Por Vladimir Passos de Freitas*
Os 27 países da União Europeia (UE), após longos estudos, deliberaram, em 14 de julho de 2020, por um Pacto Ecológico Europeu, também conhecido como Green Deal. O site da Comissão Europeia anuncia o desejo de transformar a economia e a sociedade [1], esclarecendo que:
“As alterações climáticas e a degradação do ambiente representam uma ameaça existencial para a Europa e o resto do mundo. Para superar estes desafios, o Pacto Ecológico Europeu transformará a UE numa economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva, garantindo que:
a) as emissões líquidas de gases com efeito de estufa sejam nulas em 2050;
b) o crescimento económico esteja dissociado da utilização de recursos;
c) ninguém nem nenhuma região seja deixado para trás”.
Referido pacto foi pouco dimensionado no Brasil, onde as preocupações maiores são com as ODSs da Organização das Nações Unidas (ONU), que estão a originar estudos na área acadêmica, adoções na Administração Pública e consideração nas decisões judiciais.
Contudo, em termos práticos, o Pacto Econômico Europeu vai originar mais consequências do que as ODSs da ONU. Enquanto as ODSs são louváveis objetivos a serem cumpridos a médio ou longo prazo (2030 e 2050), o pacto da UE vai gerar resultados em breve tempo.
As pretensões que ele exterioriza são estruturais, autêntica mudança na economia e até na rotina dos habitantes do bloco europeu. As abordagens precautórias e preventivas, com certeza, são as melhores para proteger o meio ambiente, a saúde pública e a economia dos habitantes dos países do bloco, dentro de uma perspectiva intergeracional.
O projeto sintetizou em oito as medidas a serem tomadas, considerando os seus principais objetivos. Elas têm por foco: clima; ambiente e oceanos; energia; transportes; agricultura; desenvolvimento turístico e regional; indústria; investigação e inovação.
Tal iniciativa somente agora chega ao Brasil por notícias da mídia. Ela retrata de certa forma o pavor existente na maior parte dos países pelas consequências das mudanças climáticas, tema que assumiu a dianteira nas preocupações gerais, sobrepujando, inclusive, a crise de recursos hídricos.
Recentemente, no dia 8 de agosto, para ser mais exato, sobreveio novo alerta do IPCC [2]. As conclusões nele inseridas, evidentemente, atiçam os receios e levam as pessoas ao redor do mundo a um estado que vai da intranquilidade ao pânico, incursionando pela depressão. Esclarece Gabriel Wedy a respeito que:
“O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), foi criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial, em 1988, com o objetivo de fornecer aos formuladores de políticas avaliações científicas regulares sobre as mudanças do clima, suas implicações e possíveis riscos futuros, bem como para propor opções de adaptação e de mitigação. Atualmente, o IPCC possui 195 países-membros, entre eles o Brasil” [3].
Pois bem, tudo isto leva a UE a um rigor maior que não se limita aos seus países membros. Vai muito além, alcançando os países ou blocos econômicos que com ela negociam. Simplificando o raciocínio dos europeus, eles exigem que os parceiros comerciais sigam rigorosamente as suas regras, sob pena de não serem feitos os negócios.
Isso ficou muito claro quando o bloco econômico europeu aventou a possibilidade de suspender as negociações com os países do Mercosul. O compromisso firmado entre os dois blocos é de 28 de junho de 2019, portanto, recente. Todavia, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, o aumento do desflorestamento na Amazônia e o “péssimo nome que, hoje, o país tem na área da gestão ambiental” [4], levaram a UE a ameaçar a não ratificação do acordado.
Nesta linha, “o presidente do Comitê de Comércio do Parlamento Europeu, Bernd Lange, afirmou nesta quinta-feira (15) que o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE) não será ratificado pelos europeus sem regras claras que garantam o compromisso das partes com o desenvolvimento sustentável” [5].
Essas exigências serão semelhantes a pré-requisitos, sem os quais nenhuma negociação será feita. Considerando-se que a UE é o segundo maior importador de produtos brasileiros, quais sejam, soja, café, carne, suco de laranja e outros, as consequências econômicas podem ser desastrosas. Por óbvio, isso não é algo que interesse a governos de posições ideológicas à esquerda ou à direita, mas, sim, ao país.
Vejamos como isso pode dar-se através de três exemplos:
a) Clima. O enfrentamento do câmbio climático, com severas metas para 2030 e 2050, pode levar a que se exija do Brasil, entre outras coisas, redução de desmatamento na Amazônia e rigorosos compromissos nos financiamentos externos e internos. E mais. Cogita-se na UE da criação de um imposto sobre a emissão de carbono na atmosfera, o que poderia ser exigido do Brasil. Ainda que possa parecer peça de ficção científica, poderá, em situações extremas, tornar-se realidade.
b) No âmbito de agricultura, tem-se como certa a rejeição de produtos que utilizem agrotóxicos proibidos na comunidade europeia. O Brasil é acusado de ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, afirmação contestada pelos que justificam o fato, em razão do tamanho do nosso território e pela capacidade de sua exploração. Mas, abstraindo essa polêmica, o fato é que o Brasil utiliza agroquímicos de uso vedado na União Europeia e Inglaterra [6]. Por óbvio, nada justifica tal fato.
c) Outra proposta interessante é a renovação dos edifícios públicos e privados, adequando-os a estilos de vida mais sustentáveis. O tema começa lentamente a despertar interesse no Brasil. Por exemplo, leis municipais que obrigam as novas construções a aproveitar água de chuva (v..g., Curitiba, Lei 10.785/2003). Aproveitamento da energia solar, uso de vegetação nas paredes externas, exigência de adaptação de edifícios públicos, podem vir a tornar-se práticas a serem exigidas da indústria brasileira.
Essas não são as únicas mudanças no panorama internacional, pois outras tantas práticas em setores diversos poderão vir a ser uma significativa pressão sobre as rotinas brasileiras. Se o Partido Verde entrar na composição do gabinete do primeiro ministro da Alemanha, como alerta Daniela Chiaretti, é possível que aquele poderoso país exija “não apenas cobrar metas de redução do desmatamento na Amazônia, mas indicar qual a tecnologia para medir o esforço” [7].
E a pressão não virá só da UE, mas também da China, primeiro importador de produtos brasileiros. Camila Souza Ramos registra que “os pecuaristas brasileiros terão que investir até R$ 250 bilhões para reformar pouco mais de 100 milhões de pastos com alguma degradação, conforme cálculos da Scot Consultoria em estudo encomendado pela WWF, pela Tropical Forest Aliance (TFA) e pela fundação Solidariedad” [8], para ter acesso àquele mercado. Pouco importa se a China é causadora de grave poluição, isso não entra nos considerandos.
Pois bem, como devem ser vistas tais mudanças do ponto de vista da proteção do meio ambiente no Brasil? Em princípio, como positivas, pois podem ser um fator de contribuição para um desenvolvimento que seja realmente sustentável e não uma peça de marketing.
Elas não serão a solução mágica para todos os nossos problemas. Mas podem constituir uma ferramenta adicional, que virá a somar-se a outras tantas existentes.
Com efeito, as dificuldades das ações civis públicas que se eternizam nas quatro instâncias brasileiras e que, não raramente, não se executam, perdidas no ineficiente sistema de cumprimento de sentença do Código de Processo Civil de 2015, apontam para a necessidade de outras vias. Por isso mesmo cresce a cada dia a celebração de termos de ajustamento de conduta, conciliações e mediações feitas junto a Ministério Público, agências ambientais e Poder Judiciário.
Claro que disso advirão consequências, haverá um preço a pagar com a elevação dos custos. Basta ver o que já sucede nos Estados Unidos, onde “com ‘custo verde’, obra na Califórnia encarecerá”, análise feita a partir do novo código de obras, que impõe a adoção de energia limpa. Mas, se esse é o preço a pagar, será bom que o quitemos o mais cedo possível.
[1] Comissão Europeia. Pacto Ecológico Europeu. Disponível em: https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt. Acesso em 23 set. 2021.
[2] Disponível em: https://climainfo.org.br/2021/08/09/ciencia-mudancas-climaticas-resumo-ipcc/?gclid=Cj0KCQjwjo2JBhCRARIsAFG667VrdLiVb1C1ZdO3WxuTZ4w871nhI7LA3aXR3Num9P0MfQjH1PxkBw0aAts-EALw_wcB. Acesso em 23 set. 2021.
[3] WEDY, Gabriel. Mudanças climáticas: o sombrio relatório do IPCC. Revista eletrônica Consultor Jurídico, 14 ago. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-14/ambiente-juridico-mudancas-climaticas-sombrio-relatorio-ipcc. Acesso em 3 set. 2021.
[4] Estado de São Paulo, 19 set. 2021. José Roberto Mendonça de Barros. Mudança ambiental é a grande ameaça ao agro p. B3.
[5] Câmara dos Deputados. Fonte: Agência Câmara de Notícias. Descaso com metas de sustentabilidade pode impedir acordo Mercosul-UE, diz parlamentar. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/700378-descaso-com-metas-de-sustentabilidade-pode-impedir-acordo-Mercosul-ue-diz-parlamentar/. Acesso em 23 set. 2021.
[6] Reporter Brasil. André Cabette, Helen Freitas e Ana Aranha. Brasil é 2º maior comprador de agrotóxicos proibidos na Europa, que importa alimentos produzidos com estes químicos.Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2020/09/%EF%BB%BFbrasil-e-2o-maior-comprador-de-agrotoxicos-proibidos-na-europa-que-importa-alimentos-produzidos-com-estes-quimicos/. Acesso 24 set. 2021.
[7] Valor. Brasil será afetado se Verdes entrarem no governo.14. set. 2021, p. A-12.
[8] Valor. Agronegócios, 22 set. 2021, p. B10.
*Vladimir Passos de Freitas é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 27/09/2021
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.