A baixa popularidade de Haddad é também resultado da falta de compromisso com as propostas de campanha.
Por Edson Domingues
Numa das primeiras aparições públicas após assumir o Edifício Matarazzo, Fernando Haddad afirmou num encontro da Rede Nossa São Paulo, que administrar São Paulo era como praticar esporte radical, tamanho desafio que teria pela frente.
Passados quase 30 meses da sua posse, o desafio o levou à precária avaliação de sua administração. Pesam sobre o prefeito o conservadorismo do paulistano e as medidas que privilegiam o transporte coletivo em detrimento ao individual.
Primeiro foram críticas às faixas exclusivas de ônibus, em seguida o recall das ciclovias, mas o desgaste de Haddad – só comparado à gestão Pitta – não pode ser atribuído apenas aos interesses particulares ou à direita paulistana.
As ocupações de prédios no Centro por Movimentos de Moradia, o conflito no Parque Augusta e a recente invasão durante aula do prefeito na USP demonstram também a insatisfação à esquerda.
A administração Haddad perdeu o controle da gestão, numa cidade em que o interesse de mercado prevalece sobre o interesse coletivo.
O problema, no entanto, não se resume ao econômico ou ideológico. A baixa popularidade de Haddad é também resultado da falta de compromisso com as propostas de campanha.
Haddad foi eleito com o marca do “Novo”, do prefeito que romperia com o muro invisível que divide a cidade entre ricos e pobres.
O instrumento apresentado para derrubar o muro invisível foi o “Projeto Arco do Futuro”, como forma de reduzir movimento pendular de milhares de paulistanos todos os dias, aproximando emprego e moradia.
Mas os problemas de Haddad não ficam por aí. Há uma surda guerra dentro do governo com inúmeras contradições de interesses. É no “Arco do Futuro” que encontramos uma dessas contradições.
Arco do Futuro, segundo o site da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), “é um território estratégico para alterar o modelo de desenvolvimento urbano de São Paulo em direção a uma cidade mais equilibrada dos pontos de vista urbanístico, ambiental, econômico e social”.
A Secretaria Municipal de Serviços, como contrabando, propõe dentro do perímetro do “Arco do Futuro” uma Estação de Transbordo de Resíduos Sólidos. Denominada como lixão pela população do entorno, em razão do impacto sócio ambiental, a Estação de Transbordo contraria as premissas do “Arco do Futuro”.
Como forma de conciliar o inconciliável, “o saco de gatos” do secretariado de Haddad inseriu os conflitantes interesses na nova minuta da Lei de Zoneamento. A vítima da vez é a Vila Jaguara, Distrito da Lapa, bairro residencial remanescente da indústria do início do século 20. Para lá, onde as ruas estreitas são disputadas pelos carros e pedestres, está prevista a circulação de 280 caminhões de lixo dia.
Única beneficiária da Estação de Transbordo é a empresa Loga, que reduzirá suas viagens para destinação final de lixo. Relatório Final da CPI das Áreas Contaminadas apresentado em março último na Câmara Municipal de São Paulo condena a operacionalização da atividade de transbordo, diante da inevitável degradação do tecido urbano.
A CPI apontou ainda, o anacronismo do equipamento diante da logística reversa prevista na Política Nacional Resíduos Sólidos.
Transbordar para aterrar, em detrimento da reciclagem mecanizada adotada por Haddad, é tudo que a sociedade não quer.
Diante do iminente risco de receber o “trambolho” da Prefeitura e da Loga, a população local se organizou no Movimento contra o Lixão de Vila Jaguara, protestou com passeatas e montou um grupo de pressão junto aos vereadores. Acionaram o Ministério Público Estadual, bateram às portas da OAB e da Comissão de Justiça e Paz.
A popularidade de Haddad continuará no fundo do poço se as rédeas da sustentabilidade não estiverem sob seu comando. Com o fogo amigo, Haddad será atingido pelo tiroteio de seu secretariado, prevalecendo o interesse do mercado.
Os que estão do outro lado do muro invisível temem as balas perdidas do governo que prometeu o novo, o novo que vem em forma de lixão.
Edson Domingues, 46 anos, graduado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, autor de projetos de sustentabilidade na periferia de São Paulo.
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