Nos Parques Nacionais brasileiros, belezas naturais (e problemas) são abundantes
Por Vitor Lillo
Gigante pela própria natureza, o Brasil ainda patina na administração de seus Parques Nacionais (PN), que ocupam 15% de seu território. Quando não estão fechados à presença humana para fins de preservação, são completamente hostis a ela por conta da falta de infraestrutura básica (estradas, trilhas, sinalização e postos de apoio).
Há ainda outros problemas como a falta de pessoal para cuidar da gestão e monitoramento dos parques – caso do Parque Nacional da Boa Nova, no sudoeste da Bahia, com apenas um funcionário para tomar conta de seus 120 km² de área – além da séria questão fundiária – mais da metade dos 69 PN’s não estão devidamente regularizados.
Essa junção entre indefinição sobre a finalidade dos parques – conservação, ecoturismo ou uso sustentável – falta de verbas, pessoal e de regularização fundiária, é o grande entrave para que os Parques Nacionais cumpram com o seu objetivo de contribuir para a existência de um meio ambiente equilibrado.
Com tantos obstáculos estruturais, a impressão que se tem é de que sobreviver aos riscos da floresta tropical é algo que parece pequeno diante do enorme desafio de fazer com que brasileiros e estrangeiros apreciem o verde que não seja só o de nossa bandeira.
Raízes intricadas
O conceito de Parque Ecológico vem desde a Antiguidade. Índia e a antiga Pérsia já possuíam reservas florestais para ritos religiosos, enquanto que na Inglaterra a finalidade era a prática da caça, restrita aos nobres. A definição atual surgiria com a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, em 1872.
“Yellowstone inaugura um novo conceito: a gente vai reservar essas áreas de natureza intocada e deve, portanto, preservá-las”, explica o professor Douglas Pimentel, do Departamento de Ciências e Biologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O parque hoje é um símbolo nacional recebe três milhões de visitantes/ano.
No Brasil, o primeiro do gênero foi o Parque Nacional de Itatiaia, situado no maciço da Serra da Mantiqueira que marca a divisa entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Quando inaugurado, em 1937, a legislação da época permitia a existência de propriedades privadas dentro das áreas dos parques desde que a biodiversidade fosse respeitada.
Essa ideia de convívio entre homem e floresta (socioambientalismo) sempre esteve em choque com a corrente (preservacionismo) que defende o mínimo de presença humana nas áreas de parques. Ainda que isso pareça apenas um debate conceitual, seus reflexos são sentidos até hoje.
“Essa discussão perdurou por muito tempo e essa dicotomia se reflete nas SNUC [Sistema Nacional de Unidade de Conservação]. A Lei da SNUC [Lei 9.985/2000] tramitou durante 10 anos no Congresso por haver dois grupos defendendo essas trincheiras”, argumenta Pimentel.
Parece parque, mas não é.
A Lei da SNUC deu um passo importante ao dividir as Unidades de Conservação (UC) em dois grupos: proteção integral e uso sustentável. Esses grupos têm subdivisões – doze ao todo – nas quais os Parques Nacionais são apenas uma delas. Acontece que o boom da criação de UC’s, iniciado nos anos 1970 dificultou a situação.
Isso porque muitas delas foram criadas nas chamadas terras devolutas, ou seja, áreas públicas, com ocupações privadas. Antigamente, como lembra o professor Douglas, os critérios para demarcação de áreas de conservação eram pouco objetivos. “Um critério básico era a beleza cênica. Mas esse é um critério mais social que ambiental”.
O resultado disso é ilustrado pela advogada Karina Mekhitarian, do escritório Pinheiro Pedro Advogados (PPA). “Certa vez trabalhei no caso de uma unidade de conservação situada em uma área de mangue, usada para a criação de peixes. Criaram dentro dessa unidade não atividades relacionadas ao uso sustentável, mas assentamentos sem a menor infraestrutura”.
Para Karina, essa situação ocorre por causa da falta de planejamento. “Analisam o mapa, mas veem: ‘olha aquela área ali tem uma área de proteção então vamos criar uma área de conservação’. Mas isso não se faz de imediato, é preciso saber como as pessoas serão afetadas. Tem municípios que estão 60%, 70% em área de preservação”.
Já as administrações dos parques e o Instituto Chico Mendes (ICMBio), responsável pela gestão das UC’s, jogam a culpa pela falta de planejamento na burocracia e o modelo defasado que orienta a elaboração do Plano de Manejo. Esse documento determina a área que o parque vai ocupar, identifica as espécies que lá vivem e, por fim, como esse espaço será utilizado.
“São [planos] um pouco longos e caros”, sustenta o especialista Claudio Pádua, reitor e vice-presidente do Instituto IPÊ. Ele defende que esse volume de informações poderia ser adicionado ao Plano em etapas “[…] O modelo que eu gosto mais é o adaptativo em que você preenche os conceitos básicos primeiro e depois vai aprofundando”.
Ainda segundo Cláudio, um plano de pesquisa científica para o parque pode ajudar na tarefa. “Nos EUA você faz a pesquisa e paralelamente preenche os formulários e passa para o sistema. Com isso eles vão construindo uma base de informações na qual vão adicionando conhecimento. Isso relativamente existe aqui no Brasil, mas não funciona”, afirma.
Pimentel, por sua vez, se mostra cético quanto a solução desse imbróglio jurídico e administrativo. “A grande questão é a falta de interesse em resolver a questão fundiária, primeiro porque não gera rendimentos políticos e segundo porque eu acho que não há um planejamento”, completa.
O ICMBio, informa por meio de sua assessoria que “tem traçado algumas estratégias, no tocante às UC’s que possuem recursos de compensação ambiental ou de outras fontes e que não possuem dados precisos sobre a situação dominial”. Afirma também que “tem sido encaminhada a contratação de levantamento fundiário, para posterior instrução de processos de desapropriação”.
Meios de se chegar aos fins
Se fossem apenas estes problemas, o desafio seria um pouco menos complexo. Mas existe ainda a meta de garantir que os Parques Nacionais atinjam padrões de qualidade na recepção ao visitante até 2020 em atendimento aos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Vontade não falta, o mesmo não se pode dizer de pessoal e verba.
Atualmente o ICMBio conta com 1,9 mil funcionários no instituto e informa que planeja nomear outros 245 por meio de concurso público nos próximos meses. Cálculos dos próprios funcionários do Instituto indicam, porém, que seriam necessários mais 5 mil. Já a previsão de verba para 2014 é de R$ 498 milhões, verba 10% menor que a de 2010. As contas simplesmente não fecham.
Para se ter uma ideia, regularizar a situação fundiária de todos os 69 PN’s seriam necessários 2 bilhões de reais, o que equivaleria a 10% do custo de construção da Usina de Belo Monte, de custo estimado em 20,3 bilhões de reais, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME).
Como então tirar mais dinheiro da onde não tem? Uma possibilidade está nas outras fontes de renda como, por exemplo, pagamentos de compensação ambiental, feitos por empresas como reparação pelo impacto de sua atividade econômica dentro de uma área de conservação.
O ICMBio, informa ainda que possui aproximadamente R$ 200 milhões em verbas de compensação ambiental. Esses recursos, segundo o instituto, “são distribuídos nas ações previstas no Art. 33 do Decreto nº4340/2002, que são utilizadas em prol das UC´s federais dentro do que prevê a utilização do referido Decreto”.
Existem outras soluções, como o pagamento de exploração da imagem de UC por órgãos públicos ou privados, bem como de doações nacionais ou internacionais. A alternativa mais aceita dentro do ICMBio são as parcerias público-privadas (PPP) para delegação de serviços, modelo que já vigora há décadas nos EUA. Cláudio Pádua explica o modelo citando um caso pessoal.
“O diretor de um parque da Nova Inglaterra (costa leste dos EUA) com 2 mil hectares, disse que recebia 3 milhões de visitantes durante o verão. Mas como consegue? Ele respondeu: ‘tudo que não é inerente ao Estado é privatizado. Minha equipe é pequena, com isso a minha função é garantir de quem nos presta esse serviço, os presta de maneira apropriada e do jeito que nós queremos’”.
Douglas, no entanto, mostra-se reticente quanto à solução da parceria com a iniciativa privada. “A lei determina que o Poder Público deve cuidar do parque. Por quê delegar à iniciativa privada quando já existe a figura jurídica que é a reserva particular? Ela existe como um parque, mas a gestão é privada”.
Já Pádua argumenta que as parcerias são um modelo consolidado na Argentina e na Costa Rica, país com boa parte de sua atividade econômica baseada no ecoturismo. Segundo ele, Poder Público e iniciativa privada “podem gerar recursos e naturalmente. O orçamento público tem que ser parte do processo e temos que fazer parcerias”.
Douglas Pimentel discorda. “Eu não acredito que todos os parques devam se sustentar pelo turismo. Se são terras de domínio público, o Poder Público deve investir nelas. Não concordo que todos os parques devam se autofinanciar, o turismo deve acontecer, mas não deve delegar mais essa responsabilidade à gestão do parque”.
“Os parques americanos são fontes de renda e o americano tem a cultura de visitação de áreas, coisa que não vai muito bem por aqui no Brasil. Criticam essa opinião alegando que já existem dois grandes Parques Nacionais que dão retorno em visitação (Tijuca e Iguaçu). A questão é: isso volta? A questão hoje é como você faz a gestão da visitação”, completa Pimentel.
O tempo para responder a essa questão está prestes a se esgotar. Com a proximidade da Copa do Mundo de 2014, foi criado o Programa Parques da Copa, que pretende atrair visitantes brasileiros e estrangeiros para 14 parques nacionais, próximos das 12 sedes do torneio. Somadas, essas unidades recebem cinco milhões de pessoas por ano.
Mas de boas intenções o Brasil está cheio. Somente quatro parques possuem infraestrutura adequada para receber o fluxo de turistas: Iguaçu (PR), Fernando de Noronha (PE), Tijuca e Serra dos Órgãos, ambos no Rio de Janeiro. De fato, ver o verde do Brasil de perto ainda será uma grande aventura.