talvez o conceito seria conservar e não preservar. Existem experts que acham que os termos são sinônimos, mas não são!A afirmação que o Caput é uma metáfora é no minimo perigosa.Constituições metafóricas rimam com tragédia anunciada.O grande constitucionalista José Afonso da Silva no livro Direito Ambiental Constitucional(2002,pag.88) discorre de maneira brilhante brilhante a respeito do Caput em apreço.Enfim,a questão ambiental não é uma rua de mão única e o minimo que se espera é coerência e a validação incontestável que não existe teoria a suportar a premissa que o TAC é canõnico. Basta de casuismo e prego a necessidade absoluta da manutençao da tríade citada como suporte teórico as decisões juridicas. É impossível trocar um pneu em um carro em movimento. Que os nossos teóricos venham a publico e expliquem que os conceitos são a base da ciência e não podem ser utilizados de maneira diferenciada ao sabor dos interesses do momento.
Prezado Guilherme, brilhante artigo, com sólidos argumentos jurídicos, todavia, não é o que ocorre na prática, pois tanto os órgãos ambientais como o MP são completamente refratários à qualquer alteração em TAC firmados sob à érgide da lei anterior.
Assim, esta adquação técnica sugerida e desejada por milhares de produtores, com intenção profícua ao meio ambiente, é inviável, pois não há acordo quanto ao que foi feito. Portanto, infelizmente não é um TAC, mas uma imposição absoluta e irrestrita, o que é um absurdo.
att.
Fabio
Olá Guilherme! Gostaria de citar o artigo a cima em um trabalho acadêmico, mas não há data de quando este fora publicado. Att.