Precisamos de outra República e uma nova constituição
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A greve dos caminhoneiros expôs o pavor instalado no poder e nos meios de comunicação atrelados a ele. O comportamento errático de todos face à característica difusa da liderança e interesses afetos ao fenômeno, revelou que a estrutura institucional posta a serviço do governo está falida. Ruiu para muito além do que pode ser resolvido por sufrágio eleitoral, seja qual for o resultado, decisão judicial, lei ordinária ou emprego de forças de segurança.
O que aí está, definitivamente acabou. É necessário uma república nova.
O que fazer?
O governo acabou
“Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”, vaticinara Sêneca, o grande advogado e pensador romano.
O Brasil segue inteiro nessa nave sem rumo, dirigida por um governo inepto.
O governo segue perdido, isolado em uma cabine de comando desprovida de instrumentos de navegação. Sem comando, a tripulação tomou o barco de assalto – um motim não declarado. Os amotinados, agora tratam de espoliar os passageiros indefesos – o povo brasileiro.
É assim que instituições de Estado e grandes grupos econômicos estão se comportando. Espoliam o país como se o amanhã não existisse.
Estado sem comando se desagrega. Navegando às cegas, o barco onde se encontra a Nação irá colidir nas pedras, deliberadamente, ainda que o farol cegue os olhos do timoneiro.
Notório que o governo não sabe o que se passa à sua volta. De fato, não há serviço de inteligência que auxilie um governo desprovido dela. Não há moralidade pública que possa ser restabelecida por instituições que não a praticam. Não há justiça que possa ser aplicada por autoridades sem moral. Não há autoridade sem respaldo de uma ordem legal. Não há ordem legal sem constituição que efetivamente a constitua.
A volta do pêndulo da história
O regime constitucional de 1988 sucumbiu ao seu próprio peso. Escorrega no lodo dos interesses corporativos da mais cara e incompetente máquina burocrática do mundo. Está atolado na lama das indefinições, sofre com a corrupção e a paralisação administrativa, enfrenta a desordem jurídica e a criminalidade organizada.
O pêndulo da história parece alternar o rumo em direção à sístole. Já há quem pense não haver saída fora de uma ordem imposta por força de instrumentos de exceção.
Há quem clame pelo resgate da Lei e da Ordem. Não uma ação localizada contra a baderna ocasional, mas que garanta profunda e implacável alteração na estrutura de justiça, de governo e no parlamento.
O objetivo em causa é comum a várias outras vertentes da sociedade: o resgate do império da Lei, a reposição das normas legais no quadro de garantias sociais e a revogação, “sem choro”, das benesses da burocracia estatal.
Esse processo estava na pauta das gigantescas e impressionantes manifestações de julho de 2013, que trouxeram pavor aos poderes de Estado, pois mostraram que o povo não estava mais disposto a tolerar a organização política que era obrigado a sustentar.
Os conflitos de rua em 2014, também significativos, precederam a goleada de 7X1 na seleção brasileira e enterraram a figura patética da “Pátria de Chuteiras”.
As gigantescas manifestações contra o governo Dilma, em 2015, puseram uma pá de cal no projeto de poder esquerdista, livrando o Brasil de seguir o rumo da Venezuela.
Os milhões de cidadãos manifestando-se nas ruas, todos esses anos, deixaram claro o que não queriam. As últimas eleições, para os municípios, também explicitaram essa rejeição, pelo voto e pela anulação.
O quadro revelou “que o rei estava nú”, e o manto constitucional mal o cobria, e continua mais curto a cada dia.
Agora, ocorre o apoio popular mudo, porém firme, à greve dos caminhoneiros, que reafirmou a rejeição ao regime da Nova República.
A verdade é iconoclasta. Do que aí está, nada sobrará.
O rompimento iminente?
A greve dos caminhoneiros expôs a fraqueza de um sistema que não enxerga rumos e saídas. A mídia atrelada ao grande capital tentou, mas não conseguiu, omitir do cidadão o que todos já viam: a vilania dos hipócritas que deveriam iluminar – e no entanto obscurecem – a política nacional.
É preciso mudar, e essa mudança exige transformação. Só avestruzes morais e urubus ideológicos – parasitas do dinheiro público e do dinheiro alheio, ignoram essa acachapante realidade.
A busca pelo restauro da Ordem pressupõe romper com o regime em vigor. Mas antes que digam que isso seria “antidemocrático”, é preciso constatar o óbvio: a democracia deve pressupor Ordem e Estado de Direito.
A democracia é também o supremo objetivo da união nacional – caso contrário a violência se instala. O ideal democrático, no entanto, não se esgota na Ordem constitucional vigente. Muito menos se expressa pela realidade política que vivemos. Também não exclui a admissão, pelos cidadãos, de uma ação legitimadora visando por ordem na casa e sanear o meio, quando se faz necessário.
Será preciso fazer uma enorme e democrática faxina, para eliminar o lixo produzido à esquerda e à direita. Esse lixo teve e tem patrocinador: a vilania rentista que comanda, das sombras, o impressionante processo de concentração de renda na economia nacional.
Será preciso uma ordem que imponha a ferro, fogo e bom senso, o restabelecimento da dignidade e a construção de uma república nova. Um rumo para a nau do Brasil.
Transição constitucional
Sem respaldo no tecido social, governo, parlamento e judiciário esgotaram a paciência nacional e demandam reciclagem.
A saída civilizada, democrática, seria uma renúncia coletiva e convocação de eleições gerais. O novo congresso determinaria a eleição de uma assembleia nacional constituinte e votaria a formação de um governo provisório.
Uma vez convocada, as eleições para a Assembleia deverão implicar em candidaturas totalmente renovadas. Isso porque os que hoje administram os poderes da república, não têm qualquer condição de ministrar remédio para curar o estado de coisas inconstitucional pelo qual passamos, do qual constam como agentes.
Mais outro paradoxo: A ordem constitucional em vigor gerou um estado de coisas inconstitucional, onde o Estado deveria mas não provê defesa, segurança, saúde e educação. Esse estado decorre do fato inegável da realidade brasileira há muito ter transbordado para fora da constituição que deveria regê-la.
Para dar fim ao estado de coisas inconstitucional que hoje experimentamos, será necessário uma constituinte originária. Para tanto, a ruptura institucional é inevitável.
A partir da quebra da ordem constitucional, que não mais nos serve, construiremos outra.
Maquiavel leciona que ações transformadoras devem ser executadas rápida e eficazmente. Ou seja, o processo de ruptura deverá ser breve, ter prazo fixo e conferir poder constituinte originário à uma nova ordem republicana – descompromissada (bem como seus atores) com o lixo burocrático, político, econômico e corporativo que aí está.
Dessa forma, a ruptura ganhará legitimidade e se consolidará democraticamente.
Hora de restaurar a dignidade e repensar o Brasil.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.