Prefeitura “faz água” na proteção do recurso hídrico para a população
Por Mario Mantovani
Passados 40 anos das primeiras iniciativas de organização da ocupação do solo no Estado de São Paulo, continuamos a conviver com um modelo de habitação que não contempla a proteção e a recuperação de áreas verdes e de mananciais como de interesse social.
Criada na década de 70, a Lei dos Mananciais (Lei 1172/76), rigorosa e bastante restritiva, foi sistematicamente ignorada pelos municípios, o que resultou na ocupação desordenada de regiões de mananciais que deveriam ser preservadas para a garantia da prestação de serviços ambientais essenciais à população, como o abastecimento de água. Nos dias de hoje, e apesar da crise da água, a história se repete. Como resultado, temos todos os mananciais da região metropolitana de São Paulo frágeis ou ameaçados, longe de serem prioridade na agenda dos nossos governantes.
A Constituição brasileira define que o uso e a ocupação do solo são competências dos municípios. Assim, os Estados, que têm uma legislação ambiental que pressupõe o ordenamento mais restritivo, não fiscaliza esses locais, por esta ser uma atribuição das prefeituras, que por sua vez tão pouco demonstram interesse, capacidade técnica e estrutura para fazer essa gestão do território como deveriam. Temos, então, as conhecidas “terras de ninguém”, desvalorizadas do ponto de vista imobiliário e ignoradas sob o aspecto de sua relevância ambiental.
Dada a situação, coube a sociedade, por iniciativas independentes, a defesa desses mananciais, a exemplo do movimento que tem se mobilizado pela criação do Parque dos Búfalos, uma das últimas áreas verdes, com 994 mil m2, na Cidade Ademar, extremo sul de São Paulo, escolhida pela Prefeitura, Governo Estadual e Federal para construção de um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida. Ao custo de R$ 380 milhões, o projeto prevê a construção de 193 torres, com 3860 apartamentos e capacidade para cerca de 15 mil moradores. Tamanho equivalente ao de uma pequena cidade do interior paulista, como Salesópolis ou Pirapora do Bom Jesus.
O curioso é que essa é uma área de proteção e recuperação de mananciais da represa Billings, que neste ano passou a ser vista como alternativa para aliviar a crise da água que atinge São Paulo. Estão ali treze nascentes que abastecem a já tão fragilizada e poluída represa. A questão é até quando continuaremos com esse modelo de construção de moradias a qualquer custo?
A depender da Justiça, parece que essa história começa a ser reescrita. No início de 2015 o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu liminar mantendo a área do Parque dos Búfalos preservada, sem construções, sob alegação dos impactos ambientais do projeto. A Prefeitura ainda pode recorrer da decisão.
Porém, na contramão do que espera a sociedade, surge o decreto nº 55.955, assinado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), em fevereiro, que libera a construção de escolas, quadras esportivas, creches e postos de saúde em áreas protegidas, como unidades de proteção integral, parques e Áreas de Preservação Permanente.
Garantir a preservação permanente e a integridade das áreas protegidas é dever dos Governantes e, principalmente, é a nossa garantia de água, saúde e bem-estar. Precisamos de moradias e de equipamentos sociais que venham a ser implantados em harmonia, equilíbrio e respeito ao ambiente e à legislação. Mananciais são áreas de interesse e função social essenciais.
Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, formado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e colunista do Portal Ambiente Legal.
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