REFLEXÕES EXISTENCIAIS À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Crise econômica, crise política, crise profissional, crise familiar, crise pessoal, há momentos na vida em que existir é se angustiar.
Nesses momentos, vem à mente, como um índice remissivo, entre passagens bíblicas e salmos (sempre ajudam…), o desassossego de Pessoa, o Cântico Negro libertador de José Régio, o cinismo rodriguiano da vida como ela é, o mitológico Sísifo revisitado por Camus e reminiscências de passagens da vida e aventuras intelectuais… que sempre nos aquietam. Como diz Pessoa: “O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo”…
A vida é um angustiante somatório de sensações, alegrias e desgostos, aquisições, experimentações e aprendizados, que nos remetem, sempre, à busca pela nossa essência, por aquilo que é mais básico e que melhor define nossa alma, nosso existir.
O fato é que, após rodarmos como cães atrás do próprio rabo, percebemos que somos nós próprios os perseguidores da nossa existência.
O existir, supõe valorizar a vida mais que nossa substância. Se assim é, construímos nossa vida na medida em que subsistimos nela.
Sobreviver é existir. Não há racionalidade na existência, somente sensações e experimento. De onde partimos, até onde chegamos, já nos modificamos – a origem e destino também. Essa é nossa angústia existencial – sem a compreensão de um sentido, cuja única resposta é a liberdade.
A liberdade que explode quando se exclama: “ide! Tendes estradas, jardins, canteiros, pátria, tetos, regras, tratados, filósofos e sábios… Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, e sinto espuma, sangue e cânticos nos lábios. Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!”
Nossa angústia nos ataca quando nos indicam caminhos que não queremos vivenciar.
Afinal, somos nossos próprios senhores, e também não somos – aliás nada somos, ou somos tudo o que somos e temos.
Sartreano? Kierkegaardiano? Camusiano? Essa angustiante percepção existencial está na obra e na poesia de Fernando Pessoa e José Régio, ou nas crônicas, peças e contos de Nelson Rodrigues.
Eles nada inventaram. Essa angustiante percepção vive em nós. Ela se revela naqueles momentos de epifania, quando a clareza de tudo vem à mente e, então, você mente… com o propósito de disfarçar perante outros, a absurda realidade vislumbrada, na qual você se insere.
Essa condição absurda, que nos obriga a dissimular a ciência do fato e seguir em frente, pode ser traduzida no mito de Sísifo.
Sísifo, o pastor de ovelhas e filho bastardo de Éolo – deus dos ventos. Um exemplo de empreendedor. Empreendedor e ardiloso. Transformou a pequena Éfira na poderosa Corinto e não hesitou em expor um pecadilho de Zeus em troca de um sistema de abastecimento de água para sua cidade. Diante da batalha que passou a travar contra o deus dedurado, enganou a própria morte, pretextando um retorno ao mundo dos vivos para resgatar seu corpo insepulto.
A condenação de Sísifo representa o maior símbolo da angústia de nossa existência: rolar eternamente uma pedra morro acima, para vê-la rolar, impotente, do topo, morro abaixo, obrigando-o a repetir tudo no outro dia… a pena por enganar os deuses e a morte.
Tamanha condição absurda determina nossa vida, construída sobre a esperança do amanhã… sempre do amanhã. Do amanhã que nos aproxima da morte – nosso último e invencível inimigo. Vivemos como se não tivessemos certeza da morte, como se pudessemos adiá-la, um dia, outro, mais uma hora, duas…indefinidamente.
O mundo em que vivemos é cruel e desumano. O mercado nos massacra diariamente. O Estado – o ôgro burocrático – nos quer devorar. Ambos não permitem que sobrevivamos se não criarmos uma fina capa de romantismo, que nos guie pelo mundo. Não há, afinal, racionalidade no que vivenciamos, vivemos.
“Desde que o momento absurdo é reconhecido, ele se torna a mais angustiante de todas as paixões”, dizia Albert Camus – relacionando Sísifo e nossa existência.
Ante tamanha angústia, a saída seria antecipar o embate com a morte e proceder á própria libertação do absurdo, cometendo suicídio? Quantos já não o fizeram? Seria o epílogo romântico, reescrito pelo autor da supressão da própria vida?
Camus, alerta para a inocuidade dessa atitude. Por óbvio, é preciso tomar o absurdo a sério, reconhecer a contradição entre o desejo da razão e o mundo insensato. Suicídio, não é solução alguma.
Tenho que, nesses momentos de limite que a todos assalta, concordar com Camus.
Sem vida não há existência, sem nossa existência, o absurdo não existe e, sem dúvida, é de nossa essência existir.
A contradição deve ser vivida; a razão deve ser buscada até os limites da desesperança. O absurdo, mesmo vislumbrado, nunca pode ser aceito.
É preciso assumir o absurdo e se revoltar contra ele, pois desse confronto surge a vida, a liberdade, a nossa maior conquista: sermos donos de nossa existência, ainda que circunstâncias nos oprimam!
A vida é a própria metafísica! A liberdade é metafísica! E nós somos todos absurdos.
Para o homem absurdo, a liberdade não se vincula a esperanças.
Não há melhor futuro, muito menos eternidade. Há um sentido em prosseguir, em perseguir um objetivo, para criar significado à vida. Esse é o romance da humanidade – sua angústia e perdição. Devemos, às vezes, e quase sempre, nos perder nisso – justamente porque vivemos.
Abraçar o absurdo implica abraçar tudo de insensato que o mundo tem a oferecer. Sem um sentido na vida, não existe uma escala de valores. O que conta não é a melhor vida, mas os que a vivem – se vivem a vida, podem abraçar a liberdade, ainda que circunstancialmente não a possuam.
É preciso assumir a revolta, a liberdade, e a paixão.
A revolta surge da consciência do absurdo da vida, de sua ausência de sentido.
A liberdade surge da ciência plena da própria solidão, pois nossas escolhas são solitárias. Já a paixão, é razão da vida. Não se vive do outro modo, senão apaixonado.
Interessa, no caso, a paixão humana, pessoal, pois “nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem”, vaticinava Nelson Rodrigues…
Sou Don Juan – seduzo, caio de cabeça nas paixões nas quais me enredo e me enredo apaixonadamente nas paixões que desperto – mesmo sem estar apaixonado.
“Aplaudo toda viuvez” (como o rodriguiano Diabo da Fonseca), mas, também, “gosto da delícia da perda de mim”, como um Pessoa apaixonado.
Sou ator, interpreto papéis na vida pública, no trabalho, nas redes sociais, na política, e na intimidade. No entanto, sou eu, em todos os papéis que represento.
O bom ator social, vive, não incorpora outra personagem que não a própria.
Na vida, quando atuamos, devemos inspirar os romances construídos a nosso respeito – jamais incorporar o personagem. Afinal, diz Pessoa, “vivemos um entreatos com orquestra”…
Sou o guerreiro, o conquistador, a águia propensa a buscar a eternidade na história. O herói consciente do fato inexorável de que nada irá durar e nada significará vitória final.
Não obstante reconheça a falta de sentido, como Sísifo continuo executando minha missão diária, até sucumbir.
Louco?
“Louco, sim, louco, porque quis grandeza, qual a sorte a não dá”, responderia o Pessoa transmudado em Dom Sebastião, no areal de minha alma.
Seria esse nosso destino absurdo? Trágico apenas quando, em raros momentos de epifania, nos tornamos conscientes dele?
Revolta! Paixão! Liberdade! Sempre há tempo para sentí-las e exercer cada uma delas, uma a uma ou todas juntas, vida afora.
Para tanto, é preciso retomar as rédeas da vida. Sabermos que circunstâncias… são sempre circunstanciais. Elas passam, são exteriores, embora nos toquem.
Porém, a vida nos foi dada, e é absolutamente nossa.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.
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