Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Sanna Dullaway, artista sueca, deu colorido à foto em branco e preto de Dorothy Counts, uma mulher de atitude que mudou muita coisa nos EUA ao tentar frequentar uma High School no final dos anos 50.
O vestido de Dorothy foi feito por sua avó especialmente para seu primeiro dia de aula. Cuspiram nele.
Centenas de alunos seguiram e acompanharam sua chegada à escola. De vez em quando alguns jogavam coisas em sua direção enquanto outros faziam gestos obscenos.
Os estudantes gritaram para ela voltar para casa. Dorothy foi em frente sem reagir.
Pode parecer pouco, mas os quatro dias em que Dorothy tentou frequentar a Harry Harding High School foi de grande importância para o e fim da segregação racial nos Estados Unidos.
Mas… qual seria a relação desse episódio com a realidade brasileira?
A relação é mais intensa que parece.
De fato, no país da integração de raças, o preconceito racial se denotava, até pouco tempo atrás, na absoluta ausência do negro na paisagem do alto funcionalismo público e, principalmente, na direção das empresas privadas – nacionais e estrangeiras.
Até alguns anos atrás, observar um ou vários afrodescendentes em um espaço “corporativo”, em local destinado a “autoridades”, em um lugar luxuoso ou clube exclusivo, gerava desconforto ambiental. Nada é mais complexo e doloroso, para quem é razão do “desconforto”, que, justamente, sentí-lo.
Quando não aflorado pela rejeição expressa ou agressão ao “intruso” (o que seria um ato discriminatório explícito), o preconceito dissimulado, e conscientemente negado, aflora nas atitudes comportamentais que constrangem a todos os protagonistas, exatamente nesses momentos em que o convívio social é devido.
Percebendo esse detalhe perverso, após décadas de indulgência paternal e hipocrisias, um líder da causa, José Vicente, vislumbrou a necessidade de vencer a discriminação por meio de outra arma, que não a da militância em prol da vitimização. A arma escolhida foi a educação.
Vicente vislumbrou que a forma mais importante de vencer a discriminação era inserir o negro na paisagem cotidiana da elite urbana e rural brasileira. Essa inserção deveria passar pela meritocracia – portanto, deveria haver um esforço consciente de garantir oportunidades ao afrodescendente de obter graduação acadêmica, que lhe permitisse disputar o mercado de trabalho com as mesmas armas e condições dos demais cidadãos brasileiros.
Isso só ocorreria se, a par de políticas públicas de inclusão social e racial, houvesse, também, iniciativas no campo educacional, voltadas meritóriamente, para a comunidade afrodescendente, sem qualquer arranjo ou regulamento discriminatório – apenas reforçando o currículo com matérias de resgate histórico da condição do afrodescendente.
Foi assim que pudemos vivenciar, abaixo do equador, a primeira experiência de um cursinho vestibular e, após muita luta, de uma faculdade formada por afrodescendentes, que no entanto não discrimina ninguém.
O exemplo vem dos EUA, que desde o Século XIX já possuíam instituições similares, ali, segregadas por conta da forte discriminação.
O fato é que as Faculdades Zumbi dos Palmares, como nos EUA, retiraram o movimento de afirmação negra do “coitadismo militante”.
A experiência de formar profissionais e inserí-los em um mercado de trabalho de nível superior, antes praticamente ocupado por brancos, revelou ser efetivamente libertadora. Superou a vitimização e conferiu dignidade à luta pela inclusão social no Brasil.
Repete, aqui, o exemplo de Dorothy, com sucesso.
Parabéns a todos os irmãos que rompem barreiras e conquistam seu espaço ESTUDANDO E TRABALHANDO, exercendo sua CIDADANIA em uma sociedade cada vez mais hipócrita e pouco cidadã.
VIVA ZUMBI!
ZUMBI VIVE!
ZUMBI VIVO!
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 20/112020 e 11/2015
Edição: Ana A. Alencar