Restauração florestal das margens do reservatório de usina hidrelétrica e entorno beneficia pequenos produtores, reduz riscos climáticos à segurança energética e traz de volta a biodiversidade
Por Sérgio Adeodato/de Promissão
A pequena produtora rural Sônia Maria de Souza, do Assentamento Dandara, em Promissão (SP), produz leite, frutas e hortaliças, vendidas para a merenda escolar no município, e já sofre impactos da mudança do clima, com o calor que reduz o tempo de algumas safras. Qual a conexão entre ela e alguém no corriqueiro hábito de acender a luz ou ligar o ar-condicionado nas grandes cidades de São Paulo? A restauração florestal. Explica-se: o plantio de árvores no entorno da usina hidrelétrica local, no rio Tietê, como estratégia de segurança hídrica para a geração de energia e maior vida útil do reservatório, com menor risco de apagões em cenários de escassez de chuva.
“É incrível ver nascentes voltarem após tanto esforço para juntar a produção na roça e a nova floresta em crescimento”, afirma Sônia, tesoureira da Cooperativa de Produtores Campesinos (Cooprocam), em Promissão (SP). Na primeira tentativa, há sete anos, os produtores, no total de 200 lotes, receberam apoio para instalar Sistema Agroflorestal (SAF) com árvores nativas na beira dos cursos d’água, consorciadas com espécies frutíferas, em trabalho de mutirão. “Mas as lebres comeram tudo e não conseguimos colher”, lamenta Sônia. Mas ninguém enterrou o sonho.
Embora a colheita não tenha vingado, na Área de Preservação Permanente (APP), ao longo de córregos que desaguam em afluentes do Tietê, a nova mata de espécies nativas se estabeleceu com sucesso. Hoje está bem crescida após receber o reforço de mais mudas. A experiência inicial valeu como aprendizado, porque, anos depois, em 2022, foi implantado no assentamento um novo SAF, desta vez mais perto das casas, com uma linha de espécies frutíferas, outra de nativas e uma terceira, no meio delas, para produção de alimentos, como acelga e abobrinha. Sônia revela: “Agora o projeto é ir além e começar uma nova área de reflorestamento, com produção de legumes e verdura e piquete para bezerros, no sistema agrossilvipastoril”.
Impactos climáticos
“Se todos fizerem igual, o futuro pode ser diferente. O que fazemos ainda é pouco; falta mais informação e sensibilização sobre a necessidade de repor árvores e os impactos do clima”, reforça a produtora.
No caso do quiabo, diz ela, antes colhido por sete meses ou até um ano, hoje só dura no máximo três meses, devido ao calor e mudanças das chuvas.
A região, no meio-Oeste paulista, se caracteriza pela existência de solo, clima e paisagem na transição entre os biomas Mata Atlântica e Cerrado, com forte presença do agronegócio. O território está incluído no mapa das áreas prioritárias para restauração florestal e tem recebido projetos de referência, como no Assentamento Dandara. Os plantios de mudas têm apoio da AES Brasil, na área de influência da Usina Hidrelétrica de Promissão, em parceria com a SOS Mata Atlântica, por meio do programa Florestas do Futuro.
O modelo reúne a sociedade civil organizada, iniciativa privada, proprietários de terras e poder público em projetos participativos de restauração florestal. Pessoas físicas e empresas podem colaborar de duas maneiras: como participação voluntária ou compensação obrigatória no Estado de São Paulo via Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental (TCRA).
A iniciativa promove a aproximação entre propriedades rurais que precisam restaurar áreas para cumprir a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/12) e doadores. As mudas são direcionadas ao campo com base no mapeamento de áreas prioritárias para restauração no bioma. A ONG mobiliza viveiros e prestadores de serviço para o diagnóstico das áreas, plantio das mudas, manutenção e monitoramento, fomentando a cadeia da restauração.
Restauração com viés social
Em Promissão, a parceria representa um exemplo de larga escala na restauração do ecossistema como ação voluntária de sustentabilidade. Até o momento, foram plantadas 2,3 milhões de mudas. Em mais de cinco anos, o programa Mãos na Mata, mantido pela AES Brasil em áreas onde seus reservatórios estão inseridos, recuperou cerca de 5 mil hectares em território paulista. Até 2029, o compromisso é reflorestar mais 1,4 mil hectares, não se limitando ao fornecimento de mudas. A iniciativa abarca os aspectos sociais, além dos ambientais, em benefício da fauna e flora, do abastecimento de água subterrânea e da redução da erosão e assoreamento dos reservatórios.
O que fazemos é estabelecer cooperação com outros proprietários e parceiros para desenvolver ações voltadas à restauração. Atribuímos a área de plantio, as mudas e a expertise de gestão de nossos técnicos ambientais e contamos com os investimentos de nossos parceiros para multiplicar a escala e os impactos positivos nas áreas de recuperação”, explica Rafael Paranhos, engenheiro de meio ambiente da AES Brasil. Amadurecida após cinco anos, a iniciativa incorpora projetos de geração de renda, capacitação de pessoas e valorização da cultura regional, com apoio de universidades e ONGs, a exemplo das ações no assentamento rural Dandara.
No viveiro em Promissão, a equipe produz anualmente 1 milhão de mudas nativas da Mata Atlântica e do Cerrado (500 mil para ações próprias e 500 mil para ações com parceiros). Como resultado dos plantios, onças-pardas são vistas nas matas por entre canaviais da região. “Temos grande preocupação com a proteção e a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas, diante do desmatamento que ainda ameaça a Mata Atlântica”, afirma Rafael.
Fotos: AES Brasil/ Divulgação
Fonte: SOSMA
Publicação Ambiente Legal, 28/02/2024
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.