“Atormentado por seguidas notícias de mortes de operários em obras geotécnicas, achei oportuno reproduzir texto que escrevi há tempos sobre essa triste condição brasileira.”
ORAÇÃO AO PEÃO SOTERRADO
Por Álvaro Rodrigues dos Santos
Desculpem-nos Severinos, Raimundos, Josés e Edmilsons. Desculpem-nos por matá-los e aleijá-los aos magotes nas valas, galerias, muros e taludes que lhes soterram todos os santos dias.
Desculpem-nos por recebê-los das mãos criminosas das “Gatas” que os contratam por míseros salários, escoimando seus direitos trabalhistas e os alugando como animais às empreiteiras da vida.
Desculpem-nos por espalhá-los como cargas quaisquer pelas obras que se instalam por todos os cantos desse sul-sudeste encantado que lhes atraiu de seus sagrados confins.
Desculpem-nos por alojá-los como bichos escravos em dormitórios indecentes e sujeitá-los a todas cruéis e safadas exigências dos chefes de turma.
Desculpem-nos por nos “lixarmos” por sua juventude ou por sua velhice, pelos seus sonhos e pelas suas histórias e agruras de vida.
Desculpem-nos pela ausência hipócrita de nossas instituições fiscalizadores do bom e ético exercício profissional.
Desculpem-nos por sujeitá-los a todas essas vergonhas, sofrimentos e mortes aproveitando-nos de seu humano desespero por um emprego.
Desculpem-nos, Josés, Sebastiões, Antônios e Rivaldos, pelos Ministérios e Secretarias do Trabalho, pelos CREAs e pelos Tribunais e Juntas e Sindicatos do raio que os parta alegarem desconhecimento de suas humilhantes condições de trabalho.
Desculpem-nos pelas Promotorias e Delegacias não entenderem como crime doloso e hediondo a ordem do canalha que lhes mandou para o fundo da vala, para o pé do talude, ou para o interior da galeria sem condições de segurança.
Desculpem-nos, Severinos, Raimundos, Beneditos e Nonatos, por abandonarmos seus corpos amarrotados e sujos no IML, achando que suas famílias é que deveriam lhes cuidar e pagar as despesas da porcaria de seus enterros.
Desculpem-nos Marias, Antônias, Esmeraldas e Dorvalinas e seus tantos filhos, pelos maridos, filhos e pais que lhes roubamos aleijamos e matamos.
Desculpem-nos, Raimundos, Antônios, Edmilsons e Beneditos, mesmo não me incluindo entre os que lhes violentaram a dignidade e sua condição humana, assumo a missão, alguém, em nome da Geotecnia brasileira, teria que lhes pedir perdão.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos – Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia – Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”- Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia – (santosalvaro@uol.com.br)
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