Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
“L’enfer, c’est les autres”
(Jean Paul Sartre)
Moradores do bairro Morrinhos, no Guarujá (SP), são os principais suspeitos de linchar até a morte a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos.
Fabiane foi confundida com um retrato falado espalhado nas redes sociais, atribuído a uma suposta sequestradora de crianças que praticava rituais de magia negra.
Amarrada e espancada nas ruas do bairro, ela acabou sendo vítima de mais um sincronismo junguiano, motivado pela ação de:
a- uma mídia irresponsável, emocional e leviana, que prestigia justiceiros e despreza a polícia,
b- uma população desprovida de valores morais, analfabeta funcional e de inteligência rasteira,
c- autoridades omissas, reféns do discurso “politicamente correto”, vitimizador de marginais. e
d- radicais prontos a diluir a responsabilidade de criminosos, alegando preconceito social difuso.
A Polícia Civil ainda não sabe quantas pessoas participaram do linchamento, mas já tem imagens da agressão coletiva, feitas com telefones celulares e divulgadas na internet. Investigadores fazem buscas e procuram testemunhas em Morrinhos, bairro miserável com mais de 20.000 habitantes, na periferia do Guarujá.
“Tudo indica que os autores são da comunidade mesmo. As imagens são fracionadas, mas permitem a identificação de pessoas que tenham relacionamento com os suspeitos. Ainda não sabemos quantas pessoas efetivamente participaram das agressões”, disse o delegado Luiz Ricardo Lara, do 1º Distrito Policial de Guarujá.
A questão, no entanto, é que o discurso do “ainda não sabemos”, não resiste a uma passada d’olhos nos vídeos produzidos por celulares e fotografias retratando a monstruosidade cometida não por um ou dois “justiceiros” mas, sim, por CENTENAS de covardes enfurecidos, tomados do mais perverso sadismo – homens, mulheres, jovens, idosos – gritando como se a cada pancada dada covardemente numa mulher indefesa significasse um lance esportivo digno de aplausos.
O problema, portanto, não está apenas no jornalismo “descerebrado”. O que assistimos é fruto do desastre social, do fenômeno do crescimento dessa massa de celerados morais, analfabetos funcionais, sem noção do que seja uma obrigação social, sistematicamente “vitimizados” por um estamento burocrático irresponsável, que não reprime, não julga e não pune.
O primeiro suspeito preso, que alegou ter massacrado a vítima por “ser pai de dois filhos”, não tem trabalho fixo, é assumidamente drogado e, embora não tivesse passagem pela polícia, já estava formatado pelas circunstâncias criminológicas que costumam moldar a criminalidade praticada no meio miserável, de degradação ambiental e urbana, das “comunidades” brasileiras.
Como diz Sartre: “o inferno são os outros” (e o nosso inferno está atolado na hipocrisia de um discurso “politicamente correto”, sem qualquer senso moral).
É preciso olharmos com mais atenção, conduções emocionais levadas a cabo por tipos de todo tipo, ocorrentes nas tragédias que nos assolam diariamente.
Estamos sendo oficialmente, aos poucos, porém em larga escala, privados de valores cívicos. Sem esses valores, somos contaminados por degradações morais de toda ordem. Ficamos à mercê de multidões de indigentes morais em busca de algum bode expiatório para descarregar o ódio de suas misérias cotidianas. Hipócritas em busca de conforto para seus pecados mesquinhos.
A única saída está na LEI, na ORDEM e na JUSTIÇA. Esses três esteios precisam ser resgatados imediatamente.
Para conter celerados morais que agem em massa, somente impondo a autoridade do Estado de Direito.
Que as autoridades usem o momento de comoção social, provocado pelo misto de vergonha, remorso e revolta, para efetivamente ocuparem o espaço que lhes cabe na estrutura social do Estado Brasileiro, cada vez mais esgarçada.
Nelson Rodrigues vaticinava que “há milhões de imbecis pelo mundo, os outros é que são uma minoria ridícula”. Isso, no entanto, não dá a essa maioria ignara o direito de ditar regras amorais, degradar a democracia e solapar a autoridade do Estado.
Todos nós somos responsáveis por este final funesto do episódio do Guarujá, quando nos deixamos levar por uma mídia cada vez mais voltada aos imbecis, por políticas públicas que vitimizam a imbecilidade e por autoridades que concedem espaço à criminalidade praticada no seio de movimentos sociais.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP) , sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Grupo Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.