Trajetória de Eliseu Alves está intrinsecamente ligada à evolução do agronegócio brasileiro
Por César H. S. Rezende
O meme “quando eu cheguei aqui era tudo mato” poderia caber na trajetória de Eliseu Alves, um dos fundadores e ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Afinal, a história do pesquisador está intrinsecamente ligada à evolução do agronegócio brasileiro.
Juntamente com o ex-ministro Alysson Paolinelli, que faleceu em junho de 2023, Alves desempenhou um papel fundamental na transformação do agro, especialmente no Cerrado brasileiro. Sua contribuição é tão significativa que é reconhecida até mesmo pelo Japão.
No final de julho deste ano, o governo japonês concedeu a Alves a comenda da Ordem do Sol Nascente — a honra é uma das mais prestigiadas distinções internacionais do país asiático, que celebra indivíduos que têm contribuído significativamente para o avanço da amizade e cooperação entre Japão e outros países.
A comenda outorgada ao pesquisador foi proposta pelo primeiro ministro Fumio Kishida e aprovada pelo imperador Naruhito em novembro de 2023. Criada em 1875 pelo imperador Meiji, a Ordem do Sol Nascente é a segunda maior honra do Japão, superada apenas pela Ordem do Crisântemo.
O projeto de cooperação Brasil-Japão para o desenvolvimento agrícola do Cerrado teve início em 1973 com a fundação da Embrapa — a iniciativa surgiu do interesse japonês em assegurar um fornecimento estável de alimentos, especialmente soja e milho, além de garantir o suprimento de energia.
“A parceria nipo-brasileira (união de esforços da Embrapa e da Jica – agência de cooperação internacional do Japão) foi diferenciada das demais, já que envolveu interesse conjunto. De um lado, o Japão enfrentava embargo econômico na importação de soja dos americanos. De outro, o Brasil se mostrava como região propícia à exploração agrícola de grãos”, afirma José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, economista e pesquisador do Ipea. “Em 1977, criou-se o Prodecer, que consistiu em um programa de cooperação técnica e financeira para o fomento da atividade agrícola no Cerrado.”
Segundo o embaixador do Japão no Brasil, Hayashi Teiji , a contribuição de Alves, como dirigente da Embrapa e como assessor de diferentes presidentes da companhia, por cerca de 30 anos, foi decisiva para transformar a Embrapa na “maior instituição de pesquisa agrícola do Hemisfério Sul”, determinante para tornar o Brasil um dos maiores produtores de alimentos.
A reinvenção do Cerrado por Eliseu Alves
O Cerrado é um dos cinco grandes biomas do Brasil, que cobre cerca de 25% do território nacional e perfaz uma área entre 1,8 e 2 milhões de km² nos Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, sul do Mato Grosso, oeste de Minas Gerais, Distrito Federal, oeste da Bahia, sul do Maranhão, oeste do Piauí e porções do Estado de São Paulo, de acordo com informações do Instituto Brasileiro Chico Medes (ICMbio).
Na década de 1970, quando Eliseu Alves e sua equipe chegaram ao Cerrado, a região era frequentemente subestimada e considerada de pouca relevância.
No entanto, a visão e o trabalho incansável de Alves mudariam essa percepção para sempre, como afirma o sociólogo José Pastore, que fez parte da equipe montada por Alves para desbravar a região.
“Na diretoria e na presidência da Embrapa, apesar da complexidade administrativa, você nunca perdeu o rumo teórico. Trabalhou dia e noite para manter o projeto na trilha certa. O Brasil deve a você o vigor atual da nossa economia, com o agro como carro-chefe”, escreveu o sociólogo em carta de homenagem a Eliseu Alves.
Hoje, o Cerrado é um dos maiores celeiros agrícolas do mundo: é responsável por 60% da produção agrícola do Brasil e 22% das exportações globais de soja.
Estados como Mato Grosso do Sul e Mato Grosso são destaque na produção de soja e milho, de acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial.
“Ele foi uma pessoa muito estratégica, não só por ser um técnico com grande conhecimento científico, mas ser uma estratégia do ponto de pensar o agronegócio brasileiro, não só no curto prazo, mas principalmente no médio e longo prazo. E ir com um foco muito grande em desenvolver o cerrado”, afirmou à EXAME, Alexandre Nepomuceno, presidente da Embrapa Soja.
A transformação do bioma é amplamente atribuída ao trabalho visionário Alves, que conseguiu integrar conhecimento científico com práticas agrícolas inovadoras, como o plantio direto na soja.
A técnica, que evita o preparo intenso do solo, preserva a cobertura vegetal e melhora a retenção de água, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento sustentável da região e no sucesso do setor agropecuário brasileiro.
No plantio direto, as sementes são colocadas diretamente no solo sem a necessidade de preparo prévio extensivo — a cobertura do solo é mantida, geralmente com restos de culturas anteriores ou com a aplicação de palha, o que ajuda a proteger o solo, reduzir a erosão e melhorar a retenção de água.
“Podemos dizer que o sucesso da agropecuária contribuiu para o crescimento econômico, bem como para a redução dos preços dos alimentos, que é o maior programa de redistribuição de renda que conhecemos no nosso país”, diz Eustáquio Vieira Filho, do Ipea.
Se para alguns é na verdade que existe o poder de libertar o indivíduo, para Alves, é um outro caminho que tem o potencial de ser um agente transformador. “Segundo palavras do próprio Dr. Eliseu, ‘a ciência liberta o homem da ignorância, da pobreza e da dor'”, finaliza Vieira Filho.
Fonte: Exame
Publicação Ambiente Legal, 04/08/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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