Três experiências revelam o uso milenar do excremento como insumo de energia
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Em matéria de energia, inventamos a roda a cada cinco minutos…
E energia é um recurso do qual não se pode prescindir. O ser humano, cuja inteligência é inversamente proporcional à fragilidade de seu corpo, pautou seu ciclo civilizatório na busca de energia – com ela ele venceu o frio, processou alimentos, transformou o minério, e atingiu o estágio tecnológico que hoje possuímos.
As fontes são as mais variadas, a começar dos combustíveis e, nesse setor, os excrementos humano e animal sempre foram considerados essenciais.
Passados todos os ciclos de evolução da espécie humana e, à beira de uma encruzilhada, onde os recursos ambientais disponíveis já não bastam para alimentar as demandas de energia da espécie, mais do que nunca a “merda pode representar a saída para a merda ocasionada pela escassez de energia”.
Três momentos são aqui retratados, e revelam estágios diversos em relação à otimização do recurso como insumo energético.
OS NEPALENSES E O ESTERCO DO YAK
O yak domesticado é um dos meios para transporte de cargas mais utilizado no Nepal.
O fluxo enorme de turistas em direção ao Himalaia, multiplicou o uso de Yaks, que ajudam o transporte de carga e pessoas montanha acima.
O volume de excrementos deixados pelo caminho, por esse bovídeo carrancudo, no entanto, é muito bem vindo e se constitui em fonte preciosa de combustível. Afinal: o esterco queima.
Um litro de esterco seco de yak fornece cerca de 900 Kcal. Se fosse convertido perfeitamente em eletricidade, 1 kg de esterco poderia fornecer energia suficiente para alimentar um computador por mais de nove horas.
Os nepalenses secam e armazenam o combustível e o utilizam como há milênios, na alimentação dos aquecedores. Mas já estão pesquisando formas de otimizar esse uso.
UMA CIDADE MOVIDA A ESTERCO
Entre Rios do Oeste, no Paraná, uma cidade com 4 mil habitantes, vive da suinocultura e bovinocultura.
Nela está situada uma histórica base Náutica, e o conjunto se encontra em meio a privilegiada geografia.
A cidade, porém, é pequena, a população é predominantemente rural e a renda não paga o fornecimento de energia.
Por conta disso, a Prefeitura firmou parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis – CIBiogás e a Copel (Companhia Paranaense de Energia), objetivando “zerar” sua conta de energia elétrica.
A formula é a geração de energia a partir do esterco dos animais.
Todos os dejetos produzidos na zona rural, segundo o projeto, serão transformados em energia elétrica, que será utilizada para a iluminação municipal e o abastecimento de prédios públicos – como escolas e hospitais -, além das propriedades rurais fornecedoras do insumo.
O investimento é de R$ 17 milhões, proveniente de fundos de Pesquisa e Desenvolvimento aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.
O sistema irá ligar 19 propriedades da região por meio de uma tubulação de 22 quilômetros, que transportará o biogás obtido com o processamento dos dejetos. Além de garantir o tratamento dos dejetos animais, a ação tem um outro resultado: a produção de um adubo sustentável, também conhecido como biofertilizante.
O biogás produzido na rede de biodigestores será filtrado em uma refinaria para se transformar em biometano e este será canalizado para uma MCT (Minicentral Termelétrica) com capacidade total de 480 kw. A interligação das propriedades em torno da MCT é essencial para garantir a viabilidade econômica do projeto.
A iniciativa já é uma referência para a região oeste do Paraná e deveria ser seguida Brasil afora, pois, dos mais de 5000 municípios, pouco mais de 600 possuem população superior a 20.000 habitantes. Os demais, seguem a estrutura de Entre Rios do Oeste…
AUTOGERAÇÃO DE ENERGIA, COM O PRÓPRIO DEJETO
Saindo da geração de energia a partir de um sistema, para a geração descentralizada, pesquisadores da Nanyang Technological University de Cingapura criaram um método para que “sólidos” produzidos pelos humanos, tenham um destino mais digno que o esgoto.
O nome do sistema é No-Mix Vacuum Toilet. A ideia é utilizar as fezes das pessoas para obter energia limpa por meio de um sistema a vácuo, que separa a urina dos excrementos. Com isso, o material separado é processado e “transformado” em biogás, enquanto o líquido passa por processos químicos para virar fertilizante.
A novidade é que o sistema não “reúne” os insumos e, sim, obtém o que interessa no próprio local onde foram dispostos: o vaso sanitário.
O aparelho conectado ao vaso sanitário processa os dejetos e capta o biogás, bem como o líquido, que deverão seguir, por dutos próprios, até uma central coletora.
Ao contrário da tecnologia milenar do Nepal e do sistema já em pleno funcionamento do Paraná, a pesquisa de Cingapura ainda terá muito o que responder, até se tornar uma realidade.
No entanto, ela aponta para a individualização da geração de energia, um sonho para a ciência, um pesadelo para as grandes concessionárias de energia…
O fato é que o aproveitamento energético dos próprios dejetos, somado ao aproveitamento dos resíduos animais, como um todo, reduzirá consideravelmente a carga de poluentes sobre os recursos hídricos e aliviará o sistema de saneamento.
Talvez a solução para a energia, em um futuro próximo, esteja mesmo no vaso sanitário…
Fontes:
http://www.aventuramango.com.br/2013/06/sol-e-esterco-fontes-energeticas-no.html
http://www.tecmundo.com.br/energia-limpa/46265-cientistas-utilizam-fezes-humanas-para-criar-energia.htm
http://www.thegreenestpost.com/cidade-do-pr-sera-abastecida-por-energia
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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