“Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Brinque, meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que na quarta-feira a luta recomeça, mas ao menos se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!”
(Dom Helder Câmara, “Um olhar sobre a cidade”, 1975)
Por Ana Alencar*
É muito comum nessa época do ano – carnaval no Brasil – vermos pessoas criticando o evento, os altos gastos nos desfiles, a bagunça dos blocos pelas cidades, os casos de violência, de assédio, bebedeira, drogas, roubos ou criticando o povo que “esquece” as mazelas do país para cair na folia, dizendo que é coisa do demônio, que só tem safadeza e sem-vergonhice, etc, etc, etc…
Sim, no carnaval acontece tudo isso e muito mais.
O carnaval está ligado diretamente à liberdade, às comemorações e festividades, como foi desde às primeiras manifestações, lá na Antiguidade… e no Brasil não é diferente.
No carnaval há muito desperdício com dinheiro público mas isso tem a ver com o uso que fizeram da festa, um atrativo turístico e financeiro. Ele sempre foi um festejo popular que ocorre nas ruas, sem distinção de pessoas. É só ir pra rua e se divertir.
Hoje, em São Paulo e em muitas cidades do país, essa manifestação popular autêntica tem crescido, em contraposição aos grandes e caríssimos desfiles de escolas de samba, tanto para quem quiser participar delas quanto para assisti-las.
Esse crescimento, a cada ano, tem exigido mais apoio e segurança por parte dos gestores municipais e do policiamento, mas, ainda sofre com a falta de uma boa estrutura organizacional, embora os acidentes e incidentes sejam mínimos perto da grande quantidade de foliões que têm comparecido nos blocos de rua.
Tem bebedeira, tem assédio, tem drogas, tem roubo, tem coisas ruins, mas também tem muita coisa boa. Tem alegria, diversão, amigos e familiares que se reúnem fantasiados ou não, tomando as ruas, brincando, cantando e dançando. Tem pessoas de zero a cem anos, no chão, no colo, nos ombros, em carrinhos ou cadeira de rodas. Plena liberdade que temos apenas em quatro ou cinco dos 364 dias do ano.
São muitas as pessoas que aproveitam esses dias para se mostrarem como realmente são, sem máscaras (mesmo usando-as em alguns casos). extravasando suas fantasias (mesmo quando não estão fantasiadas). Somente no carnaval isso acontece. Em nenhuma outra festa popular temos e vemos tanta liberdade, alegria, confraternização e descontração.
Muitos foliões aproveitam o momento para fazer uma manifestação bem humorada sobre a crise no Brasil, se fantasiando ou criando bonecos de determinados políticos.
Os incidentes negativos ficam por conta do caráter de pessoas que aproveitam a festa para cometerem atos criminosos, mas essas são a minoria. Ficam por conta também dos organizadores dos desfiles das escolas de samba, dos trios elétricos, dos bailes de salão nos clubes, que cobram fortunas, numa festa que, historicamente, é gratuita e sem diferenciação ou discriminação de pessoas.
Sim, eu gosto e brinco o carnaval na rua e não acho que seja culpa do evento em si o mau uso que fazem dele. O carnaval é lindo quando realizado pelo e para povo nas ruas e bem organizado para que não ocorra acidentes.
O povo tem direito à alegria, pura, espontânea, livre e gratuita. Tem direito de se fantasiar ou não, de rir, brincar, cantar, dançar nas ruas, praças e avenidas do país.
O carnaval é o mais democrático de todos os festejos populares brasileiros e, se ele nos faz “esquecer” as graves e grandes questões do país, qual o problema em deixarmos de pensar por uns momentos em todo o mal que nos assola?
Então, é bom que esse “esquecimento” seja logo no início do ano para termos fôlego e a alma um pouco mais leve e pronta para enfrentarmos, durante todo o resto dele, a verdadeira “safadeza e sem-vergonhice” no vergonhoso baile de máscaras em que desfilam a política e a justiça brasileiras.
Simbora!!!
“Ó abre alas que eu quero passar…”
*Ana Alencar é professora, poetisa e membro do corpo de redação do Portal Ambiente Legal.