Giulia Granchi, BBC News Brasil
Desde janeiro até o momento, o Pantanal já contabiliza 1.124.825 hectares de área devastada pelo fogo — uma extensão mais de duas vezes maior que todo o território do Distrito Federal e que se aproxima dos tamanhos de países como Catar e Jamaica.
Os dados são do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ).
Os focos de incêndio são mais perigosos e indicam que as chamas se propagaram, diferentemente dos focos de calor, que são pequenas fontes de fogo.
A maior parte dos focos se inicia por ação humana, como práticas agrícolas negligentes, queimadas não controladas e atividades relacionadas à pecuária. O descarte inadequado de materiais inflamáveis também contribui para o aumento do risco de incêndios na região.
“O Pantanal é cercado de áreas agrícolas e pecuárias, onde há uma prática comum de utilizar o fogo para limpar terrenos ou preparar áreas para novos plantios. Os incêndios no bioma raramente são por causas naturais”, explica Leone Curado, professor do programa de pós-graduação em física ambiental na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).
O período que vai de julho a outubro é mais propício ao fogo e a tendência é que os incêndios diminuam com a chegada da época de chuvas, a partir de novembro.
Este ano, no entanto, a chegada das chuvas demorou mais que o habitual, e em novembro, apenas metade do volume esperado foi registrado.
Como consequência, em novembro, o Pantanal registrou 4.134 focos de incêndio, em comparação com os 201 contabilizados no mesmo intervalo no ano anterior (um aumento de mais de 1900%), conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
O biólogo Romildo Gonçalves da Silva, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), atribui parcialmente esse atraso na chegada das chuvas ao fenômeno climático El Niño, que tem o potencial de desencadear alterações nos padrões de circulação atmosférica, impactando significativamente tanto a chegada quanto a distribuição das chuvas.
Outro efeito do fenômeno é deixar a massa de ar mais seca na região central do país, onde fica o Pantanal.
“Somado à onda de calor fortíssima, o ambiente se tornou muito propício para que os focos de incêndio se espalhassem”, diz ele, que tem livros sobre prevenção e combate aos incêndios florestais publicados.
Apesar do mês catastrófico, a média anual dos focos de incêndio no Pantanal não foi tão ruim em 2023 se comparada aos anos anteriores.
Em dezembro, os focos continuam, o que fez com que o governo de Mato Grosso (estado onde fica 35% do Pantanal) prorrogasse o período proibitivo de queimadas para a limpeza e manejo de áreas no bioma até 31 de dezembro.
Por que as chuvas podem não resolver o problema
As primeiras chuvas na região no mês de novembro, caracterizadas por pancadas breves, não resultaram em acúmulos significativos, e a distribuição desigual resultou em um maior alívio para áreas específicas. Com isso, os focos de incêndio continuaram por mais alguns dias.
“A chuva alivia o cenário. No entanto, por que os focos de fogo persistem? Primeiro, precisamos considerar onde está o fogo. Quando este se inicia em áreas com gramíneas, quando as primeiras chuvas ocorrem, conseguem extinguir o fogo, mas no Pantanal, em regiões com árvores mais altas, quase formando uma floresta pantaneira, o incêndio torna-se mais intenso”, descreve Leone Curado.
“Quando atinge essas áreas, torna-se mais difícil apagar, e, geralmente, as primeiras chuvas, embora ajudem, não conseguem uma extinção completa.”
No dia 20 de novembro, imagens do satélite de referência do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) mostraram que não haviam mais focos de incêndio no bioma.
A boa notícia, no entanto, não pode ser considerada definitiva.
De acordo com Geraldo Damasceno, coordenador do, Peld-Nefau Pantanal, núcleo de estudos do fogo em áreas úmidas da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a situação pode persistir em algumas áreas mesmo com a chuva, especialmente se ela não for suficiente para alagar o ambiente ou torná-lo significativamente úmido.
Se houver um foco de incêndio nas proximidades, a propagação se torna mais fácil.
“Existem ambientes, denominados turfeiras, nos quais as plantas crescem sobre outras formando uma camada orgânica espessa conhecida como turfa. Quando essas áreas pegam fogo, ocorre o fenômeno chamado de fogo subterrâneo, com brasas ardendo sob a terra.”
“A intensidade da chuva desempenha um papel crucial, pois, se não for intensa o suficiente, as brasas persistem. Em períodos de seca, o fogo pode ressurgir.”
Embora não seja a principal razão do início das chamas, as chuvas também podem vir acompanhadas de descargas elétricas.
Quando os raios atingem o solo, especialmente em áreas com vegetação já bastante seca, propiciam condições favoráveis para o surgimento de novos focos de calor.
Fogo que se espalha rapidamente
Quando os focos aparecem, há características do Pantanal que fazem com que o fogo se espalhe rapidamente.
Entre elas, a vegetação seca, topografia que facilita a propagação, acúmulo de material inflamável, ventos fortes, e em alguns casos, a dificuldade de acesso para controlar prontamente os incêndios.
O professor Geraldo Damasceno explica que, embora os focos de incêndio sejam problemáticos quando se espalham descontroladamente, o Pantanal é bastante resistente ao fogo, especialmente comparado a outras áreas.
“A vegetação do bioma é adaptada ao fogo e se recupera em ciclos. É lógico que existem sensibilidades, existem problemas, tanto para a flora como para a fauna. Mas, de uma maneira geral, comparado, por exemplo, com as áreas úmidas da Amazônia, o Pantanal aguenta bem o fogo.”
‘Falta de prevenção’
Na avaliação do biólogo Romildo Gonçalves da Silva, o maior problema do Pantanal é a falta de prevenção.
“Não se faz aceiro nas vias públicas que adentram o Pantanal, não formam brigadas para combater o fogo, que tem que ser muito bem treinadas para atuar naquele ambiente específico. Eu estudo do Pantanal há 40 anos e sempre bato na mesma tecla: sem preparo, não tem como mitigar os efeitos nocivos do fogo.”
O professor Curado concorda, acrescentando que a questão não se resume à quantidade de chuva necessária.
“O foco deveria ser, de fato, na conscientização e no controle desses incêndios, pois mesmo que tenhamos um volume significativo de chuva, a falta de controle pode resultar na repetição desse problema no próximo ano. Estamos atravessando um processo em que algumas pesquisas indicam que o período de chuva nessa região está se tornando mais curto. O que costumava ocorrer em quatro meses agora acontece em três.”
Um período maior de tempo sem chuvas no Pantanal significa tornar a região mais propensa a incêndios durante uma parte significativa do ano.
“Pesquisas que fizemos dentro da universidade demonstraram que o Pantanal está passando por um aumento de temperatura, assim como diversas regiões não apenas do Brasil, mas do mundo. Esse dado é preocupante, pois, dependendo de como for manuseado, podemos chegar a um ponto em que a temperatura atinja um processo irreversível.”
O professor alerta que continuar nesse caminho provavelmente resultará, em alguns anos ou décadas, em um Pantanal com um padrão de temperatura completamente diferente, aumentando os riscos de perda do ecossistema.
Fonte: BBC News
Publicação Ambiente Legal, 18/12/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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