A importância do Pantanal – alguns instrumentos jurídicos de proteção
Por Denise Felício e Leandro Eustaquio de Matos Monteiro*
O Brasil é formado por seis biomas de características distintas[i]: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pampa, Mata Atlântica e o Pantanal. O Pantanal abriga a poesia da paisagem, a importância do bioma e sua função ambiental, a diversidade da fauna e flora, a produção agropecuária e econômica, turística, e, principalmente, a responsabilidade em preservá-lo.
Este bioma se estende pela Argentina, Bolívia e Paraguai, onde recebe outras denominações. A porção brasileira, localizada em partes dos Estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, está estimada em cerca de 150.000 km².
Ocorre que o seu tamanho é diametralmente oposto à sua relevância. Mesmo sendo o menor bioma brasileiro, representando aproximadamente 2% do território nacional, apresenta a maior planície de inundação do mundo. Sim, do mundo!
E o que significa ambientalmente ser a maior planície de inundação do mundo? É um gigantesco reservatório de água doce, refletindo em importante suprimento de água, estabilização do clima e a conservação do solo, além de abrigar uma diversidade da fauna e flora enormes.
Como se extrai do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Mato Grosso do Sul (MS)[ii], a diversidade florística no Pantanal é superior a 3.500 espécies de plantas. Já a diversidade faunística contém pelo menos 264 espécies de peixes, 652 de aves, 102 de mamíferos, 177 de répteis e 40 de anfíbios, 1.100 espécies de borboletas, sendo que muitas das espécies ameaçadas de extinção em outras regiões são abundantes no bioma, como o cervo-do-pantanal.
Conforme o ZEE do MS, extrai-se entendimento de que “o exame dos processos produtivos históricos mostra que é perfeitamente possível equilibrar a sua utilização com agressão mínima ao meio ambiente, a exemplo da consolidada pecuária tradicional pantaneira e do turismo de pesca.
Além disso, é extremamente importante que a preservação do Pantanal traga ganhos sociais e econômicos para todo o conjunto do Estado e da Federação, pois o custo de sua preservação não poderá cair apenas sobre os ombros daqueles que ali vivem e sobrevivem do ambiente natural.
Recomenda-se, prioritariamente, a implantação, em parceria com entidades e comunidades da região pantaneira, de programas integrados de desenvolvimento sustentável, de acordo com as suas peculiaridades culturais, relevância ambiental e dinâmica socioeconômica própria”.
Por toda a importância que tem, o Pantanal Mato-grossense é alvo de proteção jurídica internacional, nacional e regional.
Em âmbito internacional destaca-se a Convenção de Ramsar[iii], celebrada em 1971, em vigor desde 21 de dezembro de 1975, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 1.905, de 16 de maio de 1996. O artigo 1º, da Convenção, conceitua as áreas úmidas:
Artigo 1 – Para efeitos desta Convenção, as zonas úmidas são áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água marítima com menos de seis metros de profundidade na maré baixa.
Em 2000, o Pantanal recebeu dois títulos da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco: o de Reserva da Biosfera e o de Patrimônio Natural da Humanidade. O título de Reserva da Biosfera reconhece ao bioma relevância internacional. Já o título de Patrimônio Natural da Humanidade[iv] exalta o fato de que este bioma precisa ser protegido por organismos nacionais e internacionais devido à exuberância natural que possui.
Em âmbito nacional, a proteção refletiu-se no texto constitucional, inserto no título da Ordem Social. O legislador constituinte originário, a fim de sistematizar a conservação da biodiversidade, além de impor ao poder público e também à coletividade o dever de defender o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, considerou o Pantanal como Patrimônio Nacional[v], limitando a sua utilização em condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de recursos naturais.
A expressão Patrimônio Nacional acaba sendo um conceito jurídico indeterminado, muito embora alguns doutrinadores acabem se arriscando em tentar definir o que isso significa.
José Afonso da Silva[vi], preocupado com as constantes ameaças da internacionalização do território brasileiros, entende que a integração ao patrimônio nacional não implica transferência do domínio sobre as áreas citadas no parágrafo 4º do artigo 225 da Constituição, dentre elas o Pantanal, para a União:
[…] na verdade, o significado primeiro e político da declaração constitucional de que aqueles ecossistemas florestais constituem patrimônio nacional está em que não se admite qualquer forma de internacionalização da Amazônia ou de qualquer outra área.
Já Cecília Franco se preocupa-se com o conteúdo da expressão:
“O patrimônio nacional constitui o conjunto de bens materiais e imateriais que despertam alguma espécie de interesse para a nação, com ela mantendo um vínculo intrínseco que se liga à sua própria personalidade, definindo-a e projetando-a enquanto Estado e individualizando e identificando-a enquanto povo, não se admitindo qualquer forma de internacionalização de tais bens”
De toda forma, ser Patrimônio Nacional não equivale a dizer que se trata de uma área ou bem público, ou uma unidade de proteção integral, mas que todo e qualquer proprietário deve assegurar a preservação ambiental e obedecer às normas específicas pela importância nacional do bioma.
A intenção do legislador constituinte foi a de manter a biodiversidade do bioma, e principalmente sua função ecológica, não impedindo sua utilização, mas condicionando-a à preservação e sustentabilidade.
Não se pode esquecer que o Título da ordem econômica inserto na Constituição brasileira tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente, assim como a valorização do trabalho e da livre iniciativa, exigindo-se compatibilização da utilização dos recursos naturais com a economia e desenvolvimento. Cintya Leocádio Dias Cunha afirma que[vii]:
“No caso do Pantanal Mato-grossense, para que a máxima efetividade do direito fundamental ao meio ambiente seja atingida e para que realmente o direito fundamental seja real e efetivo são necessárias políticas públicas engajadas no desenvolvimento sustentável desta região”.
Ainda em âmbito de proteção jurídica federal-nacional, a Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, conhecida como o Código Florestal, determina em seu artigo 10º que:
“Nos pantanais e planícies pantaneiras, é permitida a exploração ecologicamente sustentável, devendo-se considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa, ficando novas supressões de vegetação nativa para uso alternativo do solo condicionadas à autorização do órgão estadual do meio ambiente”.
Como norma regional de destaque, cita-se a Lei do Estado do Matogrosso nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, norma que chancela o título de patrimônio nacional dado pela Constituição Federal de 1988, ratifica a importância dos títulos concedidos pela UNESCO e elenca como área de preservação permanente as faixas marginais da planície alagável da Bacia do Alto Paraguai:
Art. 3º A Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso tem por objetivo promover a preservação e conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental, visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da população envolvida, atendidos os seguintes princípios:
XI – proteção do Pantanal Mato-grossense enquanto Patrimônio Nacional, Sítio Ramsar e Reserva da Biosfera;
Art. 7°. São consideradas áreas de preservação permanente na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso, sem prejuízo da proteção assegurada na legislação federal e estadual: […] § 1° As faixas marginais de preservação permanente terão como referencial o nível mais alto dos rios e demais cursos d’água, conforme estabelecidos na legislação estadual.
Por parte do Estado do Mato Grosso do Sul, ente federado que detém 65% do território do Pantanal, merece referência o Decreto que, desde 2017,[viii] reconhece o Bovino Pantaneiro como Patrimônio Cultural e Genético do Estado de Mato Grosso do Sul.
De toda forma, o Pantanal ainda carece de uma proteção jurídica especial, pois não existe uma norma geral oriunda da competência estabelecida para a União[ix] que proteja especificamente todo o Pantanal Mato-grossense. Ou mesmo uma proteção oriunda de uma norma conjunta entre os dois Estados, tal como exige o parágrafo único do artigo 224 da Constituição do Mato Grosso do Sul:
Art. 224. A área do Pantanal Sul-Mato-Grossense localizada neste Estado constituirá área especial de proteção ambiental, cuja utilização se fará na forma da lei, assegurando a conservação do meio ambiente.
Parágrafo único. O Estado criará e manterá mecanismos de ação conjunta com o Estado de Mato Grosso, com o objetivo de preservar o Pantanal e seus recursos naturais.
O Controle do Desmatamento no Pantanal Sul-mato-grossense
Como dizer ao Fazendeiro centenário que ele não deve desmatar? Uma proibição integral, aliás, como pretendem alguns leigos, limitaria a economia de uma região inteira.
O Decreto do Mato Grosso do Sul nº 14.273, de 8 de outubro de 2015, que dispõe sobre a Área de Uso Restrito da planície inundável do Pantanal destaca que o Pantanal Sul-Mato-Grossense representa 1/3 do território do Estado, e que as atividades econômicas ali desenvolvidas proporcionam sustentabilidade, crescimento econômico, melhoria da qualidade de vida da população.
Ao mesmo passo, o Decreto nº 14.273 ressalta que a utilização da Área de Uso Restrito da planície inundável do Pantanal não poderá comprometer as funções ambientais das áreas que as compõem. Dessa forma, para a supressão de vegetação nativa, a relevância ecológica deverá ser considerada com o intuito de resguardar amostras representativas da diversidade dos tipos de vegetação (fitofisionomias), existentes na propriedade rural inserida na Área de Uso Restrito da planície inundável do Pantanal.
Como se extrai da nota técnica emitida pela Embrapa à época da publicação deste decreto[x], a sustentabilidade ecológica implica em parâmetros de natureza bioecológica como base para a definição de formas, limites e regulamentos para o exercício das atividades econômicas, sem que isso inviabilize a economia.
Então, é importante conhecer a legislação e seus permissivos antes de, genericamente, propagar que desmatamentos são proibidos em qualquer âmbito e bioma. O que deve ser veementemente combatido são os desmatamentos ilegais, e analisadas as situações globais para utilizarmos o meio ambiente a favor de toda sociedade.
Um levantamento do Ministério Público de Mato Grosso do Sul[xi] apontou que cerca de 40% do desmatamento na área do Pantanal do Estado podem ter ocorrido de forma ilegal, pois não foram identificadas autorizações ambientais:
“Para as áreas desmatadas e consideradas ‘possivelmente ilegais’, nas quais não encontramos autorização de desmate, é emitido um relatório e encaminhado para a Polícia Ambiental, para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e para o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). Conforme o caso, vão a campo (para apurar)”, explica o promotor de Justiça Luciano Furtado Loubet, diretor do Núcleo Ambiental do Ministério Público de Mato Grosso do Sul.
Há de se ressaltar que o Pantanal, ainda que sofrendo com ações de desmatamentos ilegais e incêndios, é o bioma mais preservado do Brasil. É o bioma que menos perdeu área natural no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IBGE analisou dados dos anos 2000 até 2018, para comparar as mudanças na vegetação nativa[xii][1]. Considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta, o Pantanal perdeu 2,1 mil quilômetros quadrados no período, que corresponde a 1,6% do total.
Sem dúvida o importante para preservação do Bioma é o controle do desmatamento ilegal, porque nenhuma responsabilização posterior é capaz de substituir o bioma primário e sua função.
Além da fiscalização eficaz para evitar os desmatamentos ilegais, é preciso um efetivo combate aos incêndios, que destroem a vegetação e matam animais, como tanto divulgado pela imprensa nos últimos anos, e muito no Bioma Pantanal.
Como o próprio governo federal apregoa[xiii], “Os incêndios florestais constituem um dos maiores desafios de gestão ambiental em todo o mundo. Devido à complexidade das causas, da multiplicidade de consequências e complexidade das soluções, requer a formalização de sinergias entre vários setores da sociedade para o seu enfrentamento”.
As queimadas ilícitas são responsáveis por desmatamentos gigantescos do bioma, e no Pantanal já atingiram grandes proporções, sendo difíceis de conter por diversos fatores: há períodos longos de seca, existe o “fogo de turfa” que se desenvolve no subsolo, áreas de difícil acesso para combate, e ventos que alastram rapidamente o fogo.
E, o pior, muitos incêndios ainda são decorrentes de causas humanas, por práticas agrícolas e pecuárias que utilizam o fogo como recurso fora do período permitido legalmente – permissivos contidos com base no artigo 38, I do Código Florestal, e regulamentado pelos órgãos ambientais estaduais, no caso de Mato Grosso do Sul pela Resolução Conjunta SEMAC-IBAMA/MS n. 01, de 08 de agosto de 2014, que proíbe a execução da queima controlada no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul no período e situações que especifica.
Vemos como primordial, além da fiscalização mais efetiva com as devidas penalizações, que a educação ambiental seja implementada de forma eficaz, pois alguns agropecuaristas ainda utilizam a prática de fogo, mesmo que obsoleta, muitas vezes por ignorância, às vezes com o agravante de ocorrerem em períodos proibidos por lei.
Vale lembrar que a queima controlada é prevista na legislação. O Decreto nº 2.661, de 8 de julho de 1998 regulamenta o parágrafo único do art. 27 da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, o Código Florestal revogado, atualmente o artigo 38 do Código Florestal em vigor, permitindo o emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais.
Consoante o Manual de Licenciamento do Estado de Mato Grosso do Sul[xiv], “Entende-se por QUEIMA CONTROLADA como sendo um fator de produção e manejo em áreas de atividades florestais, agrícolas ou pastoris, assim como aquela realizada com finalidade de pesquisa científica e tecnológica, a ser executada em áreas de imóveis rurais mediante Autorização Ambiental para Queima Controlada”.
Mais recentemente, o estado de Mato Grosso do Sul instituiu o PEMIF (Plano Estadual de Manejo Integrado do Fogo), pelo Decreto 15.654, de 19 de abril de 2021, norma que indica instrumentos para prevenção e combate aos incêndios, como: os planos de manejo integrado do fogo; o programa estadual de brigadas de incêndios; o sistema de comando de incidentes (SCI); a sala de situação de informações sobre fogo; o centro integrado de coordenação estadual (CICOE); o comitê interinstitucional de prevenção e combate aos incêndios florestais; e instrumentos financeiros.
Difundir novas práticas, e divulgar as consequências do fogo num âmbito maior, inclusive quanto à redução do carbono e mudanças climáticas, é fundamental para mudar a mentalidade da própria economia do mundo agro.
Consoante se extrai de publicação da EMBRAPA Pantanal[xv], o monitoramento dos focos de calor por satélite é uma ferramenta importante e eficaz para o controle desses focos no Pantanal, o qual dará subsídios a medidas preventivas e de combate quanto a um possível incêndio.
Neste trabalho há descrição da interessante ferramenta para ajudar na prevenção de incêndios no Pantanal: foi construído um sistema de avaliação de risco de incêndio, a partir de um software denominado Saripan – Sistema de avaliação de risco de incêndio para o Pantanal.
O software fornece diferentes métodos para o cálculo de risco de incêndio e assim possibilita a emissão de um alerta. A importância do Saripan, para a região do Pantanal, é quanto a existir um sistema de alerta que informe o risco de incêndio para cada sub-região do Pantanal, possibilitando às autoridades ou interessados tomarem medidas preventivas quanto a um possível incêndio que venha ocorrer.
Eduardo Riedel, eleito Governador de Mato Grosso Sul em 2022, disse[xvi] que “buscará estruturar o combate a incêndios e desmatamento ilegal no Pantanal”. Nas palavras do mandatário, que tomou posse em 01/01/2023:
Temos que estruturar uma ação de combate à questão dos incêndios, ao desmatamento ilegal e, ao mesmo tempo também, priorizar o desenvolvimento da atividade turística no Pantanal, uma pecuária sustentável – que já tem estruturado um plano para a pecuária orgânica no Pantanal com remuneração direta do governo –, mas acima de tudo criar as condições culturais para que a gente tenha a preservação desse nosso bioma.”
Desmatamento, Aquecimento Global e litigância climática na região do Pantanal
Muitas causas do aquecimento global estão relacionadas com as práticas humanas realizadas de maneira não sustentável, ou seja, sem garantir a existência dos recursos e do meio ambiente para as gerações futuras. Poluição, as queimadas e o desmatamento, estariam na lista dos principais elementos causadores desse problema climático[xvii].
O desmatamento contribui para o aquecimento global no sentido de promover um desequilíbrio climático decorrente da remoção da vegetação, que tem como função o controle das temperaturas e dos regimes de chuva.
A emissão de gases de efeito estufa decorrente do desmatamento causa enorme prejuízo e há uma tendência no aumento litigância climática, no número de ações judiciais, procedimentos administrativos, inquéritos civis, inquéritos policiais, diversos tipos de procedimentos, buscando reparação pelos danos causados em decorrência das mudanças climáticas.
Um estudo, uma espécie de relatório global, publicado em 2022[xviii] identificou mais de 2.000 casos de litigância climática existentes desde 1986, sendo que o número teria mais que dobrado a partir de 2015. No Pantanal, mais precisamente no Estado do Mato Grosso, o Ministério Público Estadual[xix] já vem tentando buscar o ressarcimento junto ao Poder executivo em decorrência dos gases emitidos em incêndios:
Em inquérito civil da área do meio ambiente, o Ministério Público Estadual (MPE) busca responsabilizar o Estado e conseguir ressarcimento pelos gases do efeito estufa emitidos durante os incêndios ocorridos no Pantanal mato-grossense em 2020. O órgão discute com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) um possível Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ainda sem valor divulgados a serem ressarcidos.
O inquérito é conduzido pelo promotor Joelson de Campos Maciel, da 16ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente Natural. A promotora Ana Luiza Peterlini, que atua em conjunto, relatou em reunião na última semana para discutir os incêndios no Pantanal, que a estimativa é que 141,2 milhões de mg de Gases de Efeito Estufa (GEE) tenham sido lançados no ar em 2020 considerando dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O).
“O Inquérito Civil busca o ressarcimento pela emissão de gases do efeito estufa. Isso foi calculado para que possamos buscar a responsabilização do Estado pela emissão desses gases, que não foram poucos. Quem vive na baixada cuiabana pôde sentir a dificuldade que tivemos de respirar entre agosto e setembro, então o inquérito visa a responsabilização”, pontuou a promotora na reunião.
Os incêndios ocorridos no ano passado geraram diversos procedimentos, cíveis e penais, conduzidos pelo MPE para responsabilizar também os donos das áreas onde o fogo teve início.
“A gente precisa enxergar os incêndios florestais sob a ótica da emissão de gases de efeito estufa, das mudanças climáticas. Isso é uma necessidade que nós do Ministério Público e dos órgãos de gestão ambiental precisamos que isso se incorpore nas exigências de licenciamento ambiental, esse componente climático. Que a gente passe a exigir medidas mitigatórias e compensatórias”, disse.
Os técnicos do MPE calcularam a quantidade de gases lançados ao ar a partir de imagens de satélite e dados sobre os tipos de vegetação que existem no Pantanal mato-grossense. A análise entre os meses de agosto e setembro mostrou que o fogo consumiu não só áreas de savana típica da planície alagável, mas também florestas.
O relatório técnico mostra ainda que com a quantidade de gases de efeito estufa emitidos pelos incêndios de 2020, há possibilidade de que Mato Grosso contribua para que o Brasil não cumpra as metas previstas no Acordo de Paris, que prevê a redução da emissão de gases do efeito estufa.
“Portanto, considerando o aumento histórico de queimadas no Pantanal em 2020, bem como o aumento de 9,5% na taxa de desmatamento na Amazônia (PRODES 2020/INPE), é possível prever que o Brasil terá um aumento das emissões de CO2 no ano 2020, tal como já apontado em SEEG (2020), descumprindo assim, as metas de reduções de emissões assumidas para 2020”, afirmaram no relatório.
Neutralização da emissão de gases efeito estufa no Estado do Mato Grosso do Sul
Para efetiva proteção do bioma pantanal acaba sendo inviável não destacar o efeito estufa agravado pelos desmatamentos no Pantanal, vez que o desmatamento é um dos maiores fatores nos processos que geram as emissões de CO2.
Independentemente de entrar na disputa entre interesses econômicos e meio ambiente, e muito menos panoramas políticos, fato é que as consequências da liberação de gases efeito estufa decorrentes do desmatamento e incêndios vão muito além do aumento da temperatura – trazendo inclusive dificuldades na produção da agricultura, pecuária e silvicultura.
O combate ao desmatamento ilegal e o reflorestamento são de grande valia no combate aos efeitos do aquecimento global – o tão atual, e até lucrativo, mercado de carbono.
O Estado de Mato Grosso do Sul oficializou um Plano Estado Carbono Neutro em 2030, com a edição de Decreto nº 15.798 de 03/11/2021, que institui a Política Estadual de Mudanças Climáticas – PEMC em Mato Grosso do Sul e o Plano Estadual MS Carbono Neutro – PROCLIMA.
De acordo com o Plano, até 2030 o Governo de Mato Grosso do Sul irá atingir o estágio de Estado com Emissão Líquida Zero (ELZ), ou Carbono Neutro, por meio de ações coordenadas e integradas e na adoção de algumas medidas que merecem destaque:
I – Agronegócio: com ações concentradas no efetivo manejo dos solos, na redução dos níveis de fermentação entérica, no manejo de dejetos suínos e no controle da queima de resíduos agrícolas;
II – Mudança no Uso da Terra e Florestas: relacionada ao empreendimento de medidas para a devida restauração de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais, à redução dos incêndios em áreas nativas e florestas plantadas, à redução do desmatamento legal ou ilegal e ao investimento em Floresta Plantada;
Em outras palavras, neutralizar o carbono é uma alternativa para remediar os efeitos do efeito estufa. Como dito, o Mato Grosso do Sul é um estado em que a base principal da economia é o agronegócio, estado este que abriga quase 70% do Bioma Pantanal, patrimônio nacional, com ricos ecossistema e biodiversidade, e praticamente 80% do bioma conservado.
Por outro lado, desmatamentos ilegais e incêndios – que corroboram sobremaneira com o efeito estufa – são fatores preocupantes tanto para ambientalistas quanto para o Poder Público e os proprietários rurais.
Como preservar o meio ambiente e produzir? Como neutralizar o carbono e criar gado?
Unir o meio ambiente à economia é uma via de mão dupla necessária para o crescimento sustentável, e ferramentas já estão sendo utilizadas: o mercado de carbono é uma realidade, com grandes visionários no bioma pantanal, para que o produtor certifique sua propriedade e implemente projetos de carbono; emprego de tecnologias de baixo carbono na pecuária e na agricultura; incentivos fiscais ou compensações por serviços ambientais, fiscalização efetiva, e ações multidisciplinares.
Interessante destacar a ressalva de Winston Fritsch[xx][2]:
“é importante notar, todavia, que o uso de mecanismos baseados em créditos de carbono para gerar incentivos capazes de proteger a floresta são eficientes, mas não bastam. No debate sobre a conservação e restauração das florestas nativas, a ênfase exclusiva na redução do CO2 atmosférico é um grave erro de política, e existe o risco de que, na excitação do mercado com as oportunidades de negócio criadas pela precificação do carbono, passe despercebida a importância crucial de precificar também a biodiversidade para evitar o desastre ecológico”.
Em resumo, o desmatamento ilegal, inclusive por fogo, deve ser fiscalizado de forma mais eficaz, de modo a, além de cumprir o dever legal de preservação do meio ambiente a presente e futuras gerações, permitir um planejamento de mercado de carbono, que pode gerar renda ao proprietário rural com reversão ao meio ambiente, e uma compatibilização entre os direitos fundamentais, ressaltando as palavras da Min. Carmen Lucia no julgamento já citado, “A Floresta não pode ser cuidada apenas como estoque de carbono. Ela é uma expressão da humanidade, que se compadece com os valores da dignidade e da ética ambientais.”
Conclusão
É inequívoco afirmar que o Bioma Pantanal é um dos mais ricos do mundo em biodiversidade, tanto quanto, infelizmente, é certo afirmar que sofre com o uso descontrolado de ações humanas.
O Bioma é protegido legalmente – por diversas legislações em todos os âmbitos, todavia as políticas de ações ao combate ao desmatamento e incêndios florestais ainda não garantem a sustentabilidade do Bioma.
E, como em todo o mundo, a região do Pantanal sofre os efeitos da mudança climática, sendo imperioso inserir essa temática, sob todos seus prismas (tanto ambiental como econômico), à sociedade, aos moradores e produtores da região, à efetividade de ações de combate do poder público, educação ambiental e penalizações.
Com estudos, novas tecnologias, e educação, diversas ações podem mitigar as emissões de carbono, reduzir os desmatamentos e queimadas ilegais. Fica a torcida para que a atual administração pública federal siga no combate a tudo isso, fazendo-se coro a anunciada reativação dos fundos, como o Amazônia[xxi], que financiam as ações ambientais e de planos de desmatamento em todos os biomas do país.
Também merece congratulações a recriação de planos contra o desmatamento, tal como o Plano de ação para prevenção e controle do desmatamento na Amazônia (PPCdam)[xxii], paralisado desde 2019, plano estruturado em três pilares: monitoramento e controle ambiental, ordenamento fundiário e territorial e apoio a atividades produtivas sustentáveis.
O Cerrado também já teve um plano de combate ao desmatamento, que foi reativado e há indícios que os outros biomas também serão contemplados. O Pantanal agradece!
A economia e a preservação do Bioma devem coexistir como uma simbiose, de forma que um setor alimente ao outro, com um desenvolvimento sustentável, fulcrado em legislações e ações do poder público, alicerçadas em estudos técnicos para que a legislação seja condizente com a realidade social, econômica e ambiental do local, e a função socioambiental seja efetivamente cumprida.
Por fim, para manter um Bioma sustentável, fundamentalmente é preciso esclarecer e divulgar, incutir ao produtor rural e sociedade local, com bases em dados técnicos, a importância e reflexo da devida atenção ao meio ambiente e seus modos de produção. Ao mesmo passo, não se pode aniquilar a produção rural com dados incorretos e alarmistas – é possível, com base na realidade em que vivemos, traçar estratégias para que o meio ambiente seja compatível com a produção, inclusive para aumentar a lucratividade com práticas sustentáveis.
[i] Disponível em https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/territorio/18307-biomas-brasileiros.html – acesso em 02/01/2023
[ii] Disponível em https://www.semagro.ms.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/Consolida%C3%A7%C3%A3o-ZEE-1%C2%AA-Aproxima%C3%A7%C3%A3o.pdf – acesso em 28/12/2022
[iii] BRASIL. Dispõe sobre o Decreto 1.905, de 16 de maio de 1996. Planalto. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1905.htm – Acesso em 02/01/2023
[iv] UNESCO. Representação da UNESCO no Brasil. Disponível em: < http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ culture/world-heritage/list-of-world-heritage-in-brazil/pantanal-conservation-area/#c1467473 > – acesso em 02/01/2023
[v] Constituição Federal de 1988, artigo 225 § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais
[vi] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 2. ed. de acordo com a Emenda Constitucional 52 de 8.3.2006 (DOU 9.3.2006). São Paulo: Malheiros, 2006. p. 843.
[vii] Disponível em https://chuva-inc.github.io/galoa-static-files/doi/tantatinta/Pantanal_Mato-grossense_um_patrimonio_nacional_a_margem_da_lei.pdf – acesso em 02/01/2023
[viii] Disponível em https://al.ms.gov.br/RadioAssembleia/AudioPlay/282 – acesso em 28/12/2022
[ix] Constituição Federal de 1988, art. 24, § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais
[x] Disponível em https://www.embrapa.br/documents/1354999/1529097/Nota+T%C3%A9cnica+decreto+CAR+MS+Embrapa+Pantanal_outubro+2013.pdf/4fba305d-71e3-4d7f-bf33-eb9fa99b5496 – acesso em 28/12/2022
[xi] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53662968 – acesso em 04/01/2023
[xii] Disponível em https://midiamax.uol.com.br/cotidiano/2020/ibge-pantanal-perdeu-16-de-area-natural-em-18-anos-mas-e-o-bioma-mais-preservado-do-pais/ – acesso em 28/12/2022
[xiii] Disponível em https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/fiscalizacao-e-protecao-ambiental/incendios-florestais/servicos/educacao-ambiental-prevfogo – acesso em 28/12/2022
[xiv] Disponível em https://www.imasul.ms.gov.br/wp-content/uploads/2019/11/Res-Semade-09-2015-compilada.pdf – acesso em 28/12/2022
[xv] Uso do fogo para o manejo da vegetação no Pantanal / Soriano et al…. [et al.]. – Corumbá: Embrapa Pantanal, 2020.
[xvi] Disponível em https://oeco.org.br/noticias/novo-governador-do-ms-promete-combater-incendios-e-desmatamento-ilegais-no-pantanal/ – acesso em 02/01/2023
[xvii] Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/geografia/aquecimento-global.htm – acesso em 04/01/2023
[xviii] Disponível em (https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/07/cobrar-reparacao-pelas-mudancas-climaticas-na-justica-e-tendencia-diz-pesquisadora.shtml) – acesso em 04/01/2023
[xix] Disponível em https://diariodoestadomt.com.br/noticias/pantanalmpquerressarcimentodoestadoporgasesemitidoseminc-undios/35510280 – acesso em 04/01/2023
[xx] Disponível em https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2022/11/um-presidente-verde.ghtml – acesso em 28/12/2022
[xxi] BRASIL. Dispõe sobre o Decreto 11.368, de 1o de janeiro de 2023. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11368.htm – Acesso em 05/01/2023
[xxii] BRASIL. Dispõe sobre o Decreto 11.367, de 1o de janeiro de 2023. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11367.htm- Acesso em 05/01/2023
*Denise Felício – Bacharel e especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUCMinas, sócia da Vanessa Lopes Advocacia Ambiental.
Leandro Eustaquio – Bacharel e Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, advogado de Faria, Braga Advogados, escritório especializado em Direito Ambiental e Professor da Pós Graduação em Direito Ambiental e Minerário da PUCMinas.
Fonte: Direito Ambiental
Publicação Ambiente Legal, /01/2023
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.