Uma dívida histórica, alimentada pela trapaça, pelo engodo, pela arrogância, pela exploração e pelo abandono, agora é cobrada pelas hordas de refugiados que assombram a Europa…
Por Marco Aurélio Arrais
A Europa desenvolveu-se à custa do domínio e exploração de outros povos, notadamente os povos do continente africano.
Alberto da Costa e Silva, em seu livro “A Manilha e o Libambo” relata o início da apropriação do reino de Angola pela coroa portuguesa, em 1575, quando Paulo Dias de Novais retornou a este reino. Ele partira de Angola dez anos antes, com presentes para o rei de Portugal (40 argolas de cobre, 40 peças de um pau aromático chamado cacongo, 35 presas de elefantes e alguns escravos), que o soberano Ondembi a Angola enviara ao rei português.
Paulo Dias de Novais apresentou-se, então, a um novo angola a quiluanje acompanhado de muita gente: 700 soldados, marinheiros e artífices, além de uns poucos jesuítas, em sete ou nove navios. O rei de Portugal, D. Sebastião, havia criado em 1571, a Capitania e Governança de Angola, calcada no sistema de capitanias hereditárias do Brasil. E dela fez-se donatário Paulo Dias de Novais. Deu-lhe D. Sebastião o que não era dele. Transferiu-lhe o governo e a posse de terras que não pertenciam a Portugal, mas a reis africanos.
A ocupação deu-se em fases. Primeiro a ilha, depois, o continente, após negociar com os soberanos nativos. Conta Albano Neves e Souza que Paulo Dias de Novais, “após desembarcar em terra africana, terá perguntado o nome do local a um nativo que sossegadamente pisava (amassava) milho no seu pilão: ‘como se chama este lugar?’, perguntou ele. Vindo a pergunta em língua estranha, o homem terá pensado que o estrangeiro lhe perguntava o que ele estava a fazer e, assim pensando, respondeu em língua kimbundu: ‘massa n’gana!’ (‘milho senhor!’). Paulo Dias de Novais terá entendido que o local se chamava ‘Massangano’ – nome que permanece até aos dias de hoje. Assim registra-se a povoação de Massangano, um dos maiores símbolos da colonização europeia na África, fundada em 1583 por Paulo Dias de Novaes, fidalgo e explorador português, neto do navegador Bartolomeu Dias, e escrivão da Fazenda Real.
Na verdade, o local denominava-se N’Guimbi yá Songo (Cidade do Songo). O equívoco linguístico compõe todo o equívoco da colonização…
Como Portugal a Espanha, França, Inglaterra, Bélgica e Itália também se apoderaram de reinos africanos, subjugando-os através das armas, da religião, do poder econômico, da cultura e da língua impostas. Seus reis e líderes foram depostos, fazendo desaparecer a estrutura administrativa daqueles povos.
Por mais de três séculos o continente africano foi explorado e espoliado, sendo seus povos transformados em mercadoria que iria suprir, como mão de obra escrava, as colônias europeias na América.
Portugal explorou em Angola, Moçambique, Costa da Mina e Costa dos Escravos a mercadoria mais valiosa que poderiam obter: escravos. Eram trocados por cachaça e fumo, mercadorias muito valorizadas pelos fornecedores africanos.
Em 1662, 1564 e3 1568 o inglês John Hawkins promoveu expedições à Guiné, capturando escravos com ataques e incêndio de aldeias africanas e navios portugueses. Nas duas últimas viagens a rainha Elizabeth cedeu-lhe navios de sua propriedade. Os escravos aprisionados foram comercializados com grande lucro na América.
Vejamos como foi a apropriação de terras e gentes pelos europeus na África: A Inglaterra ocupou os territórios da Gambia, Serra Leoa, Nigéria, Líbia, Egito, Sudão, Eritréia, Somália Britânica, Uganda, Quênia, Tanganica, Rodésia, Camarões e África do Sul. A França apropriou-se da Argélia, Tunísia, Costa do Marfim, Daomé, Sudão, Guiné, Mauritânia, Niger, Senegal, Alto Volta, Togolândia Francesa, Chade, Gabão, Médio Congo, Ubangui-Chari, Anjouan, Grande Comore, Mohéli, Somailandia Francesa e Madagascar. Portugal tomou Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. A Espanha se fez dona do Saara Ocidental, norte do Marrocos e Guiné Equatorial. A Itália assenhorou-se da Líbia, Eritréia e Somália Italiana. Finalmente, a Bélgica dominou o Congo Belga.
Aos povos dominados foi imposta, de forma brutal a cultura, a língua e a religião do colonizador, alterando a filosofia, a organização social, a religiosidade e a identidade do africano. Seus povos foram transformados em cidadãos desses impérios, devendo obediência e vassalagem aos governantes e cabeças coroadas na Europa. Essa cidadania implicava uma total submissão e obediência, mas sendo-lhes vedados os mesmos direitos dos cidadãos brancos colonizadores.
Os europeus traçaram entre esses inúmeros povos, fronteiras artificiais, o que prejudicou a organização social, pois não se considerou as fronteiras naturais baseadas em critérios de língua, cultura e etnias. “No caso de Angola, por exemplo, o Reino de Kongo sofreu uma grande divisão, que ainda nos nossos dias cria muitos problemas: os bakongo estão no norte de Angola, ao sul da República Democrática do Congo e da República do Gabão, e no Congo Brazzaville. Todos falam a mesma língua e têm os mesmos costumes. Mas não pertencem ao mesmo país”. (Manamosi Matumona)
Nas guerras travadas pelo colonizador, os africanos foram convocados e obrigados a atravessar o mar, e a lutar e morrer na defesa da casa dos invasores das suas terras. Assim foi nas I e II Guerras Mundiais, quando as denominadas “forças coloniais”, compostas de analfabetos e miseráveis, morriam sob bandeiras das nações europeias colonizadoras, bandeiras essas que não significavam nada para eles. Como compensação, passaram a ser considerados “cidadãos” dos países que serviam como soldados, sendo utilizados como carne a ser moída nas batalhas contra o exército alemão.
Após a II Guerra, era cada vez mais difícil a conservação desses territórios africanos. Com o surgimento das lutas de libertação, o custo administrativo e militar das colônias tornou-se proibitivo e desinteressante. Ficou mais conveniente dar-lhes liberdade política, e mantê-los como fornecedores de matéria prima. Durante todo o período de colonização não foi efetuado, nas colônias, qualquer programa de alfabetização e infraestrutura , o que deixou os colonizados à própria conta, submetidos a uma elite composta por etnias dominantes, muitas vezes impostas pelo colonizador, com um histórico secular de domínio sobre as outras. Nasceram aí os conflitos internos de luta pelo poder, por ideais separatistas, além de interesses externos pelos recursos minerais e energéticos.
Hoje, essas lutam mascararam-se de religiosidade. São “muçulmanos” que perseguem cristãos, mulheres, crianças, estrangeiros, pessoas de culturas diferentes, que destroem monumentos históricos e levantam capital com a venda de relíquias históricas, negociadas com bandidos ocidentais, colecionadores clandestinos tão criminosos quanto esses espoliadores. Na realidade eles não professam o verdadeiro Islamismo, pois tem como base “filosófica” o fanatismo, a ignorância e o ódio irracional contra tudo e contra todos, inclusive contra fiéis seguidores do Islã.
Agora, chegou a hora da cobrança.
Podem tentar fechar fronteiras terrestres com arame farpado e muros, mas não poderão fechar o Mediterrâneo. A onda crescente dos credores miseráveis, desesperançados, desesperados, famintos e sem rumo chegam todos os dias, em barcos precários, às costas da Europa.
Buscam e exigem o acolhimento, a proteção dos antigos “bwana”, tendo estampados em seus olhos o desespero e o terror. Trazem nos corpos mirrados a fome de gerações, nas mãos estendidas a cobrança das dívidas seculares. Os que não sobrevivem à travessia, são trazidos pelas ondas de um Mediterrâneo, antigo e tão conhecedor das suas histórias. Os cadáveres desses mortos gritam mais alto que as gargantas dos sobreviventes esquálidos, apavorando os ex-donos das diversas Áfricas criadas pela ganância.
Não querem ter, nas suas casas limpas e confortáveis, essas criaturas de outra raça, cultura e religião que chegam, muitas vezes, portando a cidadania europeia dos ex-colonizados falando inglês, francês, italiano, espanhol ou português. Línguas essas impostas, no passado, para que assim pudessem servi-los convenientemente. Línguas essas, utilizadas no presente para pedir abrigo, mendigar por comida, e cobrar do antigo colonizador, o pagamento de uma fatura antiga e ainda devida.
Também para lembrar os povos e etnias extintas, as culturas diversas sufocadas, as muitas histórias apagadas e as diversas civilizações destruídas.
Marco Aurélio Arrais, natural de Goiânia, advogado (PUC-GO), contador de causos, é pesquisador da história do Brasil ou, como ele mesmo se denomina, “um curioso de nossa história”. Colaborador do Portal Ambiente Legal
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