O nosso Colaborador Permanente Professor Doutor Fábio PUGLIESI compôs mais um objetivo e didático texto de interesse para todos que se atentam para a importante temática da interelação do Protesto com a Certidão de Dívida Ativa, com destaque para a perspectiva relacionada com o crédito. E, como enfatiza o Dr. Fábio, “o crédito alavanca a economia.”.
Ademais, o Artigo -inédito- opera com uma adequada visão interdisciplinar : Direito Notarial, Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Administrativo Tributário. Está publicado em seguida, no seu inteiro teor. Recomendamos enfaticamente a leitura atenta e reflexiva !!
“O protesto caracteriza o estado de inadimplência do devedor, quando vigora a favor do credor a presunção de liquidez e certeza da importância exigida. Ressalte-se que se trata de presunção relativa que admite prova em contrário.
O protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, conforme o artigo 1. da lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997.
A lei n. 12.797, de 27 de dezembro de 2012 alterou a redação da lei n. 9.492/97 e autoriza o protesto da certidão de dívida ativa.
Abstrai-se, em vista dos limites deste trabalho, que o protesto das certidões de dívidas ativas foi introduzido em texto normativo que não lhes diz respeito, embora possa ser usado este argumento na defesa dos devedores.
Destaque-se que as certidões de dívida ativa das autarquias, a exemplo das emitidas pelos conselhos de fiscalização profissional, podem ser levadas a protesto por decorrer de tributos, notadamente taxas e contribuições no interesse de categorias profissionais, uma vez que se lhes autoriza propor a execução fiscal.
Tradicionalmente o protesto tem se relacionado com os títulos de crédito.
Afinal o título consubstancia o crédito e, ao equiparar a coisa móvel por ficção jurídica, constitui a alavanca do crescimento econômico, como já reconheceu Túlio Ascarelli, pois uma pessoa transfere seu poder de compra para outra pessoa em virtude da confiança que o outro lhe inspira. Evidentemente o valor pode conter um acréscimo em virtude do risco da inadimplência pelo devedor e a confiança resulta de análises objetivas da capacidade de pagamento, por exemplo, pelo SERASA, consultado para a concessão de crédito bancário.
Os estudiosos do Direito conhecem a análise de Rudolf Von Ihering no clássico “A Luta pelo Direito” que enfoca a atitude de Shylock no clássico de William Shakespeare “O Mercador de Veneza” por ocasião da cobrança de uma letra de câmbio (todos os títulos de crédito derivam deste, hoje inexistente), perante o tribunal de Veneza, garantida por “uma peça de carne do braço do devedor sem sangue”. O tribunal, por fim, concluiu ser impossível carne sem sangue.
Em vista da grande quantidade de demandas perante o Poder Judiciário o protesto passa, assim, a ser um instrumento para resolver litígios antes de chegar ao Poder Judiciário.
Atribui-se, atualmente, ao tabelião de protestos de títulos o papel de examinar a regularidade formal do título, no caso a certidão de dívida ativa. A atividade do tabelião de protestos é delegada a pessoa natural pelo Estado-membro, habilitada em concurso de provas e títulos, bem como fiscalizada pelo Poder Judiciário.
As características da atividade do tabelião indicam sua complexidade e a necessidade de estudo, considerando que o protesto deva ser também um instrumento de pacificação social, inclusive para descongestionar o Poder Judiciário
Destaca-se, aliás, o Direito Notarial que tem consolidado institutos próprios e crescente importância, como se verifica na introdução da disciplina nos currículos dos cursos de Direito e estudos sobre o assunto em que se destacam as duas coletâneas de artigos, denominadas “Direito Notarial e Registros Públicos na Perspectiva da Advocacia”, publicada pela Editora Letras Jurídicas em 2015 e 2018.
Outro dado relevante sobre o tema é a realização do 2. Congresso Brasileiro de Direito Imobiliário, Notarial e Registral, promovido pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI nos dias 14 a 15 de junho de 2018 no campus da Univali em Balneário Camboriú (SC).
Observo que, nesta ocasião, foi proferida a importante e original palestra “Função Social do Estado Contemporâneo e Sustentabilidade Imobiliária” pelo Prof. Dr. César Luiz Pasold, como se sabe o direito notarial tem importância essencial na atividade imobiliária.
Realçada a importância do protesto procede-se a sua relação com o Direito Tributário.
Embora relacionada com as finanças públicas, a tributação distingue-se pelo rigor da disciplina relativa à obtenção de receita, obtida do particular em regime de direito público sem constituir sanção de ato ilícito.
Como se sabe a cobrança do tributo depende do Estado, tendo estreita relação com o Direito Administrativo, norteado pelo supremacia e indisponibilidade do interesse público. Em razão da importância que se busca dar ao protesto da certidão da dívida ativa, verifica-se uma intersecção com o Direito Administrativo Tributário. Como se sabe, o Direito Administrativo Tributário constitui o estudo da Administração Pública no que concerne ao surgimento, a suspensão da exigência do tributo e a extinção da relação jurídica relativa à obtenção de recursos por meio de tributo.
Por ocasião da entrada em vigor, considerou-se draconiana a lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, que instituiu a cobrança judicial da dívida ativa pois, na época, a citação pelo correio para pagar a dívida ou depositar o valor em cinco dias afigurava-se medida extremamente rigorosa.
Com o tempo estas medidas para a cobrança da dívida ativa têm se revelado insuficientes ante a notória mediocridade dos resultados dos pagamentos e as despesas públicas realizadas, além de estar congestionando o Poder Judiciário.
Assim a Administração Tributária usa o protesto para garantir o recebimento do tributo não pago e nascido de uma obrigação decorrente de fato em que o devedor (sujeito passivo do tributo) não teve qualquer participação, diferentemente do título de crédito decorrente da vontade do devedor levado a protesto nos primórdios do capitalismo.
Ademais, nem sempre a certidão da dívida ativa reproduz o valor exato do crédito tributário, podendo causar estragos na reputação do sujeito passivo tributário e à Sociedade, pois prejudica o crédito do devedor. Como se disse, o crédito alavanca a economia.
Causa dano à reputação ao sujeito passivo, se não for correta a dívida ativa, podendo este promover ação de responsabilidade civil contra o sujeito ativo, contribuindo para congestionar o Poder Judiciário.
Assim o uso do protesto da dívida ativa pelo sujeito passivo requer, em vista da força de que reveste a medida, extrema sabedoria e prudência do uso, além de alguma tolerância, uma vez que ao, eventualmente, prejudicar o crédito do sujeito passivo pode prejudicar toda a Sociedade.”
Fabio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação.
Fonte: http://conversandocomoprofessor.com.br/2018/07/18/o-protesto-de-certidoes-de-divida-ativa/