Por Flávio Ferrari*
Duas notícias relacionadas com o Facebook chamaram a atenção do mundo da mídia brasileira nos últimos dias: a “saída” da Folha de São Paulo da rede e as ameaças de corte de verba da Unilever.
Sem entrar no mérito dessas posições específicas, convido-os a acompanhar uma analogia.
Imagine que, no final do expediente, você vai a um bar encontrar uma grande turma de amigos para a “happy hour”.
Papo animado, repleto de histórias, selfies, fofocas e polêmicas, uns contando vantagem, outros reclamando da vida, alguns compartilhando as últimas notícias em primeira mão, uns poucos apenas concordando ou discordando com caras e bocas. Até aí tudo normal.
Aí chega o garçom e informa que o dono do bar resolveu estabelecer algumas regras para melhorar a experiência da happy hour em seu bar.
Insiste que será necessário reagrupar as pessoas da mesa de acordo com seus interesses e afinidades. Entrega um “headset”(fone de ouvido +microfone) para cada um e avisa que o DJ do bar irá decidir quais pessoas serão conectadas nas conversas. Enquanto distribui os headsets, retira da mesa um rapaz que está com a camisa aberta e uma garota de minissaia. Ficarão impedidos de participar do happy por duas semanas, por falta de decoro.
Todos acham aquilo muito estranho, mas para não abandonar as bebidas e os salgadinhos pela metade resolvem permanecer no bar.
Logo percebem que o DJ corta o microfone de alguns participantes de acordo com alguma lógica obscura e substitui o conteúdo por anúncios. O garçom justifica dizendo que o aluguel da mesa, que não é incluído na conta, está sendo pago pelos patrocinadores.
Percebendo que cada vez menos amigos reagem aos seus comentários, alguns tentam mudar de lugar na mesa, alternar assuntos e compartilhar fotos ao invés de conversar, enquanto tentam descobrir a inescrutável lógica do DJ. Percebem que quando falam de outros locais da cidade, que não o próprio bar, têm maior chance de serem cortados e quando elogiam algum prato do cardápio todos os amigos da mesa ouvem e respondem seus comentários.
Alguém comenta que deveriam ir para outro bar. Ninguém ouve. A pessoa é retirada da mesa e impedida de participar do happy hour por 30 dias.
….
Sou um heavy user do Facebook e, profissionalmente, um grande admirador de sua trajetória: grandes acertos e pequenos erros rapidamente corrigidos.
Mas tenho a impressão de que a rede social deu um tiro no pé com novos algoritmos que estimulam formação de “bolhas” (privilegiam assuntos e pessoas recorrentes em nossa “time line”) e “escondem” conteúdos de “concorrentes” (outras redes sociais e players de mídia).
Minha sensação pessoal de que estão errando se deve ao fato de que, até bem pouco tempo, eu não teria o menor interesse em experimentar outras redes sociais. Hoje, embora continue casado com o Facebook, se alguém me convidasse para outra rede mais orgânica e com os mesmos recursos, me sentiria tentado a participar.
Profissionalmente, considero que o mundo da mídia está passando por uma profunda transformação e, embora não exista uma “receita de bolo” para garantir o resultado, alguns princípios já estão claros.
Venho chamando esse conjunto de princípios de “Atitude Digital” (o título de um livro que estou escrevendo).
O Facebook parece estar deixando de lado alguns desses pontos relevantes (fazendo aqui um “spoiler”oficial):
– construção colaborativa inclui todos os stakeholders, mesmo os concorrentes
– engajamento do consumidor é o fundamento principal
– transparência (regras conhecidas e claras) é essencial
– autoridade institucional é efêmera e precisa ser constantemente cultivada
– fidelidade é conquistada com o atendimento de propósitos
A lista de princípios é mais extensa, mas esses são os tópicos que o Facebook vinha seguindo à risca e que, talvez estimulado por oportunidades de monetização e pela pressão de parte da sociedade em relação ao controle de conteúdos distribuídos na rede (Fake News, manifestações de preconceitos, erotismo e violência, entre outros), está deixando de “respeitar”.
Na minha opinião, em persistindo nesse caminho, irá fragilizar sua posição aqui no Brasil.
Boa parte do público mais jovem já migrou para outros aplicativos.
Mas como Instagram e o WhatsApp foram adquiridos pelo Facebook, por enquanto fica tudo “em casa”.
Fonte: https://www.linkedin.com/pulse/o-bar-do-zuka-fake-news-flavio-ferrari/?published=t
* Flavio Ferrari é Engenheiro de Produção Mecânica, especializado em Marketing, executivo, empreendedor, consultor de comunicação e inovação, especialista em métricas de mídia, coach/mentor, professor, escritor, ator amador, tarólogo.