Notas para uma reforma eficaz e mais que nunca necessária
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A crise na segurança pública no Estado de São Paulo é um fenômeno complexo que envolve múltiplos fatores.
Por óbvio que a doutrina de Lei e Ordem precisa ser implementada top down, sem hesitação – e essa parece ser a determinação do governo Tarcísio Freitas.
Porém, é necessário compreender que a doutrina envolve todo um conjunto de articulações entre agentes implementadores… para muito além do policiamento ostensivo.
De início, é necessário adotar a premissa que o Estado de São Paulo agirá só, nos limites de sua autonomia federativa.
A guerra legal hoje travada no Brasil, parte do sistema narco-ditatorial que comanda o topo do Poder executivo nacional e, também, tribunais superiores, polícia federal e ministério público. Esse aparato encontra-se contaminado.
É preciso ter em mente que o sistema globalista-progressista – hoje acuado na Europa e nos EUA, usa o Brasil como laboratório de convivência “harmônica” entre narco-terroristas, lavanderias de dinheiro sujo e juristas de aluguel – a serviço da corrupção mais deslavada – concentrando rios de dinheiro nas mãos de rentistas, à custa da miséria do país.
Abolicionistas penais abusam do proselitismo, enquanto dúzias de tubarões especuladores e líderes do narcotráfico ganham a liberdade e, ainda, patrocinam seminários e convescotes de agentes públicos, com toda a cobertura da mais imunda imprensa militante do continente americano.
Posto isso, é preciso deixar claro que, numa federação apodrecida como a brasileira, a luta deverá se dar sem contar com qualquer apoio digno desse nome, por parte da banda podre do sistema federal de segurança pública.
Assim, tornemos a focar no território bandeirante.
Apesar de quedas seguidas nos índices de violência, esta remanesce em regiões específicas com dados estatísticos alarmantes.
O fortalecimento de facções, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) – ainda que ignorado ostensivamente pela comunicação oficial, contribui para a escalada da violência, e chega a se confundir com conflitos entre grupos rivais e influir na disputa pelo controle de territórios, e negócios públicos e privados.
A politização da criminalidade ocorre paripassu com o ativismo judicial. Portanto, não é preciso ser um gênio para perceber que a hipocrisia e o cinismo, embutidos no proselitismo engajado de agentes públicos e doutrinadores privados, têm patrocínio. Logo, manter “diálogos” e “debates” com esse dispositivo… serve apenas para alimentar a máquina de propaganda do sistema narcoterrorista, instalada na mídia mainstream. Que fique claro: reconhecer a podridão reinante no interlocutor não significaromper com a necessária interlocução. O exercício da função pública exige cordialidade, transparência e compreensão das dimensões e esferas de atribuição. No entanto, postura, atitude e consciência são essenciais.
O foco sociológico, por sua vez, não deve ser perdido em meio a conflitos dissuasórios.
É fato que a desigualdade econômica e social, em São Paulo, é fator impulsionador da criminalidade. Áreas com elevada pobreza, conflituosidade de ordem fundiária, comércio informal e baixo acesso a serviços públicos – tendem a oferecer terreno fértil para atividades ilegais, tornando-se zonas “liberadas” para organizações criminosas.
A carência de políticas públicas eficazes de regularização fundiária, saneamento, regularização ambiental em bases realísticas, educação básica, saúde e emprego, contribui efetivamente para o ciclo de violência.
Posto isso, é preciso que o mapeamento da violência no estado seja confrontado com as demais camadas de mapeamento fundiário, ambiental e sanitário – como base geográfica para a adoção de políticas públicas integradas, de pacificação comunitária, estímulo à prosperidade e retomada do controle territorial pela autoridade do estado.
Esse planejamento há de se dar sem prejuízo das medidas imediatas de contenção social da violência urbana.
Nesse sentido, as políticas de segurança – que hoje têm se concentrado em ações repressivas, operações policiais e prisões, devem também demandar um plano integrado – constando, na abordagem, causas estruturais da violência.
Há de se formar um conjunto de análises, mapeamentos e estudos, que identifiquem os vetores de violência e os ciclos econômicos e culturais envolvidos em cada região conflagrada.Não se institui uma Ordem Pública sem que se proceda a um correto mapeamento, um inventário circunstanciado dos conflitos em cada território. Há de se diagnosticar o que deve de fato ser combatido – do lote clandestino ao comércio informal. Um amplo processo de regularização, retira a área das mãos do crime e a deposita nas mãos da vizinhança cidadã – a primeira polícia do território urbano.
Outro exemplo é o sistema prisional paulista, que enfrenta problemas sérios, como superlotação, disciplina frágil e falta de programas de ressocialização. Esse estado de coisas serve de justificativa para liberação em massa de elementos presos pela polícia… e liberados sistematicamente pelo judiciário – que parece incrivelmente alheio ao sistema prisional. O efeito é devastador: gera sensação de impunidade e perpetua o ciclo de criminalidade.
Falta integração, outrossim, entre Agências de Inteligência. Há absoluta ausência de integração com centros de estudos e think tanks engajados com a doutrina de combate à criminalidade.
Essa ausência de formação de uma boa base teórica, analítica e estrutural fragiliza a segurança pública, reduz a atividade de inteligência de Estado. Fragiliza as ações oficiais, enquanto parcela do funcionalismo descompromissado com o Estado, atua de forma sistemática com organizações envolvidas no abolicionismo penal, ativismo e direitos humanos “dos manos”…
Em verdade, convenhamos, não há uma comunidade de informações devidamente diversificada e envolvida com uma coordenação eficaz entre as diferentes esferas de segurança civil, militar e de análise independente. O que há… são pequenas “ilhas” de atividade.
A interlocução desse sistema deve ser blindada. Isso demanda uma camada “diplomática”, de cobertura efetiva na articulação com Ministério Público, Judiciário e entes de segurança do sistema federal. Já um outro dispositivo, deve manter interlocução proativa entre os níveis de governo federativos (municipal, estadual e federal).
Há, hoje, claramente, pouca compreensão de como essa inteligência estratégica funciona. Isso dificulta a implementação de programas eficazes, fragiliza a estrutura organizacional e sujeita seus agentes a riscos.
Casos de corrupção dentro das forças de segurança e a impunidade em relação a crimes cometidos por agentes do Estado, como abusos e violência policial, minam a confiança da população nas instituições.
Infelizmente, a disciplina deve ser redobrada e repetidamente reafirmada nos organismos responsáveis pelo exercício do monopólio da violência – conferido ao Estado.
Autoridade é postura, atitude e… disciplina. Esta, de forma alguma terá eficácia com a vulgarização de sua atividade.
Por outro lado, jamais haverá autoridade se esta pretender ser exercida de forma centralizada, em prejuízo dos comandos de distrito, de unidades e de departamentos – como se o manto da desconfiança cobrisse todo o sistema. Ela será eficaz se for atribuído comando ao comandante de área responsável pela operacionalização da atividade. À autoridade no exercício de sua jurisdição.
O excesso de judicialização, de correição centralizada e politização da ação correcional e disciplinar… só contribui para a ruína do moral, desprestígio local da autoridade e completa fragilização do sistema.
São Paulo tem um péssimo histórico nesse sentido e, não por outro motivo, no campo policial militar, a justiça militar tornou-se um palco para destruição de reputações, refém de uma corregedoria politizada e absolutamente desrespeitosa com a estrutura de comando da corporação… submissa aos humores de um ministério público ideologicamente orientado à desmoralizar a força de policiamento ostensivo e administrativo do território bandeirante.
Já a polícia civil, tornou-se alvo de um constante desprestígio, motivado muito mais pelo absoluto desconhecimento de sua estrutura e atividade que pelos resultados materiais de sua atuação.
O ativismo e a mobilização comunitária têm desempenhado um papel importante, para o bem e para o mal, na luta contra a violência. Um bom caminho seria selecionar o quanto antes, interlocutores válidos nesse meio, orientando a articulação com a sociedade civil para promover iniciativas de mediação de conflitos e buscar políticas públicas eficazes – econometricamente aferíveis e com resultados documentados .
Projetos focados em educação e cultura têm sido implementados em comunidades vulneráveis, como forma de prevenir a violência. É hora do governo implementar a prática de documentar as ações, parametrizar resultados e uniformizar a aferição dessas iniciativas.
A dinâmica da crise na segurança pública no Estado de São Paulo, portanto, reflete uma intersecção de fatores sociais, políticos e econômicos que exigem abandono de discursos, cerimônias e eventos midiáticos, para adoção de um profundo mergulho estrutural, abrangente, que vá além de meras estratégias de repressão.
A polícia judiciária, nesse sentido, deverá resgatar sua imensa importância no ambiente de investigação, análise, apuração e informação.
O avanço da polícia científica, das técnicas de investigação e coletas de evidências e provas, por óbvio, não se coadunam com o sistema cartorial de escrivania, de “empilhamento” de boletins de ocorrências e ordens de serviço burocraticamente retroalimentados.
As equipes locais, a liderança da autoridade policial judiciária, os departamentos especializados, a articulação com agentes de campo, peritos, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, demandam profunda reformulação no sistema.
Aliás, vale a pena observar que não há uma linha no Código de Processo Penal que aponte ser um inquérito constituído por centenas de laudas datilografadas, com depoimentos tomados a termo e idas e vindas entre elementos da atividade judiciária e agentes da autoridade policial. Ali há diligências, buscas e… relatório. O ciclo completo de polícia… dispensa burocratização e demanda dinâmica.
Entendo necessário reler a lei, para adequá-la à dinâmica da modernidade.
Hora de sair da caixa… e pensar fora dela.
Leia também:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – ” Inteligência de Estado, Segurança Pública e , in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2023/08/o-momento-e-da-seguranca-publica.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista, consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Diretor da Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental – AICA, Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e Consultor do UNICRI – Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa. Coordena o Centro de Estudos Estratégicos do think tank Instituto Iniciativa DEX. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 09/12/2024
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.