A vez e a voz dos garis !
por Ana Alencar
Passamos por ele todos os dias, quase o trombamos. Ele está nas ruas, nas praças, parques, avenidas, na porta da nossa casa mas, não o vemos.
Ele recolhe a sujeira que deixamos pelo chão. Ele varre a nossa falta de educação social e ambiental. Ele recolhe os restos do nosso consumo desenfreado. Ele, o homem invisível, é, como muitos o chamam, o lixeiro, o gari.
É comum ser dito para as crianças que, se elas não estudarem, serão lixeiros, a pior das profissões mas, para exercê-la, é preciso passar por provas escritas e de condicionamento físico. Hoje, para ser um lixeiro, um gari , é preciso ter coragem para correr riscos com produtos tóxicos e cortantes, descartados indevidamente e, estar preparado para não ser visto pela sociedade que os descarta (tanto o lixo quanto o próprio lixeiro).
O homem invisível cansou e resolveu mostrar sua cara nas ruas que todos os dias ele limpa. Decidiu ir à luta por condições mais dignas e justas de trabalho.
Esse homem quer ser visto e valorizado pela sociedade que dá mais valor ao lixo que ele recolhe, do que a ele.
O homem invisível mostrou sua face, e ela é bonita, limpa, digna. Ele soltou sua voz, e ela é firme, forte, justa.
Para ser visto, esse homem que poucos vêem, precisou colocar-se à frente do amontoado de entulho e restos do nosso consumismo, do nosso descaso, da nossa cegueira social e ambiental, deixando para trás, tudo aquilo que ele recolhe dignamente todos os dias, sob o sol ou sob a chuva.
Um determinado governador de estado, recrimina a voz do homem invisível na sua luta, enquanto arremessa, ao longe, restos da fruta que acabou de comer. Onde caiu? Quem limpará a sua sujeira? Ahhh, o lixeiro ! Mas ele está em greve ! Como assim? Ele não pode! Demita-o imediatamente por justa causa!
E, com toda sua arrogância e hipocrisia, após ter sido filmado em seu crime, esse governador se auto aplica a multa determinada pela lei que ele mesmo assinou. Mas, ele continua não vendo e nem ouvindo o homem invisível…
Dizem que sua luta é política mas, todas as lutas não são políticas? Sendo política ou não, esse homem que agora se mostra, fala, grita, exige, quer ser visto, ouvido, valorizado, mais do que o lixo que ele recolhe.
Ele, o lixeiro, o gari, hoje tem cara, voz e dignidade.
Hoje, ninguém mais pode dizer que não o vê !
Ana Alencar é professora do sistema municipal de ensino básico do Município de São Paulo, membro do corpo de redação do Portal Ambiente Legal e poetisa.