Oceanografia: a mais ‘recente’ disciplina científica explica por que conhecemos tão pouco
Por João Lara Mesquita
Os oceanos são pouco estudados, isso já se sabe. A primeira investigação organizada dos oceanos só aconteceu em 1872, quando a Royal Society, o Museu Britânico, e o governo britânico, organizaram a expedição do HMS Challenger. Nascia a oceanografia.
Ela durou 3 anos e meio, percorrendo todos os oceanos. Na volta trouxe mais de 4.700 novas espécies de organismos marinhos, e reuniu informações ‘suficientes para criar um relatório de 50 volumes, que levou dezenove anos para ser completado. A expedição legou ao mundo uma nova disciplina científica: a oceanografia’ (Fonte: Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson, ed. Cia das Letras).
“A viagem do Challenger mudou o conhecimento dos oceanos. Ele deu a volta ao mundo, entre 1872 e 1876, percorrendo 127 mil quilômetros. A saga mudou o conhecimento dos oceanos. Sua influência foi tal que o estudo do mar foi encarado a partir daí como uma disciplina legítima à qual foi dada o nome de Oceanografia. Liderada por Wyville Thomson, durante a viagem descobriram-se mais de 4.700 espécies. E, mais importante, ficou-se sabendo que havia vida marinha abundante nas profundezas. A maior proeza da viagem foi a descoberta de que a vida, que pensava restringir-se à terra e às águas iluminadas pelo Sol, estava à espera de ser encontrada, para lá das profundidades ou do frio.”
Primeiros equipamentos modernos de mergulho
Não bastasse ter sido ‘a última das disciplinas’, a oceanografia só começou pra valer depois da invenção do aqualung, em 1943, obra de Jacques Cousteau. Foi então que o ser humano teve condições de iniciar a exploração efetiva do maior ecossistema da Terra. Mesmo assim, só uma pequena fração pode ser vista com o aqualung. Foi preciso esperar muito tempo até que a tecnologia passou a fazer parte dos esforços para desvendar os mistérios dos oceanos. Hoje, além de satélites, há os robôs submarinos que descem a profundidades abissais. E até drones são usados na exploração e controle da pesca. Esse atraso gerou problemas inacreditáveis, entre os quais…
Ano geofísico Internacional 1957-8, objetivo: estudar o uso das profundezas para despejos radiativos
Parece piada, mas não é. É apenas mais uma prova da abissal ignorância que temos em relação aos oceanos. A prova cabal é o principal objetivo do ano geofísico 57-58. A pesquisa aconteceu porque, desde 1946, os EUA transportavam tambores de 208 litros de lixo radiativo para as ilhas Farallon, cerca de 50 Km ao largo da costa da Califórnia, onde eram jogados ao mar. De acordo com Bill Bryson
“tudo era feito no maior desleixo. Os tambores eram do tipo que se vê enferrujando atrás de postos de gasolina. Quando um deles não afundava, o que era comum, atiradores da marinha crivavam-no de balas para a água entrar e, lógico, plutônio, urânio e estrôncio vazarem.
Até a década de 1990 os oceanos eram depósitos radiativos
A atividade só foi interrompida em 1990 quando os EUA já tinham despejado centenas de milhares de tambores em cerca de cinquenta locais oceânicos– quase 50 mil nas ilhas Farallon. Mas os EUA não estavam sozinhos. Rússia, China, Japão, Nova Zelândia, e quase todos os países ricos da Europa seguiram esse exemplo.
Do século 19, para o 21, avançamos pouco em pesquisas
Mas na pesca, na poluição, na brutal concentração da população mundial que vive no litoral, 60% dos 7.4 bilhões de seres humanos da Terra moram nessas regiões, os avanços foram enormes. Em recente entrevista, o pesquisador Enric Sala, diretor executivo da Pristine Seas, bota a boca no trombone denunciando a pesca predatória. Ele mostra que navios pesqueiros chineses não respeitam sequer santuários marinhos, como as ilhas Galápagos, por exemplo. E reitera que isso é cada vez mais comum.
Foi ainda no século 21, graças aos esforços da exploração de petróleo em águas profundas, que novos equipamentos passaram a servir também à oceanografia. A França, por exemplo, se inspirou na estação espacial internacional para construir um navio laboratório que será usado na exploração e estudo dos oceanos.
Mesmo assim até hoje conhecemos menos de 5% dos oceanos profundos
Já a mundialmente reconhecida Sylvia Earle, em seu livro A Terra é Azul, diz que conhecemos menos de 5% dos oceanos profundos. Com ela aprendemos que, desde os anos 50, metade dos recifes de coral em águas rasas desapareceu, enquanto os corais de águas profundas são devastados por novas tecnologias de arrastão, cujo objetivo é capturar peixes com décadas ou séculos de idade. Essa prática fez com que várias espécies tivessem sua população reduzida em 90%. Para algumas, como o atum-rabilho, o bacalhau do Atlântico e certos tubarões, a taxa chega a 95%. E sua pesca ainda é permitida.
Fonte: https://marsemfim.com.br/oceanografia/