Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O Princípio do Poluidor-Pagador é o pilar econômico do Desenvolvimento Sustentável e base da moderna Economia Verde. Sua introdução na estrutura normativa das economias nacionais e tratados internacionais, nas últimas três décadas, revolucionou o direito moderno e transformou o capitalismo.
O sucesso dessa eficácia está na assertividade da redação do Princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro, aprovada na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (e ratificada pela Rio+20, em 2012), que reza:
“Tendo em vista que aquele que contamina deve, em princípio, arcar com os custos decorrentes da contaminação, devem as autoridades nacionais promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais”.
Podemos identificar no texto acima destacado, uma premissa, duas funcionalidades e dois critérios norteadores da sua implementação:
I.
A premissa é de cunho obrigacional: quem polui arca com os custos da poluição. Essa afirmação reproduz raciocínio contido no Princípio 13 da mesma Carta do Rio de Janeiro, que diz respeito à responsabilização dos agentes pelos danos provocados por suas atividades.
Sua expressão despojada, no entanto, não deixa margem a qualquer dúvida: o Princípio consagrou a responsabilidade objetiva do poluidor para com os efeitos de sua atividade. A relação de causalidade entre atividade e poluição independe de aferição de culpa contratual ou extracontratual.
Posta a premissa, desenvolvem-se duas funcionalidades: a internalização dos custos ambientais decorrentes da atividade econômica e a retribuição pelo uso econômico dos recursos ambientais.
II.
A primeira funcionalidade é um paradoxo. Gera contraposição ao conceito de externalidade – umbilicalmente ligado à ciência da economia.
Como se sabe, externalidade é todo e qualquer efeito indesejado ou não previsto, da atividade econômica. Por princípio, a externalidade é socializada, transferida para a sociedade.Pode-se traduzir externalidade como “o preço que a sociedade paga pelo progresso”.
A externalidade refletiu-se por anos no direito civil e comercial, em regras vinculadas à tradição, tais como “quem adquire a coisa, assume os riscos inerentes a ela” ou “quem adquire a mercadoria se responsabiliza pelo seu descarte no ambiente”. Essas regras, até uma década após a Carta de Princípios da ONU, em 1992, no Rio, ainda vigoravam nos Códigos Civil e Comercial Brasileiros…
O quadro mudou quando o princípio começou a ser alegado em favor dos estados federados na guerra norte americana contra a indústria tabagista. A introdução gradativa, no Brasil, das normas de “take back” (responsabilidade pós-consumo) de embalagens de agrotóxicos, pilhas, baterias e pneus, ocorridas nos anos 90, também tiveram por base justamente a internalização de custos ambientais.
A partir de então, poluidores, ainda que potenciais, passaram a mensurar jurídico-contabilmente um “passivo ambiental” antes oculto, com reflexo nas auditorias, na introdução de standards de qualidade de gestão, produtos e serviços e na avaliação de riscos das atividades – impactando custos dos produtos e balanços das companhias.
III.
A segunda funcionalidade implementadora, diz respeito à retribuição pelo uso econômico dos recursos ambientais com fins de insumo e consumo.
Por essa vertente, o usuário deve contribuir retributivamente pela manutenção e melhoria da disponibilidade do recurso utilizado, reconhecida sua escassez e consequente valoração econômica.
A retribuição tem geralmente caráter parafiscal e está no cerne das normas que disciplinam o gerenciamento dos recursos hídricos, geração de energia e compensação de emissões de gases de efeito estufa.
IV.
A aplicação dessas funcionalidades, no entanto, deve levar em conta o interesse público em causa, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais. Esses critérios são interdependentes e visam combater o mau uso do princípio. De fato, há risco severo, sempre, de se estabelecer formulas de internalização de custos que obstruam a livre iniciativa e a concorrência ou constituam barreiras não tarifárias no comércio de bens e serviços.
A Organização Mundial do Comércio e a tradicional Câmara de Comércio Internacional, na medida em que o princípio vá se consolidando cada vez mais, se ocuparão da adoção dos dois critérios – de interesse público e da não distorção.
Os conflitos decorrentes dessa implementação demandarão mediação e arbitragem, no campo do comércio internacional. Demandarão, também, a implantação de normas internacionais que impeçam barreiras não tarifárias (que visam protecionismo exagerado) e a prática de “dumping” ambiental predatório.
No mais, nosso sistema capitalista já está absorvendo o princípio em sua inteireza, daí a importância de nos reportarmos, sempre, à sua raiz conceitual.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP) , sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Grupo Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.