Por Vladimir Passos de Freitas e Karin Kassmayer*
O presente estudo diz respeito ao Decreto nº 11.080, de 24/5/2022, que altera o Decreto nº 6.514, de 22/7/2008, conhecido de todos que atuam na área do Direito Ambiental, por ter regulamentado Lei nº 9.605, de 12/2/1998. No ano de 2019, já houve alterações nesta norma infralegal pelo Decreto nº 9.760, de 11/4/2019, com o objetivo de tornar mais ágeis as cobranças de multas ambientais, com a criação do Núcleo de Conciliação Ambiental (NCA), sobre o qual se falará adiante.
Vejamos agora as alterações trazidas pelo Decreto nº 11.080, de 2022, que podem ser classificadas como alterações procedimentais, de conteúdo e acréscimos às normas que regem as infrações ambientais administrativas.
- Artigo 5º. A alteração do § 1º do artigo 5º passa a considerar como infração de menor lesividade a multa consolidada que não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00, e não a multa máxima cominada ou aplicável, no caso de multa por unidade de medida. Altera-se, assim, a regra, que aplicava a advertência apenas nas infrações em que a multa máxima aplicável em razão da prática ou cominada por unidade de medida não ultrapasse o valor fixado pela norma. Possibilita-se, assim, que a advertência seja aplicada a um rol maior de infrações administrativas, alterando-se um critério objetivo — a multa aplicável, a um critério que dependerá da aplicação da sanção administrativa caso a caso. Convém apontar que a aplicação da advertência não exclui a possibilidade de aplicação de outras sanções (cf. artigo 6º do Decreto nº 6.514, de 2008).
- Artigo 9º. São acrescidos novos §§ 1º e 2º no artigo 9º, que dispõe sobre o valor da multa administrativa. Pelos novos parágrafos permite-se a atualização monetária, aplicação de juros de mora e demais encargos após o prazo de apresentação de defesa (vinte dias após a data da ciência da autuação), mas limita-se o valor da multa ambiental consolidada, que não poderá exceder ao valor de R$ 50 milhões. Há um entendimento hoje de que a multa pode ser aplicada em circunstâncias agravantes e reincidências, e que ultrapasse, nesses casos, 50 milhões, pois pode ser aplicada em dobro e em triplo. Com a nova redação, estabelece-se um limite de aplicação da multa final, o que não ocorria com a redação anterior.
- Artigo 10. Houve apenas alterações de redação do § 6º, sem mudança de conteúdo. Alterou-se autoridade ambiental para “autoridade competente” e inclusão de vírgula entre “autuado” e “posterior execução”.
- Artigo 11. Dispõe sobre reincidência e agravamento das sanções. Altera o momento inicial da contagem do prazo para a apuração da reincidência. Passa a ser do julgamento definitivo do auto de infração, e não da lavratura do auto de infração confirmado em julgamento, o que se afina com previsão existente no Código Penal. A nova redação do § 1º exige certidão com as informações sobre ao AIA anterior e não mais cópias, atualizando-se o procedimento para garantir maior eficiência ao processo administrativo. O novo § 2º traz a mesma regra já prevista no anterior inciso II do § 4º do artigo 11 — oportunidade do contraditório ao autuado que poderá se manifestar sobre a possibilidade de agravamento da penalidade. O atual § 2º que prevê uma obrigação específica à autoridade ambiental, qual seja, a de verificar a existência de auto de infração anterior confirmado em julgamento, foi excluída. A constatação será feita com a certidão. Além disso, a adesão a uma das soluções previstas no artigo 98-A — soluções legais para encerrar o processo — não exime a contabilização da infração cometida para fins de aplicação da reincidência e agravamento. O disposto no artigo 11 aplica-se aos autos de infração lavrados a partir da vigência do novo decreto.
- Artigo 13. Cria-se novo parágrafo único no artigo 13, que dispõe sobre a destinação de 20% dos valores arrecadados ao Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), de modo a prever que os valores excedentes ao percentual fixado no caput a outros fundos administrados por outros entes federativos dependerão de celebração de instrumento específico.
- Artigo 20. Trata das sanções restritivas de direito. Houve apenas alteração da expressão “autoridade ambiental” para “autoridade julgadora”.
- Artigo 54-A. Criação de novo tipo infracional administrativo. Trata-se de adquirir, intermediar, transportar ou comercializar produtos (de origem animal ou vegetal) produzidos sobre área objeto de desmatamento irregular, com multa de R$ 500,00 por quilograma ou unidade. Trata-se de importante inovação que visa trazer maior eficácia à legislação que controla os desmatamentos ilegais. O artigo 54 do Decreto nº 6.514, de 2008, previa o tipo infracional apenas para áreas embargadas.
- Artigo 82. Infração de omissão ou falsidade de informação. Cria-se uma importante inovação com o novo parágrafo único, pela previsão de agravante da pena quando a infração envolver movimentação ou geração de crédito em sistema oficial de controle da origem de produtos florestais.
- Artigo 93. Agravamento das sanções no caso de UC. Altera-se a redação para prever que nos casos em que a unidade de conservação configurar elemento essencial do tipo, não ocorrerá o aumento da multa. Na redação original, a concepção é a mesma, mas mencionava-se a não ocorrência do aumento da multa nas infrações dispostas na Subseção.
- Artigos 95-A a 102. Foram alterados os artigos 95-A, 95-B, 96, 97-B, 98, 98-A, 98-B, 99, 100 e 102, no que toca ao processo administrativo ambiental.
A conciliação e uma das soluções legais possíveis para encerrar o processo, que eram previstas de modo exemplificativo no artigo 98-A, § 1º, II, “b”, passam a ser estimuladas pela administração pública. Na redação dada pelo novo decreto, este artigo é alterado, prevendo-se expressamente as soluções: desconto para pagamento da multa, parcelamento e conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Prevê-se um regulamento para disciplinar o procedimento para a adesão a uma dessas soluções legais (95-B) e que o pagamento da multa ambiental consolidada será interpretado como adesão à solução legal e implicará no encerramento do processo administrativo. No entanto, não está claro nos casos em que houver pagamento quanto ao encerramento depender da reparação do dano ambiental.
Prevê-se nova constituição do NCA, que passa a ter no mínimo dois servidores do órgão ou da entidade da administração pública federal responsável pela lavratura do AIA. A redação anterior era “no mínimo um deles”. Quanto às competências do NCA, mantém-se a análise preliminar da autuação para convalidar de ofício o AIA que apresentar vício sanável e declarar nulo o AIA que apresentar vício insanável, mas retira-se o dever de pronunciamento do órgão da Procuradoria-Geral Federal que atue perante a unidade administrativa responsável pela autuação. Tal fato pode gerar conflitos com o órgão responsável pela análise jurídica dos processos.
Além disso, o NCA passa a decidir sobre a consolidação do valor da multa ambiental. Os integrantes do NCA antes eram designados por portaria cuja decisão era conjunta do ministro do MMA e do dirigente máximo do órgão ou da entidade ambiental da administração pública federal. Agora, a decisão é somente do dirigente máximo do órgão ou da entidade ambiental da administração pública federal, no caso, do Ibama. Exclui-se a participação do MMA na assinatura do ato e na definição das condições para a dispensa da realização de audiência de conciliação ou audiência complementar (§ 6º do artigo 98-B).
A intimação pessoal do autuado ou por via postal poderá ser substituída por intimação eletrônica, em total compasso com o processo civil. Prevê novo § 5º ao artigo 96 para que conste no termo de notificação da lavratura do AIA as opções do autuado: apresentar defesa, requerer a realização de audiência de conciliação ou aderir a uma das soluções de encerramento do processo. No mesmo sentido o § 5º do artigo 98-B determina que a audiência de conciliação seja realizada, preferencialmente, por videoconferência.
O procedimento é alterado, então, para que o autuado tenha 20 dias de prazo contados da lavratura do AIA para optar por uma das modalidades descritas acima. Na redação original, o autuado era notificado para, querendo, comparecer à audiência de conciliação. O procedimento, a priori, parece ter se tornado mais eficiente e razoável para a administração pública. Agora, o autuado se manifesta do início do processo, sendo que o requerimento de participação em audiência de conciliação ambiental interrompe o prazo para oferecimento de defesa.
O novo artigo 97-B traz regras quanto ao conteúdo de requerimento de adesão imediata a uma das soluções legais de encerramento do processo. A confissão irrevogável e irretratável do débito, a desistência de impugnar judicialmente a autuação ambiental e a renúncia a quaisquer alegações de direito podem gerar o debate de que se está a violar o direito dos administrados de impugnarem judicialmente os atos administrativos, ou seja, o direito do controle judicial sobre os atos da administração, invocado pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição (inciso XXXV, artigo 5º da Constituição). Insere-se como conteúdo do relatório de fiscalização a indicação justificada da incidência de circunstâncias agravantes ou atenuantes (98, parágrafo único, IV).
Quanto às regras sobre a impossibilidade de apreensão, cria-se novo § 2º ao artigo 102 para determinar que na hipótese de o responsável pela infração ser indeterminado ou desconhecido, a lavratura do termo de apreensão será realizada por meio da publicação de seu extrato no Diário Oficial da União, garantindo-se a devida publicidade e transparência.
- Artigos 113 e 116 (defesa). O desconto de 30% quando ocorrer o pagamento da multa passa a ser viabilizado somente no caso de pagamento à vista, excluído este desconto na hipótese de parcelamento. Quanto à apresentação de procuração pela defesa, esta pode ser apresentada no prazo de 15 dias após a apresentação da defesa. Pelo direito à ampla defesa, o autuado poderia ser notificado para corrigir a irregularidade, mas o artigo 116 dispõe que a não anexação do instrumento pode acarretar o não conhecimento da defesa apresentada.
- Artigo 120. Inclui-se no rol de provas rejeitadas, as ilícitas.
- Artigo 127 e 127-A (recurso). Altera-se a nomenclatura de recurso hierárquico para voluntário. O recurso será encaminhado à autoridade competente para o julgamento em segunda e última instância administrativa. Redação anterior previa o encaminhamento do recurso à “autoridade superior”. O julgamento em primeira instância estará sujeito ao reexame necessário nas hipóteses definidas em regulamento.
- Artigos 139, 140, 142-A (conversão de multas). Preveem-se outras hipóteses, a serem definidas em regulamento, que impossibilitem a autoridade competente a converter a multa simples em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. No decreto até então vigente, a hipótese de impossibilidade de conversão da multa era a ocorrência de infrações que tivessem causado morte humana. Amplia-se a possibilidade de restrição da medida, portanto, que dependerão de regulamento, o que, ainda que meritória a inovação, parece inadequado, pois está-se a tratar de um regulamento da lei. Além disso, ampliam-se os objetivos de recuperação e preservação ambientais, o que é positivo.
As modalidades de conversão da multa eram indicadas pela administração pública ambiental e tal exigência é retirada. Foram aprimoradas as regras quanto às modalidades de conversão das multas, com a possibilidade de o órgão ambiental realizar processos de seleção para escolher projetos, definir que o autuado arcará com os custos necessários à efetiva implementação do serviço ambiental e previsão de regulamento para a adesão ao projeto.
- Artigo 146 (termo de compromisso). Inclui-se e regularização ambiental como cláusula obrigatória do termo de compromisso, além da reparação dos danos decorrentes da infração, conforme regulamento a ser elaborado.
Aí estão as inovações feitas. Espera-se que venham ser úteis à proteção do meio ambiente.
*Vladimir Passos de Freitas é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Karin Kassmayer é consultora legislativa do Senado Federal e professora de Direito Ambiental no programa de mestrado profissionalizante do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 02/06/22
Edição: Ana Alves Alencar
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