Um mergulho nas origens da crise de governança, a decepção com o líder e o chamado para um novo pacto pela governabilidade
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
É na crise que a liderança… e a fraude, se revelam.
Um governo acossado por conflitos
Desde o início, e isso pode ser visto em vários artigos de minha autoria, já avaliávamos que o governo bolsonaro enfrentaria dura oposição e sofreria com uma guerra repleta de batalhas institucionais e entraves legais, obstruindo cada passo em direção ás prometidas reformas de estado – o seu capital de campanha.
Todo esse contexto de um Governo acossado por conflitos, portanto, já estava previsto. Entendiamos, contudo, que esse enfrentamento forjaria uma governança firme e determinada, forjada na batalha, e que esse fato produziria unidade, união de forças, organização de propósitos, planejamento e determinação.
Porém, não foi o que aconteceu.
O processo de governança bolsonarista transformou-se em algo errático, com alguns bons acertos materiais importantes na gestão técnica, porém com muitos erros no campo político, somando decepções, radicalismos preocupantes e a impressão cada vez mais nítida de que o líder eleito, em algum momento, perdeu-se entre promessas, expectativas, frustrações e rancores. Parece não estar à altura da elevada tarefa que lhe foi confiada pelo povo.
Um governo travado e dividido
Os primeiros meses de governo Bolsonaro se deram na expectativa de uma enorme faxina, preparando terreno para um vigorosa reforma administrativa e institucional. Mas desde o início, o proselitismo e os anúncios propagados em redes sociais, no ritmo de campanha eleitoral, soavam mais estridentes que o avanço real imprimido pela máquina administrativa. Algo parecia estar dando errado.
Saltou aos olhos, de início, o desencontro de decisões e orientações – devido em parte pela impressionante incompetência organizacional da equipe instalada na Casa Civil, chefiada por Onix Lorenzoni, que mergulhou numa série de “revogaços” sem repor ou transferir devidamente as atribuições de inúmeros institutos de governança.
Paripassu à indefinição gerada em vários setores, ocorria uma travada geral dos processos de substituição de quadros no segundo e terceiro escalões dos ministérios. Essa paralisia gerou imensos vazios administrativos na máquina – seja pela falta de quadros disponíveis para a substituição, seja pelo excessivo zelo da Secretaria de Governo – sob o comando do General Santos Cruz, que pretendeu despolitizar completamente as indicações (algo próximo da utopia), seja pela interferência inicial e um pouco caótica da base parlamentar recém eleita na formação dos escalões de governo, seja sobretudo pela excessiva centralização do comando – determinada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro.
Dessa trava, poucos ministérios escaparam – e as exceções foram as pastas comandadas pelos ministros técnicos: Economia, Agricultura, Infraestrutura, Saúde e Ciência e Tecnologia. Minas e Energia, Desenvolvimento Regional e Justiça, embora pastas demandadas por assuntos técnicos, sofreram inicialmente (e ainda sofrem), com ações invasivas do núcleo central do governo.
O fato é que o impulso inicial, legitimado pela esmagadora vitória nas urnas – e que poderia ter sido transformador, perdeu-se nos tropeços iniciais da própria gestão recém instalada.
Para piorar, o comportamento idiossincrático do presidente revelou-se nocivo para o deslanche da governança no próprio gabinete do Palácio do Planalto. Esse comportamento estimulou divisões e comportamentos de pura emulação.
Criou-se, logo nos primeiros meses, uma bipolaridade palaciana, que praticamente desviava a gravidade política das reformas em implantação no governo para as intrigas e atritos palacianos – um verdadeiro “maná”, que passou a alimentar uma imprensa sedenta e esfomeada por factoides.
O “Gabinete do Ódio” e a “Síndrome de Janus”
Nesse burburinho surgiu um problema diretamente relacionado ao emocional do dirigente, e com reflexos diretos no seu comportamento político. Embora se desconfiasse nos círculos mais próximos, não se previa que o “Calcanhar de Aquiles” – qual seja, a extremada relação de Jair Bolsonaro com seus filhos- doesse a ponto dele arriscar a República para fazer cessar a dor (que não cessa nunca).
Carlos Bolsonaro, vereador na cidade do Rio, transfere-se para Brasília, onde incorpora o “Robespierre do Twitter” e instala de forma dissimulada o chamado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto. Nele insere um grupo estrito e estreito de”camisas pardas” de bermudão e sem braçadeiras, prontos insultar a instalar o terror da guilhotina virtual. Assim, nem bem a máquina começou a ganhar ritmo, cabeças de personalidades importantes para o dispositivo da governabilidade começaram a rolar.
Essa máquina de vergar espinhas ou demolir reputações rachou o governo em duas alas. Uma ala dedica-se ao projeto de gestão tecnocrática voltado às reformas, e outra ala voltada para um projeto de poder “nazi-fujimorista-chavista” em busca de uma “ruptura” a qualquer custo. Esta ala, denominada “Olavista” (em deferência ao filósofo Olavo de Carvalho – uma especie de guru dos bolsonaristas), tem os filhos do presidente à testa do projeto.
Esse fenômeno já defini como “Síndrome de Janus”, em referência ao Deus da mitologia romana que trata das escolhas, dos caminhos e dos inícios, e cuja cabeça possui duas faces. Com efeito, o governo Bolsonaro desenvolveu uma dupla personalidade doentia, que literalmente o devora por dentro, e transmite sinais trocados a quem com ele se relaciona. O cancro da busca por uma submissão e alinhamento incondicional, sem que haja sequer uma organização partidária devidamente organizada em apoio ao presidente, só fez ruir ainda mais a sua estrutura de apoio.
A dicotomia governamental, surgida logo nos primeiros meses de governo, foi se acentuando até rachar completamente a própria base parlamentar, desfigurar a organização partidária e deixar o executivo nas mãos de um congresso dirigido por políticos não alinhados, que passaram a literalmente escolher o que votar e o que aprovar em prol da governança do executivo. Essa gestão de conflito, armada com o legislativo, se estendeu ao judiciário, praticamente travando o processo de reformas.
De fato, o hiperpartidarismo é um fenômeno que contamina o bolsonarismo, e que explodiu o partido que lhe deu guarida e poderá explodir toda e qualquer coalização partidária… e essa disfunção merece uma digressão mais adiante, nesse artigo.
O desastre da paralisia governamental não se deve, portanto, a alguma “conspiração”, “trama”, “golpe” ou “ataque impiedoso” das hostes oposicionistas. Deve-se decididamente à ação intestina de seus dois polos, em constante embate, e à profunda insegurança desenvolvida no seio da sua governança, afogada no mar da desconfiança mútua, da constante emulação, das defecções sistemáticas e a intriga.
Esse comportamento, desde então, se acentuou, esvanecendo qualquer chance de se prosseguir com a ideia original de um governo transformador, liberal e democrático.
Problema com os filhos e com Sérgio Moro
O flanco frágil da insegurança ante terceiros e confusão cognitiva entre bajulação e lealdade, transpareceu no presidente no momento em que este permitiu a ingerência dos filhos e seus amigos no círculo do poder palaciano. De fato, tornou-se claro que o líder não separa seus filhos da política de Estado, tornando-os mais prestigiados que o corpo de auxiliares e ministros legalmente nomeados.
Informados do problema, os oportunistas não deixaram passar o detalhe em branco, a oposição acordou para o fato e o establishment ligou o seu mecanismo de retaliação. Armou-se, então, um bote do establishment sobre o Senador Flávio Bolsonaro – um elo frágil com potencial para desequilibrar o emocional do presidente.
A armadilha se fez com uma inteligência de comunicação ímpar. Destacou-se nas mídias o envolvimento do senador na “rachadinha” da ALERJ, quando aquele ainda era deputado estadual – esse destaque seria inusitado, tamanho era o mar de lama que envolvia lideranças e valores muito mais expressivos que o apagado Flavio Bolsonaro naquela Casa e naquele caso. O escândalo, então, evidencia a ligação do gabinete de Flávio Bolsonaro com elementos vinculados às milícias cariocas, fragilizando a figura do parlamentar a ponto de reduzi-lo a um sintomático silêncio na legislatura senatorial.
O assunto do filho tornou o governo federal refém de uma relação judicial estranha ao seu objeto. A divulgação de movimentações financeiras pelo COAF e a judicialização disto junto ao STF, terminou interferindo na gestão e nas reformas que estavam sendo empreendidas no próprio Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob a batuta do operoso ministro Sérgio Moro. De fato, afetado pelo problema familiar, o presidente literalmente tirou o pé do acelerador das reformas em implantação e do próprio pacote anti-crime, permitindo que Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal desmontassem o carro-chefe de toda a campanha bolsonarista.
Mantido o filho senador “refém” das suas próprias circunstâncias, o “mecanismo” que deveria ter sido destruído pelas medidas inovadoras propostas por Sérgio Moro, obteve o consentimento mudo do presidente Bolsonaro moer toda a simbologia do seu governo.
Assim, com a omissão gritante do líder da nação, a máquina garantista do Supremo Tribunal e o notório centrão articulado no Congresso Nacional trabalhou operosamente para providenciar a soltura dos chefes do esquema do Petrolão, alterar a competência de análise de delitos conexos para a “justiça eleitoral”, reduzir a pó a jurisdição do Ministério da Justiça sobre o sistema de fiscalização das movimentações bancárias e, por fim, consentir que as gravações criminosas fornecidas ao site “Intercept”, servissem de meio torto para enfraquecer não apenas o pacote anti-crime apresentado pelo Procurador da República Deltan Dallagnol e sua equipe, como também desmoralizar a própria Operação Lava-Jato.
Assim, a ofensiva institucional tão sonhada nas eleições, comandada por Sérgio Moro, foi destruída PELA RETAGUARDA.
Desde então, o sistema de combate ao crime organizado e á corrupção do governo federal, tornou a atuar de forma pontual tal qual no governo Temer, enquanto o ministro praticamente passou a vegetar. Por óbvio que o processo de desgaste entre Bolsonaro e Sérgio Moro tornou-se incontrolável.
O cerco da polícia civil carioca, sobre eventuais ligações dos filhos Carlos e Flavio com milícias, e o direcionamento das investigações sobre o caso Marielle Franco ás atividades ocorridas no condomínio carioca em que moram o Presidente e seu filho Carlos – posto que um dos mandantes do assassinato era vizinho destes, transtornou em absoluto o Chefe de Estado, que não mais descansou na determinação de obter certo controle sobre as atividades policiais no território carioca, por meio de informações e atos provindos da Polícia Federal naquele estado. De fato, o presidente passou a entender o sistema de segurança pública como um potencial inimigo de seu clã, não como uma função de governo.
Próximo objetivo: substituir militares por militantes
Os filhos não suportam o estamento militar instalado no Palácio do Planalto. Guardam evidente rancor das FFAA em relação ao histórico destas com o pai. Seu projeto é substituí-la no centro de gravidade do Poder, pelos aliados provindos das polícias militares estaduais, e a elas somar militantes-militares da causa bolsonarista, no melhor estilo nazi-chavista.
O caminho, porém, é complexo, pois graças à impressionante liberdade dada aos ministérios técnicos, para agirem conforme suas agendas – por força da persistência dos dirigentes militares postados no gabinete da presidência, o governo de Bolsonaro apresentou bons resultados operacionais no ano de 2019, embora tenha deixado muito a desejar em áreas sensíveis e de visibilidade internacional – como no caso da gestão ambiental, das relações exteriores, dos direitos humanos, da educação e da cultura.
O freio de arrumação imposto na gestão palaciana presidencial, com o aporte de bons quadros militares – que formaram uma espécie de gabinete moderador, tenta de toda forma blindar esse lado bem sucedido, que passou de ano com louvor.
Mas, no embate das duas faces dissociadas e ensimesmadas – uma ainda buscando governabilidade e outra imersa no mais puro viés populista, francamente empenhada em uma gestão de confronto, o Presidente parece estar pendendo para a segunda feição, que desfaz da estabilidade institucional existente, na pretensão de instalar um regime caudilhista.
Mas o surgimento de grupelhos com feições paramilitares, o crescimento da violência bolsonarista nas manifestações, não é gratuito. Revela que as Forças Armadas, como instituições permanentes da Nação, necessitam estar atentas á defesa da República, muito além do governo e seus conflitos.
Um líder que encolhe a cada dia
A CPI das Fake News, articulada com a investigação levada a cabo no STF, sobre o mesmo tema, não deixa dúvida sobre a preocupação dos demais poderes da República com o ambiente tóxico, desagregador e fascistoide – atribuído ao “gabinete do ódio” bolsonarista, que domina as ações midiáticas do presidente e coordena ataques em massa de insultos digitais e mobilizações populares sectárias contra as instituições democráticas da República.
Em meio a esse processo de radicalização direitista, o governo federal desenvolve outra síndrome bipolar: entre a pasta da saúde e o presidente da república, desagregando todo o esforço de combate á pandemia mundial de Covid-19, provocada pelo coronavírus.
O filho Eduardo Bolsonaro, surge logo no início da crise para gerar conflito diplomático absolutamente desnecessário com a China – o maior parceiro comercial do Brasil, seguido do ministro baba-ovo e sem educação… da Educação. Foi essa a estréia do governo bolsonaro face a uma ameaça mundial.
Em busca de inimigos para justificar sua ação desagregadora, os bolsonaristas resolveram postar-se contra os esforços de combate ao coronavírus. O líder da Nação, ao invés de tomar a frente do combate à doença, respondendo positivamente ao esforço mundial, despreza um inimigo real, mortal, invisível e poderoso. Pior, omite-se pessoalmente, ante o inimigo que afeta toda a população brasileira, e passa abertamente a incentivar a desobediência civil ante as determinações dos governadores dos estados, empenhados no combate ao coronavírus. Algo institucionalmente temerário e politicamente desastroso.
O calculo político adotado pelo presidente Bolsonaro foi de uma primariedade leviana. Compreendendo o impacto econômico das medidas de isolamento social aplicadas pelas autoridades estaduais, o presidente omitiu-se de adotar um plano consistente, alternativo ou comum, de caráter nacional, que pudesse até mesmo apontar para uma flexibilização das medidas de afastamento, conforme a disposição geográfica da população brasileira. Não fez a lição de casa que era de sua obrigação, pensando unicamente nos lucros políticos que poderia auferir com a tragédia.
Assim, o presidente passou a desautorizar seu ministro da saúde e questionar sistematicamente os governadores. Quando todos os países atuavam ordenadamente para conter a doença, diga-se com sucesso, nosso presidente dedicava-se a incentivar a desobediência civil. Assim, o Brasil tornou-se um pária internacional no combate à pandemia.
O “Mito” desenhado nas eleições e tolerado em suas idiossincrasias no primeiro ano de gestão, deu lugar a um populista egocêntrico e inconfiável. Capaz de atirar nas costas dos aliados que se encontram na linha de frente na primeira crise de ciúmes ou discordância manifestada.
Hoje, o que se vê, não é o que se imaginava ou o que se viu até pouco tempo. Hoje, no governo, vige uma decepção.
Na crise da Covid-19, Jair Bolsonaro rasga a fantasia de líder carismático em defesa da Nação. Pretende claramente angariar vantagem política com a recessão na economia, o desemprego, o descontentamento da população – atribuindo a culpa aos outros. Para tanto, despreza os riscos, os doentes e os mortos.
A campanha de insultos e difamações contra o próprio ministro da saúde – que afinal foi exonerado após uma vergonhosa batalha de bastidores, dos governadores, de médicos, jornalistas e vários outros cidadãos de bem, foi e é levada a cabo por hostes de twitteiros, fabricantes de fake news e youtubers a serviço do “gabinete do ódio” do presidente. Dessa forma, fica expresso que sua estratégia é produzir uma ação desagregadora nas redes sociais, entre os próprios apoiadores do governo, “desnatando” os moderados, dos insanos que o apoiarão na aventura caudilhista contra as instituições democráticas da República.
Torna-se evidente que o líder destemido encolhe de tamanho a cada anúncio de avanço da pandemia e de mortes de brasileiros. Fica claro que o dirigente máximo da Nação não está à altura do enfrentamento internacional de uma pandemia que exige liderança efetiva, que una o país eficazmente.
Assim, se alguém constrói a estrada asfaltada para que a oposição, o deep state e o establishment cerquem o governo… esse alguém é o próprio Bolsonaro. E essa construção tem método – impor no caos uma nova ordem, aquela que convém a ele, e não ao Brasil.
Não há espaço para omissões covardes ou para uma “síndrome de Chamberlain”. É preciso dura e firme oposição ao que parece se desenhar nessa postura bolsonarista.
Esse comportamento tem precedente. Hitler era cabo, não capitão. Assumiu o poder por um acordo com a direita conservadora e capitalista alemã, que via nele – como dizia Von Pappen, “um sujeito tosco, com idéias sanguinárias, mas que poderia ser útil no momento de crise, para limpar o país da baderna com a esquerda”.
Bom… o resultado, todos sabemos.
Há saída? Claro que ainda há. Sempre há.
Na verdade, o problema pode ainda ser a solução.
Ao par de toda essa tragédia, o Brasil segue com suas instituições funcionando. A República é muito maior que essa crise de governo, embora sinta em suas entranhas o desconforto do que está digerindo.
Em um tópico, inegavelmente, conquistamos um vitória, que não devemos mais permitir que nos saia das mãos: estamos há mais de ano sem ter notícias de qualquer escândalo de corrupção, desvio grave de verbas públicas ou negociatas envolvendo os seus dirigentes.
Essa conquista não é apenas do governo Bolsonaro, é de todo o povo brasileiro e daqueles que o elegeram.
Essa honestidade é a cicatriz no caráter do governo de Jair Bolsonaro, que lhe permite angariar índices impressionantes de credibilidade e aprovação, por mais que os entraves políticos se abatam sobre ele e explodam dentro dele.
Essa credibilidade é que dá ao governo, condições para em meio à tempestade mudar sua rota atendendo aos sinais de rochedos mais adiante. Mas é preciso saber se Bolsonaro quer e se a sua entourage permite que ela ocorra. Afinal, gerentes estrambolhões e pequenos ditadores levam á falência países inteiros sem necessariamente roubarem um tostão…
A governabilidade do Estado e a manutenção do regime democrático, nesse sentido, deverá correr sobre dois trilhos importantes: a relação com o parlamento nacional… e a relação com o Judiciário Nacional.
Para tanto, é necessário o resgate urgente do equilíbrio no exercício da presidência. Essa ação exige auxiliares que honrem as calças que vestem, ministros que não se verguem e lideranças institucionais, encravadas nos demais poderes da República, que honrem a dignidade do cargo que ocupam.
Não se trata de saber se subjetivamente estaremos lidando com escroques ou covardes. É necessário agora impor a racionalidade na política e agir objetivamente, não subjetivamente.
Será necessário ignorar as intenções boas ou más, e a conduta pessoal dos agentes, para focar as nas ações objetivas e nos resultados materiais dessas ações.
Hora de fazer um pacto nacional pela governabilidade, incluindo uma agenda de reformas com objetivos traçados e estágios nítidos.
A locomotiva deverá ser bem dirigida, na velocidade correta, para não descarrilhar, e o controle a lenha na caldeira deverá ser vigoroso.
Dois cuidados deverão ser adotados: 1- evitar de toda forma o retorno do presidencialismo de coalização; e 2- combater violentamente o fenômeno nascente do hiperpartidarismo.
Atenção ao hiperpartidarismo
O hiperpartidarismo tornou-se visível no lulopetismo, quando as necessidades partidárias se descolaram integralmente dos programas e compromissos populares, para atender à própria burocracia do partido, aos seus dirigentes, relegando à platéia de adeptos o espetáculo das performances midiáticas, discursos sectários e manifestações explícitas de arrogância.
Esse comportamento repete-se hoje com o bolsonarismo, que ainda está à procura de uma estrutura partidária que lhe sirva de espelho. Por óbvio que esse “espelho” deverá ser quebrado para render no mínimo sete anos de azar ás pretensões nazifascistas contidas na organização idealizada pela prole bolsonarista. No entanto, o hiperpartidarismo transcende essa aventura, ele ganhou vida própria e está instalado no seio do fundo partidário – algo que liberou financeiramente as organizações eleitorais… de seus eleitores.
Assim, o hiperpartidarismo brasileiro gerou o fenômeno do esvaziamento das partes. Não se busca mais mobilizar um eleitorado com base em agendas comuns, mas, sim, em segmentá-lo ao gosto da direção, oferecendo-lhe migalhas midiáticas e discursos cada vez mais sectários.
Os principais partidos se desassociaram de seus membros comuns e são cada vez mais dominados por elites sociais e econômicas motivadas em grande parte por intensas preferências ideológicas
O resultado será o esgarçamento do tecido político da Nação e a destruição do Estado. Essa tragédia é que precisa, urgentemente, ser evitada, com a formação de um Pacto Nacional de Governabilidade, que equacione o hiperpartidarismo, antes que ele desagregue a República.
A insularidade social das elites partidárias, juntamente com a falta de representatividade dos eleitores e ativistas dos partidos e movimentos, afeta os tipos de políticas e ações consideradas, mesmo na ausência de corrupção ou influência indevida.
Conclusão
Há, portanto, uma saída. Ela só se dará se o presidente atual acordar para o problema e passar a agir como Chefe da Nação e não de uma facção.
Para tanto, é necessário por fim á síndrome de Janus que acomete o governo bolsonaro. E para tanto, não há espaço para tolerar aventuras caudilhescas que ponham em risco a República.
O governo é maior que Jair Bolsonaro. E isso significa que a governabilidade deverá ser dar com e sobre o presidente.
Se o gabinete moderador, organizado pelos ministros militares na presidência da República, obtiver esse compromisso do Chefe da Nação, o projeto de resgate do regime democrático em bases conservadoras poderá tornar à pauta, e a adesão à pauta nos livrará da tormenta que se avizinha.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 11/05/2020
Edição: Ana A. Alencar