Por Mauricio Waldman
Existem jargões que ingressam sem alarde no nosso vocabulário. Em parte, isto decorre da repetição. Mas também, as terminologias convencem por expressarem dados da realidade.
Neste prisma, a intenção deste artigo é discutir o chamado Custo Brasil. Não só isso: também relacioná-lo ao lixo.
Convenhamos, o custo do gerenciamento do lixo é um tema que ninguém ousaria questionar quanto à pertinência. Afinal, a remuneração para monitorar os refugos, de modo que as ruas, mesmo não ficando limpas, ao menos aparentem ser menos sujas que são de fato, é remunerado pelos impostos dos contribuintes. Ou seja: pelo imposto nosso de cada dia.
Antes, algumas palavras sobre o Custo Brasil.
Termo popularizado nas duas últimas décadas, a noção é difusamente utilizada para identificar toda sorte de malfeitos que infernizam o bom andamento da vida do cidadão, instituições e empresas. Alguns exemplos: corrupção, problemas logísticos, incompetência, burocracia, Justiça morosa, alta carga tributária, insegurança jurídica, etc.
Note-se que mesmo sendo genérica, a noção de um Custo Brasil encontrou receptividade por dar um nome às provações que baqueiam o ambiente de negócios no país.
Sintetizando o rol de transtornos que reinam no Brasil, o conceito obteve ampla difusão: foi endossado por grupos tão díspares quanto a CNI (Confederação Nacional da Indústria), centrais sindicais e bancos estatais.
Aliás, no que poderia ser irônico, o conceito de Custo Brasil surge pela primeira vez em 1994 em textos da Petrobras. Foi assim que os técnicos da empresa conceituaram – quem diria – os desmandos que penalizavam a produção, estancando o desempenho econômico.
No mais, estando claro a que se refere o Custo Brasil, cabe avaliar a conexão mantida com o lixo.
Para conhecimento: os resíduos brasileiros são gerados por um país que para o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e órgãos da ONU (Organização das Nações Unidas), constitui a sétima economia global. Na América Latina, o Brasil é a nação-líder nos indicadores econômicos.
Mas, em face das contradições e desigualdades que marcam a economia nacional, seria inútil comparar a gestão do lixo no Brasil com os países afluentes. Daí que uma avaliação mais oportuna seria com o contexto latino-americano, cuja realidade é semelhante à brasileira.
Pois bem, o que as estatísticas mostram é assombroso.
No custo unitário para a remuneração da limpeza por km (quilômetro), para coleta e disposição final do lixo, os valores brasileiros são todos, sem exceção, os mais altos. Isto para abduzir refugos que evoluem numa escala ímpar.
O Brasil é campeão latino-americano em geração de resíduos. Mesmo com os batalhões de catadores, a recuperação de materiais permanece abaixo da média regional.
Um dado significativo são os recursos humanos absorvidos pelos serviços de limpeza. Brasil, República Dominicana e Colômbia lideram, na América Latina, em funcionários. Em média, são 30 para cada 10 mil habitantes, as maiores taxas da região.
Para planos de manejo do lixo, o Brasil apresenta índices constrangedores. Apenas Nicarágua e Jamaica apresentam resultados piores que o nosso. Mais: o Brasil empata com o Peru no primeiro lugar em ausência de planos para aglomerações metropolitanas.
Isso sem contar que a existência de planos não garante qualidade do serviço prestado, nem sua aplicação ou mesmo a possibilidade de execução. No geral, os planos nada mais são que peças publicitárias exibidas durantes as eleições. Executá-los é outra discussão.
Assinale-se que o fim dos lixões, que era para acontecer em 2014 pelo PNRS (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), foi postergado para 2021.
Como perguntar não ofende, segue a indagação: E em 2021, será para valer?
Em suma, o que se tem são preços altos por serviços de péssima qualidade. Claro está que alguém paga pelo Custo Brasil do lixo. Precisa dizer quem?
Maurício Waldman é antropólogo, jornalista e coordenador editorial. Autor de “Lixo: Cenários e Desafios”, obra finalista da edição 2011 do Prêmio Nacional Jabuti. Waldman é pós-doutor pela UNICAMP (Universidade de Campinas, 2011) e USP (Universidade de São Paulo, 2013). Foi chefe da coleta seletiva de lixo da capital paulista e
coordenador de Meio Ambiente de São Bernardo do Campo. Contato: mw@mw.pro.br.
Artigo originalmente publicado no tradicional Jornal “O Imparcial” de Presidente Prudente – SP.
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