Por Leila Nascimento e Talden Farias*
Neste sábado (22/5) se comemora o Dia Mundial da Biodiversidade, conforme estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU). A escolha da data é uma referência à aprovação do texto final da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), ocorrida em 1992 na Rio-92, que foi a segunda conferência da ONU sobre meio ambiente.
A biodiversidade, ou diversidade biológica, é a terminologia usada para designar a variedade de vida no planeta, bem como a complexidade das relações que envolvem essas vidas. O artigo 2º da Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica, que foi promulgado pelo Decreto Federal nº 2.519/98, determina que diversidade biológica “significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas”.
Mais do que uma data de comemoração, cuida-se de uma oportunidade de luta e de reflexão política acerca do que tem sido feito e do que pode ser feito em prol do tema. A crise da biodiversidade consiste na perda de variedades nativas e na fragmentação das reservas de material genético, o que é causado pelo desmatamento, pelas mudanças climáticas, pela introdução de espécies invasoras, pela poluição, pela superexploração de recursos naturais etc.
A ONU criou em 2004 um grupo de trabalho para a discussão acerca do tema, o que culminou na proposta de um acordo internacional sobre o acesso a recursos genéticos e repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização. Esse trabalho resultaria no Protocolo de Nagoya, o qual passou a ser assinado por diversos países após a conferência realizada em 2010, no Japão, não obstante ter entrado em vigor apenas em 2014, após atingir o número de ratificações necessárias.
O intuito é fazer com que os países mais desenvolvidos compensem os países em desenvolvimento pela conservação da biodiversidade ao fazerem uso de recursos genéticos oriundos do território destes. Cumpre lembrar que uma das metas da 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10) foi a repartição justa e equitativa entre os membros dos benefícios decorrentes do uso dos recursos genéticos provenientes das plantas, animais e micro-organismos.
O Protocolo de Nagoya e a ética inter e intrageracional
O Protocolo de Nagoya estabelece a necessidade de equidade no que diz respeito ao proveito e à remuneração sobre o uso de recursos genéticos entre os países. Verifica-se através desse protocolo a segurança jurídica nas relações internacionais que dizem respeito à biodiversidade. Isso ocorrerá pela previsibilidade da exploração e do retorno que essa pode trazer tanto ao país que explora o recurso, como para aquele explorado. O intuito é distribuir com justiça e equitativamente, entre os países, os recursos genéticos advindos da riqueza de biodiversidade existente em um local.
O homem assume certos riscos da exploração de recursos naturais, especialmente genéticos. Exemplo: a retirada de um ser na natureza, uma espécime aquática pode representar um perigo, a extinção daquela espécie. É a proteção jurídica internacional dos danos que podem advir da exploração genética da biodiversidade que é tratada no documento. Esse prevê guarita a situações futuras, inclusive transfronteiriças, e de incerteza científica. O protocolo de Nagoya torna-se, assim, uma referência de possível aplicação tanto do princípio da prevenção como do princípio da precaução ou incerteza científica.
Observa-se a precaução e a prevenção entre os países através do incentivo à pesquisa científica, ao uso sustentável dos recursos genéticos e o estabelecimento de regras para sua ocorrência. Assim, a pesquisa ética, internacional, que é importante para o desenvolvimento mundial, continua, com parâmetros de interferência científica, transferência de tecnologia, exploração de recursos advindos da natureza para esse fim, e com previsão de aproveitamento econômico, repartição de renda e de preservação. Isso atende a uma lógica distributiva, fazendo com que as nações mais desenvolvidas contribuam para a promoção da proteção do meio ambiente, para a eficiência econômica e para a justiça social, partindo de um critério evidente de sustentabilidade.
Argumentando, tem-se que considerar que o Protocolo de Nagoya protege ainda o patrimônio tradicional. Sim, as comunidades que vivem em torno dos recursos naturais (a exemplo da Amazônia indígena) têm vasto conhecimento desses. Assim, os países signatários de Nagoya são obrigados a garantir o bom relacionamento com essas comunidades de forma a preservar o seu modo de vida, da melhor forma possível. Prevê ainda a clareza nas relações bem como a necessidade do desenvolvimento sustentável em prol do ser humano, não só como seu habitat natural, mas como a ideia de algo que propicia o seu conforto.
A equidade estabelecida pelo protocolo segue os parâmetros da solidariedade intergeracional e intrageracional, uma vez que é preservado o patrimônio genético atual, feita sua exploração com critérios de razoabilidade, racionalidade e proporcionalidade, a fim de preservá-lo ou de garantir o desenvolvimento justo às gerações futuras, bem como transferir dinheiro e conhecimento dos países ricos para os países em desenvolvimento.
O Brasil e a adoção do Protocolo da biodiversidade recomendado pela ONU
No Brasil, especialmente considerando a necessidade de proteção à Amazônia Legal, dada a sua biodiversidade, bem como aos demais biomas, tem-se a adoção do Protocolo de Nagóia apenas com a promulgação do Decreto Legislativo nº 136/2020, embora somente agora, em março de 2021, o Brasil tenha ratificado o documento, passando a ser oficialmente signatário da convenção. Segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências [1], a iniciativa do protocolo e sua adoção vêm pela “necessidade de conhecimento do vasto conjunto de informações genéticas dos organismos vegetais e animais, grande parte ainda desconhecida pelo ser humano. A mesma espécie, por habitar ambientes com características individuais e específicas, preserva informações genéticas completamente diferentes nos seus genomas”.
O chamado Grupo dos Países Megadiversos, formado por países como África do Sul, Brasil, China, Colômbia e Índia, reivindicava um mecanismo capaz de dar concretude ao regime acesso e repartição de benefícios (ARB em inglês: access and benefit-sharing). Esse é exatamente o papel do protocolo, que possibilita que se explore recursos naturais genéticos, que se evite o tráfico de patrimônio genético, e que, sobretudo, se respeite a biodiversidade nesses países, bem como a forma de vida das populações tradicionais, como os índios, que em muitos casos foram extirpados do seu estilo de vida e, consequentemente, do seu patrimônio natural. Não são tantos os índios que preservam atualmente seu modo de vida tradicional, com conhecimento vasto acerca das plantas, dos animais e do seu poder curativo ou nutricional, por exemplo
Em outras palavras, esses povos tradicionais precisam garantir a sua subsistência, não podem sobreviver à margem da sociedade. Todavia, ocorre que os conhecimentos deles acerca dos recursos ambientais, podem resignificar, por exemplo, a medicina, os meios curativos, sendo essenciais para o bem-estar da humanidade. Assim, a Amazônia, como território brasileiro, inclui a proteção dos indígenas como seres que ali habitam. Mas o respeito a esses homens e seu estilo de vida não pode significar a não exploração econômica da floresta, sobretudo para fins medicinais.
Há de se avaliar a melhor forma de exploração da floresta, sobretudo para fins curativos que a justifiquem, aliar interesses econômicos (medicinais, farmacêuticos e alimentares), sociais e de preservação do meio ambiente. Conclui-se que muito tem que ser feito em termos de efetividade de protocolos e educação ambiental acerca da biodiversidade. A data comemorativa dessa serve à reflexão ao encontro de diferentes povos em prol de um interesse comum. Respeito à vida, ao Planeta Terra, aos recursos florestais, aos aquáticos, aos terrestres e conhecimentos tradicionais e animais nela existentes. A proteção ambiental faz-se necessária e Nagoya pode possibilitar o encontro, a sinergia entre exploração de recursos e a convivência pacífica com a sua exploração.
[1] CARQUEJA, LARISSA. BRASIL APROVA A RATIFICAÇÃO DO PROTOCOLO DE NAGOYA COM DEZ ANOS DE ATRASO. Disponível em: http://www.abc.org.br/2021/03/23/brasil-aprova-a-ratificacao-do-protocolo-de-nagoya-com-10-anos-de-atraso/ Acesso em: 15/5/2021.
*Leila Nascimento é doutoranda em Direito Público pela Universidad Castilla de La-Mancha/ES e mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade na ESDHC.
Talden Farias é advogado, doutor em Direito da Cidade pela UERJ e em Recursos Naturais pela UFCG e professor da UFPB e da UFPE.
Fonte: Conjur
Publicação Ambiente Legal, 23/05/2021
Edição: Ana A. Alencar
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