- Até o ano de 2050, está prevista a construção de 25 milhões de quilômetros (15,5 milhões de milhas) de estradas pavimentadas em todo o mundo.
- Um novo estudo, publicado em 23 de outubro de 2017 na revista Current Biology, avalia os riscos ambientais, sociopolíticos e econômicos que acompanham a construção de estradas, principalmente nos países em desenvolvimento.
- Os autores defendem uma seleção mais criteriosa de áreas para construção de estradas, privilegiando locais que ofereçam maior benefício econômico e minimizem os danos ao meio ambiente.
As estradas podem atuar como artérias que transportam pessoas e mercadorias, conectam comunidades e mercados e impulsionam o desenvolvimento econômico. Contudo, segundo um novo estudo publicado em outubro de 2017, elas podem fomentar conflitos, endividar países e abrir as portas para a destruição ambiental se não forem planejadas com cuidado.
Nas próximas três décadas e meia, está prevista a construção de cerca de 25 milhões de quilômetros (15,5 milhões de milhas) de estradas pavimentadas em todo o mundo. No entanto, há poucos estudos publicados até o momento sobre os riscos econômicos, sociais e ambientais provenientes da construção de estradas.
Segundo Mohammed Alamgir, cientista ambiental da Universidade James Cook em Cairns e autor principal do estudo, “nenhum estudo tem como foco a integração desses três setores”. Ele e seus colegas analisaram as pesquisas disponíveis sobre os efeitos da construção de estradas e descobriram uma tendência preocupante. Os resultados foram publicados na revista Current Biology.
William Laurance, ecologista tropical da James Cook e um dos autores do estudo, afirmou em entrevista: “Há uma certa dinâmica capciosa que superestima os benefícios e subestima os custos de forma sistemática.”
Os impactos de uma estrada tendem a se propagar no ecossistema. O movimento traz para o local pessoas que exploram a terra, caçam animais selvagens e derrubam árvores, podendo destruir o habitat, dizimar espécies e afetar serviços ambientais importantes como a provisão de água limpa. Em 2014, uma equipe chefiada por Laurance descobriu que quase 95% do desmatamento na Amazônia brasileira acontece em um raio de 5,5 km (3,4 milhas) das estradas, ou 1 km (0,6 milha) dos rios. No entanto, a opinião pública geralmente justifica esses riscos ambientais valorizando o progresso que as estradas supostamente levarão à região.
Por exemplo, os projetistas raramente contabilizam os custos gerados pela construção de estradas em longo prazo. Laurance e sua equipe descobriram que os custos de manutenção podem alcançar, por ano, 10 a 20% do custo inicial da estrada. Esses gastos não previstos minam rapidamente qualquer benefício econômico.
A manutenção das estradas nas florestas tropicais pluviais é particularmente difícil e onerosa. A resistência da estrada é testada continuamente pelos dilúvios e enormes oscilações nos níveis de água. Os autores ressaltam ainda os desafios da inclinação do terreno nas estradas planejadas em florestas tropicais úmidas como a Rodovia Trans-Papua na Indonésia e a Rodovia Pan-Bornéu na Malásia. Os riscos de enchentes, deslizamentos de terra e quedas de barreiras aumentam e os custos dos reparos são elevados.
A corrupção e a falta de transparência durante o processo de construção também elevam o preço de vários projetos de estradas. Um estudo mostrou que quase um quarto das despesas de um grupo de 600 projetos de construção de estradas na Indonésia “não tinha como ser explicado”.
O ecologista tropical Fritz Kleinschroth, que não estava envolvido na pesquisa, estuda os impactos das estradas na África Central. Ele considerou esse artigo um “resumo útil dos riscos dos projetos rodoviários nos trópicos” e concorda que a maioria dos projetistas simplesmente não avalia a vida útil de uma estrada.
“Com frequência, há um grande investimento e constroem uma bela estrada nova que atravessa uma paisagem isolada”, afirmou Kleinschroth em uma entrevista. “Mas ninguém cuida da manutenção. Em um período de dez ou vinte anos, não será mais possível usar essa estrada.”
Quando a manutenção de fato acontece, quem geralmente acaba pagando a conta é a população.
“Boa parte dos gastos é repassada para a dívida pública”, explica Kleinschroth. Embora algumas pessoas sejam beneficiadas no início dos projetos, “a população em geral sai perdendo, em curto e em longo prazo”, diz ele.
Segundo um estudo citado pela equipe, a província de Achém, na Indonésia, precisa desembolsar anualmente US$ 15 milhões para proteger as comunidades contra as enchentes resultantes do desmatamento que acompanhou a construção de estradas naquela região.
“Um dos pontos que queremos enfatizar é economia pura e simples”, diz Laurance. Segundo ele, embora as estradas pareçam um investimento lucrativo, “você logo percebe que não são”.
No entanto, ele e seus colegas sabem que, em muitos locais, a falta de boas estradas faz com que as pessoas permaneçam oprimidas pela pobreza.
“São nações que precisam se desenvolver”, afirma Laurance. A consequente “narrativa” em torno da construção de estradas geralmente remete a projetos “frenéticos” e crescimento “acelerado”. Entretanto, a equipe defende que, com a elaboração de um processo mais ordenado e a identificação das áreas mais adequadas, as futuras estradas podem oferecer mais benefícios à população.
“Certamente, uma estratégia da nossa pesquisa precisa ficar muito clara”, diz Alamgir. “Não somos contra o desenvolvimento.”
Kleinschroth reiterou a importância de diferenciar uma estrada perigosa de uma estrada útil. “Em vez de condenar todas as estradas do mundo, devemos nos concentrar naquelas com os efeitos mais prejudiciais”, ele completa.
Para incentivar o que a equipe de Laurance chama de “desenvolvimento inteligente”, eles disponibilizam seus dados na Internet por meio de um projeto chamado Global Road Map. Nesse projeto, eles identificaram os locais onde as estradas ajudariam a alavancar a economia com o menor dano ambiental possível, produzindo mapas que mostram os pontos mais promissores para a construção de estradas do planeta, além dos locais com maior probabilidade de destruição. Eles também compartilham sua visão com autoridades governamentais, conservacionistas e outros cientistas no Sudeste Asiático e na porção equatorial da África.
“Não estamos dizendo que você não pode construir uma estrada”, acrescenta Alamgir. “A questão é… onde você consegue construir uma estrada com melhor resultado econômico.”
CITAÇÕES
Alamgir, M., Campbell, M. J., Sloan, S., Goosem, M., Clements, G. R., Mahmoud, M. I., & Laurance, W. F. (2017). Economic, Socio-Political and Environmental Risks of Road Development in the Tropics. Current Biology, 27(20), R1130–R1140. https://doi.org/10.1016/j.cub.2017.08.067
Barber, C. P., Cochrane, M. A., Souza, C. M., & Laurance, W. F. (2014). Roads, deforestation, and the mitigating effect of protected areas in the Amazon. Biological conservation, 177, 203-209.
Kleinschroth, F., & Healey, J. R. (2017). Impacts of logging roads on tropical forests. Biotropica.
Nota do editor: Wiliam Laurance é membro do conselho consultivo da Mongabay.
Texto de John C. Cannon,12 Abril 2018 | Tranduzido por Isadora Veiga
Fonte: Mongabay