Inquéritos “Bom Brill” do STF viraram meio de coerção para salvar projeto totalitário contra o direito legítimo à livre manifestação e crítica no Brasil
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Em 2020* este subscritor já havia dissecado toda a metamorfose inquisitorial, urdida nos corredores do Supremo Tribunal Federal, primeiro para proteger a imagem de ministros da corte face matéria jornalística que denunciava posturas pouco republicanas destes e, depois, para manejar o processo político e “conter” o governo Bolsonaro. Os pretextos declarados para os inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF foram, respectivamente, reprimir a onda de fake news e combater “atos antidemocráticos” por “milícias digitais”.
Qualquer estudante de direito com um mínimo de conhecimento adquirido no primeiro ano de estudo, identificaria o vício de origem e o desvio de finalidade que acometem a iniciativa persecutória contida nos inquéritos. É fato que a tibieza demonstrada até aqui pelas lideranças políticas… e a pusilaminidade de jornalistas que rasgaram sua biografia, revelam o nível de covardia e despreparo de quem deveria operar o Estado Democrático de Direito.
A sanha revanchista se une ao intento totalitário. A denúncia de se querer replicar no Brasil o narcopopulismo que enxovalha outros regimes canhestros latino-americanos, revela-se, a cada dia, real. O caminho está traçado por uma leitura psicótica do “bloco histórico” gramisciano: cooptação, corrupção, judicialização e intimidação.
Por mais que a mídia amestrada acoberte, e o contexto policialesco iniba, a verdade expõe um complô totalitário contra a democracia – executado a pretexto de salvá-la. Por óbvio, as primeiras vítimas são a liberdade de opinião, de expressão e a liberdade de imprensa.
ERRANDO POR LINHAS TORTAS
Foi nesse contexto que o Presidente Lula resolveu encampar Projeto de Lei – PL 2630/2020, aprovado no Senado Federal e relatado na Câmara pelo deputado comunista Orlando Silva, inoculando no processo toda uma gama de expedientes destrutivos, que o desviam da origem que o justifica.
O monstrengo legislativo ganhou caráter tipicamente stalinista. Impõe remuneração, pelos provedores de rede social, aos autores das matérias jornalísticas que circulem entre os usuários, institui forte sistema de censura às redes sociais, violação da privacidade dos usuários, destruição do sigilo de correspondência, armazenamento de conversas em grupos restritos – tudo independente de ordem judicial expressa. Legaliza o “grande irmão” orwelliano e institui um Ministério da Verdade.
O excremento censório, sem legitimidade, sem base firme no parlamento e desprovido de apoio popular, ganhou forte oposição nas redes sociais que pretende silenciar.
Ante o iminente risco de rejeição no parlamento, e a crescente reprovação nas redes sociais, o monstrengo censório ganhou “apoio” do STF, que manejou as malfadadas ferramentas inquisitórias para calar vozes discordantes.
Como um conselho de aiatolás, o Supremo Tribunal Federal autorizou o Ministro Alexandre de Moraes a usar os ditos procedimentos por ele presididos, para se afastar ainda mais da finalidade que deveriam, em tese, se destinar. Tratou de “remover” da internet conteúdos contrários ao projeto de lei em tramitação no Congresso. Absurda e inacreditável censura, com nítido caráter intimidatório.
Parar piorar, e talvez desviar a atenção da opinião pública – sempre com o apoio servil de uma mídia vergonhosamente amestrada, o Ministro que preside os inquéritos usou o mesmo instrumental inquisitório para “investigar falsificação de cartão de vacinação” do ex-presidente Jair Bolsonaro. Algo tão minúsculo para uma côrte suprema… que dispensa comentários.
Não se trata de adiantar juízo de valor sobre os objetos das investigações. Se trata de apontar a absoluta incompatibilidade do procedimento adotado com a Ordem Constitucional e o Estado Democrático de Direito.
E nem é o caso de fulanizar. A judicatura instalada no STF ratifica integralmente os graves procedimentos e agora é secundada por um Ministério da Justiça ideologicamente aparelhado – empenhado em ameaçar, agredir e intimidar opositores políticos do governo populista de Lula.
MEIOS CORROMPEM OS FINS
Não há “juízo universal”. O dom da onipresença é atribuição divina. Assim, o que presenciamos no Brasil, hoje, é uma sucessão de atos persecutórios que beiram à blasfêmia – ou pior, à ação dos fariseus contra Cristo, fazendo uso incorreto de processo acusatório visando crucificá-lo. No caso, a crucificação é do Regime Democrático e da Ordem Constitucional.
Em surpreendente (face ao contexto de subserviência) editorial, no dia 5 de maio último, o Jornal O Estado de São Paulo vaticinou:
“Sem ingenuidade, é preciso reconhecer a oportunidade.
Os dois episódios desta semana – arbitrar debate público por meio de inquérito policial e pendurar apuração de falsificação de cartão vacinação contra covid em procedimento relativo a crimes contra o Estado Democrático de Direito – facilitaram o trabalho do colegiado do Supremo. Eles são muito acintosos para serem relevados. Não se pode tapar o sol com peneira. A condução atual dos Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF não está de acordo com a lei e a jurisprudência do Supremo.”
Grande novidade…
Em maio de 2020, o Relator dos malfadados inquéritos emitiu dezenas de mandados de prisão contra blogueiros e jornalistas, sob o pretexto de estar combatendo “fake news” e protegendo a integridade da própria suprema côrte.
Na época, a decisão foi duramente atacada pelo Ministério Público Federal, que alertou que as diligências, e o próprio inquérito, estavam afetando o constitucional direito à liberdade de expressão nas redes sociais. Segundo o então Procurador Geral da República, Augusto Aras, o conteúdo publicado pelos investigados era “incisivo”, mas não se confundia com “prática de calúnias, injúrias ou difamações contra os membros do STF”.
“Em realidade, representam a divulgação de opiniões e visões de mundo, protegidas pela liberdade de expressão”, disse o procurador-geral, que citou diversas manifestações de ministros do próprio STF sobre liberdade de expressão.
Assim, o foco de todo o contexto sempre foi buscar matar a VERDADE. Jamais protegê-la.
NA ORIGEM, IGNORÂNCIA
O jornalismo crítico e a liberdade de expressão marcam a história do Brasil – de Gregório de Matos à família Mesquita, passando por Samuel Wainer e Carlos Lacerda.
Desde o episódio do assassinato de Líbero Badaró – cuja crise resultante levou à abdicação do Imperador Pedro I, o jornalismo brasileiro sempre esteve no centro dos grandes acontecimentos que levaram às mudanças institucionais da Nação. Não por outro motivo, o Poder Público brasileiro tornou-se conhecido por conspurcar sua própria legitimidade, destruir reputações e jogar autoridades e biografias na lama da história, todas as vezes em que ousou atentar contra a liberdade de imprensa e cercear o direito de opinião.
Mas o avanço da tecnologia impactou sobremaneira todo esse quadro histórico. Se o jornalismo de verdade é o grande filtro dos fatos, que busca trazer a verdade no choque de vieses e na transmissão livre das versões, registrados para a história, o advento das redes sociais permitiu ao cidadão comum sair da “coluna do leitor” ou da “seção de cartas” para criticar, contradizer, reeditar e divulgar sua versão dos fatos – atropelando o filtro jornalístico e desnudando as linhas editoriais que marcam a liberdade de imprensa.
Essa assimetria – intrínsecamente conflituosa, caracteriza os chamados interesses difusos que hoje marcam as demandas do Estado Moderno. E parece não estar sendo bem assimilada pela mídia mainstream… e muito menos pelas mentes populistas que hoje poluem a jusburocracia e o legislativo nacional.
Com o advento dos conflitos assimétricos, as plataformas de comunicação cindiram, gerando emulação entre mídias quentes e mídias frias. A mídia quente é formada pela imprensa tradicional, impressa, televisiva, radiofônica e cinematográfica – onde a informação é intrinsecamente densa, editada, fornecida de forma unilateral, com interação limitada e pressupondo uma plateia passiva. A mídia fria é composta pela televisão interativa, a mídia digital, as redes sociais, e os meios interpessoais tradicionais de comunicação – conversa pessoal, digitalizada ou telefônica – cuja informação é sensorial, com baixa densidade de informação, distribuída de forma difusa, aberta e participativa, pressupondo interatividade.
Esse fenômeno – e seu contexto, não serão contidos na base da caneta. Como se sabe – e a história ensina – um dia a tinta acaba. Por isso mesmo, por temer seu destino no tribunal implacável da história, e ignorar a natureza do contexto, certos personagens buscam impor absurda censura, sob pretextos questionáveis.
Críticas, versões, maledicências, mentiras e calúnias, ocorrem em qualquer comunidade plural. Combater o fenômeno por meio de repressão generalizada, censurando as redes sociais, como se o Estado passasse a ter lugar na mesa de jantar ou na sala de estar do cidadão, é uma forma patética de buscar transformar o curso dos fatos por meio da caneta. Um atestado de ignorância.
Repito: uma hora, inexoravelmente… a tinta acaba.
NO HORIZONTE A CRISE
O conflito expõe uma crise institucional sem precedentes, que se extende e se agrava a cada dia. Há uma nítida ausência de controle sobre o controlador. Uma falha constitucional que urge ser corrigida.
Esse é o estado da arte da crise em que o país está mergulhado. E a consequência lamentável é a desmoralização das instituições.
A péssima extração da atual judicatura suprema foi capaz, infelizmente, de criar confusão entre direito, pretexto, opinião, expressão, integridade, vaidade ferida, atentado à ordem constiticional, interesses ideológicos, difamação e calúnia.
Definitivamente, essa sucessão de imprecisões e teratologias procedimentais, posiciona a cúpula do Judiciário Nacional a serviço do mal… aplaudida por uma platéia de enlameados.
Nota:* PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “O CAOS SEM NOVA ORDEM – E AGORA?”, in: https://www.theeagleview.com.br/2020/05/o-caos-sem-nova-ordem-e-agora.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro – Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo, advogado formado pela USP, consultor ambiental, Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 09/05/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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