Palestra do Ministro Barroso na PUC – Rio, expõe conflito entre o direito penal que existe e o direito penal que se pretende no STF
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Manifestação do Ministro Barroso reforça o divórcio entre o direito como é, o direito aplicado, a crítica que se faz do direito e a falta de efetividade do que se julga no STF.
Barroso vai à PUC
Em palestra na manhã da sexta-feira do dia 17 de março último (2017), na PUC-Rio, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou não acreditar que seja possível mudar o mundo com mais Direito Penal e repressão. Ao ver do Ministro do STF, isso é feito por meio de educação e distribuição de renda. Contudo, um sistema criminal como o brasileiro não exerce sua função preventiva, porque nenhum rico é punido, apontou.
“O Direito Penal brasileiro é ineficiente e não consegue atingir aqueles que ganham mais de cinco salários mínimos. Isso fez com que tivéssemos um ‘país de ricos delinquentes’, onde a corrupção é o modo natural de se fazer política e negócios no país”, vaticinou o Ministro.
Para Barroso, é preciso haver “um Estado que puna os empresários que fraudem licitações, os operadores do mercado financeiro que lucrem com insider trading, os gestores de fundos de pensão que desviem recursos. Isso não é Estado policial, é Estado de Justiça”.
Chovendo no molhado da chuva que provocou
O Ministro Barroso repetiu o mantra de todo operador do direito consciente. Ou seja, “choveu no molhado”. O molhado, no entanto, é da chuva que lhe compete promover.
Ocorre que Barroso integra o topo do Poder que deveria justamente aplicar esses conceitos e, ao que tudo indica, não o faz com a eficácia esperada.
Não é por falta de lei que não se aplica no Brasil o que pretende o Ministro Barroso. O problema está na postura cultural dos aplicadores da lei. Essa postura é necessariamente ditada a partir da cúpula do Poder de Estado, ou seja, por ele próprio, o crítico que integra essa cúpula, e seus companheiros de Côrte.
Assim, a busca de um “Estado de Justiça”, contida na peroração de um membro da Justiça de Estado, transcende o lugar comum e revela uma fissura institucional profunda – um divórcio entre o que quer aplicar o ministro e o direito que ele aplica.
Um direito aplicado por quem nele não acredita
Contextualizadas as afirmações de Barroso, resta cristalina a dificuldade que ele tem, de aplicar um direito que ele próprio desacredita.
Com efeito, parece que o direito material que está nas mãos do Ministro, não lhe agrada. No entanto, o que ele tem é bastante para realizar o Estado de Justiça pretendido.
Ao denunciar esse direito, parece que Barroso não busca um direito realista e, sim, um direito “poliânico”, algo que torne o mundo rosa, dourado e azul-bebê. Isso talvez explique as divagações conceituais encetadas pelo Ministro e seus pares, em vários votos de Barroso e pronunciamentos realizados.
Talvez explique, também, o porquê de tantas decisões resultarem e tutela com pouquíssima efetividade.
Se Barroso não acredita no direito penal brasileiro, acredita firmemente por outro lado, que pode “construir” uma nova sociedade a partir da reinterpretação do direito, como se o direito não fosse reflexo da sociedade e sim esta reflexo daquele.
Como dito por Barroso, um sistema criminal como o brasileiro “não exerce sua função preventiva”, porque “nenhum rico é punido”.
Data venia, ainda que correta a afirmação, Barroso está errado, e pelo visto ainda não lhe caiu a ficha da triste realidade do “Estado de Coisas Inconstitucionais” que o cerca – a ele e a todos nós…
Um Tribunal nas nuvens
Não é um problema apenas do Ministro. Envolve praticamente toda a Côrte Suprema, embalada por ativismos e principiologismos que surpreendem a toda hora e desacreditam não raro a estrutura legal que deveria ser aplicada.
Já disse isso mais de uma vez, em outros artigos: nosso supremo tribunal, ao adotar a iluminação constitucional ao sabor dos princípios doutrinários de cada um de seus membros, transformou-se em uma espécie de Conselho de Guardiões – o colegiado de Aiatolás iranianos, interpretadores xiitas de normas do Alcorão, sob inspiração divina.
Não por outro motivo, as sessões da Côrte passaram a ganhar audiência similar à das novelas mexicanas, repletas de maneirismos e idiossincrasias. Por isso mesmo, não é de surpreender a frequência com que o colegiado do STF protagoniza conflitos, em vez de resolvê-los.
A efetividade das decisões parece ir para o vinagre da praxis judiciária, exigindo não raro “modulações” tardias. Assim foi com a revisão de penas no Mensalão, a decisão sobre presunção de inocência e condenação em segunda instância sem trânsito em julgado, aborto em fetos com até três meses, indenização a presos vitimados em rebeliões de presídios, execução penal de condenados por crime hediondo, etc…
Nos vários episódios do impeachment de Dilma Rousseff e nos embates com o Parlamento Nacional, o STF pareceu não mais saber que constitucionalismo professar. Transformou-se, em vários momentos, de Supremo Tribunal em Supremo Triturador da República.
Pintadas as cores inocentes que muitas vezes observa em suas decisões, o STF parece seguir um “Manual de Direito Constitucional para Colorir”, fonte doutrinária usual de todo operador dedicado a judicializar a vida do cidadão, a política e a administração nacional.
O problema desse direito colorido é dar a entender que no topo do judiciário nacional, decide-se para que nada seja decidido. Assim, com o qual, sem o qual, apesar do qual, tudo fica tal e qual na moribunda república brasileira…
Um sistema de contenção social
Voltando ao Ministro Barroso. O que se extrai da peroração é a busca por um mundo ideal, não praticado no Estado Brasileiro, cuja cúpula ele próprio integra.
Barroso pretende um Direito Penal totalizante, equânime e provido de um sistema punitivo universal, onde possa dispor de penas com função preventiva, tutela de bens jurídicos que expressem valores sociais homogêneos e solução para conflitos aparentes que nunca foram solucionados pela justiça penal.
O Prof. Salo de Carvalho, destacado em um post nas redes sociais de outro brilhante jurista, Pedro Estevam Serrano, comentou os dizeres de Barroso, na PUC, concluindo que “o culto aos mitos fundantes do Direito Penal moderno faz com que o Ministro sustente a sua ineficiência”.
Carvalho disse mais:
“Ocorre que, desde muito tempo, a Criminologia Crítica demonstrou (e segue demonstrando empiricamente) a falácia deste discurso: o sistema penal é seletivo; a pena tem função excludente; os bens jurídicos são definidos politicamente conforme interesses particulares; os conflitos são estruturais e potencializados pela justiça criminal. O Min. não consegue perceber, portanto, que o Direito Penal brasileiro e a justiça criminal nacional são profundamente eficientes. Não fosse, não teríamos quase 700 mil presos. A sua eficiência decorre das funções reais que desempenha: por um lado, o sistema punitivo é marcado pela seletividade, pela violência programada e pela exclusão sistemática de pessoas e grupos marginalizados; por outro, se caracteriza pela imunização das elites e pela consequente distribuição de privilégios. Aqui sua força e utilidade políticas e o seu ‘sucesso’ operacional.”
Crítica social à parte, lidamos todos com um sistema de “contenção social”, não de “libertação” da sociedade.
Rebelar-se contra isso é negar aplicação à Lei. Negar aplicação à lei é negar tutela à Ordem Pública e gerar insegurança jurídica – estimular o conflito ao invés de promover sua resolução.
Com sua crítica ao direito que deveria aplicar, Barroso demonstra pretender um direito totalizante e difuso. Não por acaso, arrisca-se a produzir um direito totalitário e confuso.
Proselitismo, definitivamente, não constrói o direito.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.