Entre 2000 e 2020 50 mil mortes foram associadas às ondas de calor em 14 regiões metropolitanas brasileiras, afirma professora da UFRJ
O Brasil volta a registrar uma onda de calor, ou seja dia seguidos em que a temperatura fica 5ºC acima da média em alguns locais. Em São Paulo, por exemplo, os termômetros podem chegar a 36ºC; em regiões como Mato Grosso, a previsão é de que as máximas atinjam 40ºC. O evento climático extremo fez o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitir alertas de “perigo” e “grande perigo” para áreas do Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
A professora Renata Libonatti, do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), alerta que “as ondas de calor não são democráticas”. “As mudanças climáticas vão aumentar significativamente as desigualdades sociais. Uma das ações para mitigar os efeitos é diminuir essa desigualdade.”
Por que você costuma dizer que as ondas de calor são desastres naturais negligenciados?
“Porque têm um impacto mortal, muito superior quando comparadas com outros tipos de desastres que, aparentemente, estamos mais acostumados a lidar, como deslizamentos, cheias, chuvas fortes.
A gente fez uma conta, a partir de um estudo com as principais 14 regiões metropolitanas brasileiras, que entre 2000 e 2020 foram 50 mil mortes associadas às ondas de calor, apenas nessas regiões. E esse número é 20 vezes maior do que o número de pessoas que morreram por deslizamentos.
Apesar de as pessoas morrerem por causa de ondas de calor, não se percebe que essas mortes são associadas às ondas de calor. A Europa começou a ter essa percepção de ondas de calor como desastre fatal a partir da França, em 2003. Foi uma onda de calor gravíssima, que matou entre 20 mil e 40 mil pessoas. Agora (lá) já existem protocolos que são aplicados.
No Brasil, a gente não tem isso. Por isso eu falo que as ondas de calor são desastres negligenciados. Tratar como desastre é ter uma linha de ação transversal entre alertas meteorológicos e protocolos para os órgãos de saúde e de assistência que informam o que se precisa fazer antes, durante e depois desses eventos.”
O que é estresse térmico e quais seus efeitos?
“O estresse térmico não está relacionado apenas com a temperatura mas também com umidade relativa do ar, incidência de radiação solar, a velocidade do vento, entre outras variáveis. Então, em geral, o estresse térmico são condições ambientais relacionadas com essas variáveis que fazem com que o corpo humano passe a ter uma sensação desconfortável e várias consequências, como desidratação, confusão mental, cansaço.
E as ondas de calor, obviamente, fazem parte de eventos que exacerbam esse estresse térmico. Uma conta que foi feita com projeções climáticas considera que no ano de 2030 nós vamos ter cerca de 27 milhões de pessoas expostas a condições de estresse térmico. E 12 milhões vão estar em regiões em desenvolvimento, de baixa condição socioeconômica. E esse valor, em 2090, vai subir para 41 milhões de pessoas expostas ao estresse térmico.
Existem grupos mais vulneráveis aos efeitos desses eventos; grupos que são conhecidos globalmente como mais vulneráveis, até pela própria fisiologia. Os idosos apresentam uma condição de não só ter uma deterioração do sistema termorregulador, mas também são pessoas que têm várias comorbidades adquiridas que são acentuadas durante esses episódios prolongados de estresse térmico.”
E em que isso está relacionado também com o conceito de justiça climática?
Em todas as regiões metropolitanas que nós observamos e analisamos nos últimos 20 anos, o resultado que tivemos foi que pessoas com baixa escolaridade morrem mais em decorrência do calor.
O que isso significa? São pessoas que têm grau de instrução mais baixo; sem acesso a serviços de saúde de qualidade; muitas vezes moram em lares que não têm condições de pagar por um aparelho de ar-condicionado ou pessoas que trabalham a céu aberto.
Então, essa parte do grau de instrução tem um peso muito grande nessa vulnerabilidade. E o segundo indicador socioeconômico que nós trabalhamos foi a diferença entre brancos, pretos e pardos. E o que o estudo demonstrou, novamente, é que os pretos e pardos são também a parte da população que morre mais em decorrência dessas ondas de calor. Isso não tem relação com a fisiologia. Isso só tem a ver com as desigualdades sociais que esses grupos enfrentam.
E quais medidas as cidades devem adotar para evitar efeitos mais dramáticos da crise climáticas?
Todos esses planos que vêm sendo discutidos em termos de maior arborização; uso de materiais para construção que tenham a capacidade de absorver um pouco o calor; a presença de corpos d’água é uma medida que precisa ser estudada; a construção de telhados verdes ou a construção de prédios que favoreçam a circulação do ar; diminuir a emissão de gases associados aos transportes, com mudanças significativas na frota veicular. Tudo isso estamos falando em termos de infraestrutura. São medidas que precisam entrar nos Planos Diretores para que esses efeitos sejam minimizados.
Fonte: CNN Brasil
Publicação Ambiente Legal, 17/03/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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