Por Suzete Carvalho
“Ode a um Sonhador”
Canto I Canto II
Com os olhos perspicazes Levantava e trabalhava.
E o sorriso zombeteiro, Competente, enriquecia.
Andava entre os mais capazes, Mas dinheiro não amava
Com ares de feiticeiro. E o ouro distribuía.
Filósofo nato e inquieto, Inconstante e infeliz,
autêntico e camarada, sempre em busca da verdade,
Embora semi-analfabeto, Não conseguiu discernir
Se tornara autodidata. Da vida a realidade.
Desde jovem já causava Seu perene idealismo
Preocupação a seus pais, Traduzido em caridade,
Pois, à noite, procurava Se tornara fanatismo
Recuperar marginais. De abertura e liberdade.
Bem mais tarde, homem feito, Mas da família, distante,
Casado e pai de família, Não via a necessidade.
Prosseguia insatisfeito, Julgava que importante
A vida em desarmonia. Era toda humanidade.
Líder em potencial Marido e pai imperfeito,
Bem falante e carismático Embora bom e querido
Arregimentava pessoal Acabou vendo desfeito
Pro político simpático. O lar, por desprotegido.
Assim que o Tal era eleito, Seu olhar motejador,
Bem firme, no pedestal, Pleno de sagacidade,
Logo esquecia seu feito. Mal escondia o ardor
Talvez, nem fosse por mal. Carregado de saudade.
Não entendia o motivo Sentiu-se entre a cruz e a espada,
De ser sempre preterido. No mundo perdido, em parte.
Era pobre, mas ativo Da ausência da bem-amada
E não ficava ofendido. Teve o seu primeiro enfarte.
Canto III Canto IV
Bonito e conquistador Sofrendo, de tranco em tranco.
Ergueu-se em um novo ninho, Saltando, de galho em galho,
Pois, como bom sonhador, Teve o seu segundo enfarte,
Necessitava carinho. Da vida já rebotalho.
Ânimos tonificados Do mundo, quase afastado,
Voltou-lhe antiga mania: Chance lhe veio, outra vez,
Recuperar favelados, Na forma de um deputado
Ajudar seu dia-a-dia. De conhecida honradez.
“Concepção filosófica” Teve a oportunidade
Sua expressão predileta; e prestar-lhe assessoria.
Não sabia quão utópica Lembrou-se da mocidade,
Era a consecução da meta. Encheu-se de euforia.
Vivência não lhe ensinara Em último grande alento
Que na favela há política. Recomeçou muito atento.
Corpo e alma, se entregara, Infelizmente, era tarde,
E a situação ficou crítica. Teve o seu terceiro enfarte.
Inocente, qual criança, Começou a Ter certeza
Tentando encher-lhes panela, De que a vida lhe fugia
Gerara a desconfiança: Perdeu-se em pranto e tristeza.
Correu, arma na costela. Só, com sua filosofia.
Espírito insaciável, Não houve jeito, não minto,
Nascera pra saltimbanco. De levantá-lo de novo.
Nada lhe era palpável, Oh! Que saudade que eu sinto
Ficou de cabelo branco Do seu olhar carinhoso
Nas lembranças se apoiava Quisera voltar no tempo
Pra continuar vivendo. E abraçá-lo com amor
Vez em quando, trabalhava, Pois sei que se foi faminto
E ia sobrevivendo. De complacência e calor.
Nota da autora: Escrita em homenagem (póstuma) a meu pai, Miguel Segura, esta Ode foi lida em Sessão Plenária da Assembléia Legislativa de São Paulo para inserção em seus Anais e publicada no Diário Oficial do Estado em novembro de 1977..
Suzete Carvalho, advogada, foi professora universitária , tem cerca de quatrocentas publicações, entre artigos técnico-jurídicos, crônicas, poemas, contos e ensaios sobre temas abrangentes da experiência humana, disponíveis parcialmente no blog www.novaeleusis.blogspot.com . É autora do livro “O Olhar da Caprichosa – a arte de lidar com inveja, preconceito e fenômenos afins” lançado em 2014 no Brasil, EUA e Suécia.
Tocante o carinho de Suzete entremeandonos versos.Sou sua leitora e fã.Quanto cuidado e polidez no uso de nossa língua. Essa é a linguagem que admiro. Saúde,sucesso e vida longa para a maravilhosa poetisa.
Tocante o carinho de Suzete entremeando os versos.Sou sua leitora e fã.Quanto cuidado e polidez no uso de nossa língua. Essa é a linguagem que admiro. Saúde,sucesso e vida longa para a maravilhosa poetisa.
Obrigada, Amenar! Suas palavras carinhosas me comovem e incentivam a prosseguir escrevendo. Bênçãos em seu caminho, sempre e um grande abraço!