O “empréstimo da consequência”, de Obama ao mundo
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Afinal, o que fez Obama em Hiroshima? Um histórico gesto psicanalítico.
O psicanalista francês Jaques Lacan, em sua segunda clínica, abandonava o simbólico, a busca do sentido, a interpretação das expressões no diálogo com seu analisando. Passava, então, a operar apenas com palavras e gestos. Com isso, provocava um “curto-circuito relacional” que ocasionava o “empréstimo de consequência”. O analisando era, então, levado a responsabilizar-se pelo seu desejo e pela invenção de si mesmo frente à realidade.
Grande expressão da escola de Lacan, o psicanalista Jorge Forbes leciona: “A palavra interpretação deve ser utilizada na primeira clínica, enquanto, na segunda clínica, falamos em ato do analista, apresentado na corporificação de seu gesto. A interpretação abre a novos sentidos; o gesto aponta o limite, o basta, o “tu és isto”.
O gesto, portanto, vai além das palavras, daquilo que não se explica, para tocar o ponto de revelação do paciente.
Foi o que fez o Presidente norte-americano, Barack Obama, em sua visita a Hiroshima, no Japão – a primeira de um presidente americano à cidade devastada pela bomba atômica, lançada pelos Estados Unidos ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Não houve busca de sentidos, simbolismos ou interpretações extraídas em discursos. Sem pedir desculpas ao povo japonês, o presidente dos EUA declarou que ” é preciso olhar a história nos olhos e perguntar o que devemos fazer, para evitar tanto sofrimento, de novo”.
O “empréstimo de consequência” foi outorgado ao mundo, que compartilha indiscriminadamente a responsabilidade de evitar que o ocorrido em Hiroshima há 70 anos, volte a se repetir.
Disse Obama: “A morte caiu do céu… e o mundo mudou”.
Respeito aos mortos, solidariedade à vítimas, homenagem aos heróis de uma guerra travada não contra esta ou aquela nação, mas, sim, contra o mal da hegemonia buscada por meio da própria guerra.
O gesto é maior que o discurso, é maior que o rancor, o ódio e todos os homens. É o feito registrado na história.
Obama refletiu a consciência da realidade, a assunção da paz como o valor maior a ser buscado na relação entre as nações.
Passaremos todos. O gesto, porém, permanecerá, para benefício da psiquê do mundo.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
.