Mais atenção às pessoas físicas, mais atenção aos riscos e garantias
Por Elias Sfeir*
Se, na crise de 2015-2016, o canal do crédito esteve represado, na atual crise, esse canal alargou-se. Isso foi possível porque as duas crises são de naturezas distintas: no primeiro caso, as dificuldades foram sendo construídas lentamente dentro da própria economia; no segundo, resultaram de um problema sanitário que agora, com a fase final das vacinas, tende a se resolver. Outro fato interessante é que historicamente pós pandemia o juros tendem a abaixar e no caso atual, devido a dinâmica da comunicação e globalização dos mercados, o juro já se ajustou. Vide as taxas interbancárias no mundo todo que geraram estimulo econômico e redução de serviços das dívidas fiscais.
Diante do choque de 2020, a atuação de entes privados de crédito e as ações governamentais foram decisivas para o crédito chegar à ponta, impedindo que, durante a travessia, as sequelas econômicas fossem ainda maiores. O resultado: segundo os dados mais recentes do Banco Central, o saldo nominal das operações de crédito avançou 14,5% na comparação entre outubro de 2020 e o mesmo mês do ano anterior.
Para 2021, de acordo com previsões coletadas pela Febraban, espera-se um avanço de 6,8% no saldo nominal de crédito. Se confirmadas as projeções, haverá uma redução no ritmo de avanço dos empréstimos com relação aos 14,5%. Os números também sugerem um aumento da taxa de inadimplência em 2021, que deverá atingir 4,3% da carteira de crédito livre, em linha com o que já antecipamos aqui.
A perda de fôlego do crédito e o avanço da inadimplência devem ser relativizados pelo fato de que 2020 foi um ano totalmente atípico. Com a esperada volta à normalidade, é natural que haja algum arrefecimento no apetite e na oferta de recursos. As projeções indicam também um reforço do crédito às pessoas físicas, em detrimento do crédito a pessoas jurídicas, invertendo-se a tendência observada ao longo deste ano.
Mesmo com a oferta menos abundante de recursos, a equipe econômica acredita que o mercado de crédito será um dos motores do crescimento econômico no próximo ano. Por isso, algumas medidas de aprimoramento desse mercado seguirão na pauta. Um dos temas a serem discutidos em 2021 é a ampliação das possibilidades do uso de garantias na contratação de empréstimos, de forma a dar mais segurança a quem os concede e possibilitar a cobrança de juros menores.
Também se fala na redução de burocracias na hora da contratação. Dados do setor de birôs de crédito mostram que, entre os micro e pequenos empresários que consideram a contratação de crédito difícil, 57% apontam a burocracia como uma das principais barreiras. Em 2020, a Medida Provisória 958 retirou temporariamente algumas exigências burocráticas para a contratação de crédito em bancos públicos. Outras medidas de facilitação do acesso ao crédito, sem prejuízo da devida análise de risco, merecem ser pensadas para além desse período de dificuldades.
Por fim, é impossível falar das perspectivas para o crédito sem lembrar dos avanços institucionais recentes. Algumas medidas tomadas ao longo dos últimos anos já começam a mostrar seus frutos. O Cadastro Positivo é um bom exemplo. Concebido para diminuir a assimetria de informação e, assim, garantir o acesso de mais consumidores ao crédito, os números colhidos até aqui confirmam as potencialidades desse instrumento.
Os resultados apresentados pela Midway, financeira da rede varejista Riachuelo, no Global Retail Show 2020, revelaram que o uso de informações de crédito do Cadastro Positivo possibilitou o aumento de até 10% na taxa de aprovação de crédito da empresa, o que corresponde a 120 mil novos cartões emitidos em um ano. Além disso, essas informações permitiram melhor segmentação dos clientes elegíveis a tomar crédito, reduzindo o risco de crédito.
Cumpre destacar que a adoção do Cadastro Positivo na avaliação de crédito foi acelerada devido a pandemia. Espera-se que, com a totalidade dos dados positivos de setores além das Instituições Financeira, o impacto sobre as concessões de crédito e gerenciamento de riscos serão ainda mais potencializado. O vetor concorrencial também deverá ser uma tendência para 2021 e para o futuro, por meio do crescimento das fintechs, das mudanças culturais dos brasileiros, cada vez mais ambientados com a digitalização, e da promessa do Open Banking.
Foi com o objetivo de contribuir para o aprimoramento do ambiente de crédito no Brasil que a Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC), ao longo de 2020, teve participação ativa nas discussões sobre mercado de crédito. Encerro desejando a todos que, no próximo ano, recuperemos o que havia de bom no velho normal, mas sem esquecer do que aprendemos com o que temos vivido.
*Elias Sfeir é engenheiro (USP) e administrador (FGV), com MBA em Administração e Marketing pela Kellogg School of Management (Northwestern University – USA). Membro do Board do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC e Presidente Executivo da Associação Nacional dos Bureaus de Crédito – ANBC – Conselheiro Certificado-Promovendo a Disciplina de Crédito e Governança Corporativa-Brasil
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 18/12/2020
Edição: Ana A. Alencar