Com o apoio da sociedade civil, delegacias de proteção animal viram realidade no Brasil.
Por Vitor Lillo
Em janeiro passado, Minas Gerais inaugurou sua primeira delegacia voltada para especialmente para a proteção dos animais. A Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Contra a Fauna de Minas Gerais é comandada pela delegada Maria José Mendes Quintino, um escrivão e quatro investigadores, todos da Polícia Civil, que já contava com uma Divisão Especializada à Proteção do Meio Ambiente, criada em 1998.
Espera-se que a nova delegacia, localizada em um espaço provisório na região noroeste da capital mineira, sirva como um instrumento de conscientização e coerção desse tipo de crime, mas, principalmente, que se dê um encaminhamento mais ágil às denúncias de maus tratos que cresceram nesse primeiro mês de atividades. “Não temos como passar um número preciso agora, mas já percebemos um aumento na demanda”, explica a delegada Maria José.
A estrutura e o plano de trabalho da equipe ainda precisam ser regulamentados. Para tratar desses temas foram marcadas reuniões para as próximas semanas entre a equipe de policiais e representantes das ONG’s de defesa animal, personagens que tiveram um papel fundamental na criação desse serviço.
Sociedade Civil e Poder Público vigilantes
Ione Torquato é uma ativista da causa animal de longa data. Integra a ONG Adoção BH, que procura encontrar donos para os cães abandonados em Belo Horizonte. Juntamente com outras organizações pró-animais, Ione foi uma das artífices da campanha realizada em 2012 que resultou em um abaixo-assinado fundamental para a criação da delegacia mineira.
Reuniu 56 mil assinaturas pela internet, entregues pessoalmente ao governador do Estado, Antonio Anastasia (PSDB). “Foi uma reunião muito produtiva. O governador foi muito aberto e se comprometeu a criar a delegacia até o final do primeiro semestre de 2013. Para nossa surpresa, ela foi aberta logo em janeiro”, relata Ione.
A inspiração para o movimento mineiro está em São Paulo, mais precisamente em Campinas, cidade a 115 km da capital. A primeira delegacia de proteção aos animais no Brasil foi criada naquela cidade, em 2010. Inicialmente o órgão ocupava um espaço dentro do 4º distrito policial do município e contava somente com uma delegada e um investigador. Hoje tem sede própria, uma equipe maior e já há outras cidades do Estado criando suas delegacias, inspiradas pelo projeto campineiro.
Curiosamente, toda essa história se conecta a um técnico em redes que também é ativista da causa animal, o paulistano Denis Monteiro. No inicio de 2010, enquanto assistia a um programa da TV paga sobre a delegacia de proteção animal que existe em Miami (EUA), o ativista se impressionou “com o fato de existir uma delegacia com estrutura e equipe própria para a proteção dos animais”.
Inspirado pela “descoberta”, Denis criou uma página no Facebook e deu início ao movimento que pedia a criação de uma delegacia de proteção animal em São Paulo. Meses depois, por coincidência ou não, Campinas criou a sua delegacia. Políticos o procuravam e “todas as informações que eram postadas na página, volta e meia apareciam na imprensa”.
Por outra coincidência do destino, Denis foi retirado da administração da página do Facebook, que hoje reúne 240 mil seguidores. Esse fato, até hoje inexplicado, além da correria do dia-a-dia fizeram com que ele se afastasse da causa animal. Nada que abale, no entanto, a disposição do ativista. “Hoje já temos delegacias em várias partes do Estado, mas eu gostaria muito que isso fosse expandido”.
Um passo para expansão foi dado com o projeto de lei do deputado estadual Jooji Hato (PMDB) que prevê a criação da Delegacia Especial de Proteção a Crimes e Maus-Tratos contra Animais, aprovado em dezembro na Assembleia Legislativa. A lei prevê que o órgão integre a estrutura da Secretaria de Segurança Pública, o que possibilitaria a instalação de unidades por todo o Estado. No momento aguarda sanção do governador do Estado Geraldo Alckmin.
Uma das motivações apontadas pelo deputado é o número de denúncias de abusos contra animais ao Disque Denúncia que, em 2012, alcançou a marca de 3.105 ligações, aumento de 31% em relação a 2011. “Só em São Paulo Capital são cerca de 2,9 milhões [de animais]. Deste total, 10% não têm um lar e perambulam pelas ruas. O descarte de filhotes e o abandono são as principais causas desse problema”, aponta Hato.
Os animais aos olhos da Lei
O homem é considerado um ser superior aos animais por ser dotado de uma linguagem e capacidade de raciocínio mais desenvolvida que a dos outros seres vivos, o que faz com que sejamos o “centro do universo”. Essa visão, chamada de antropocêntrica, baseou nossos princípios jurídicos e inúmeras leis que hoje regem a nossa vida. Mas e os animais que não podem reclamar por seus direitos, como ficam?
“Até duas décadas atrás, o animal era considerado um objeto, não era um ente dotado de direitos. Como se fosse algo que existe no mundo para dar prazer ao homem. Lembro que em meu doutorado houve um debate sobre direitos dos animais e discutia-se que tudo existe em defesa do homem. Você não permite que torturem os animais para que o homem não sofra. Hoje isso começou a mudar”, afirma o deputado estadual Fernando Capez (PSDB).
Capez é outro deputado com atuação marcada pela defesa dos animais. Em dezembro de 2012, seu projeto de lei considera crueldade qualquer ação ou omissão que implique abuso, ferimento ou mutilação de animais e impõe multa de R$ 19.000 a R$ 58.000 para o infrator já foi aprovado na AL e, assim como o projeto de seu colega Jooji Hato, aguarda sanção do governador.
O fato é que o Brasil possui leis que tratam dos direitos dos animais. A primeira sobre o assunto é o Decreto-Lei 24.645 de 1934. A Constituição de 1988 e a Lei 9.605 de Crimes Ambientais de 1998 são outros avanços mais recentes na matéria. Mas é ainda falta uma legislação mais rígida sobre o tema. Em 2012 a comissão que redige o anteprojeto do novo Código Penal aprovou um endurecimento na pena para os malfeitores: 1 a 4 anos de prisão e multa.
O ativista Denis Monteiro recebe a proposta com entusiasmo: “não podemos ter na cabeça que o ser humano só é punido quando faz mal ao seu semelhante. Há coisas absurdas sendo feitas contra animais e não há punições pra isso”, afirma.
Ione Torquato acredita no papel educativo da lei. “O animal é um ser que sente como nós. Mas ele é dependente do ser humano, indefeso e o ser humano às vezes abusa dessa dependência dele. Tem que ser rígido e duro. Na medida em que os malfeitores forem sendo punidos, mais pessoas vão se conscientizando”, opina.
Capez, promotor de justiça de larga carreira concorda com Ione. “A pena de 1 a 4 anos de prisão em si não coloca o infrator na cadeia, mas, o importante é ele ter a sensação de que recebeu uma intimação criminal, a acusação do promotor e a condenação do juiz”.
A bem da verdade, mais que construir delegacias, os homens precisam construir a consciência de que somos todos animais sob um mesmo ecossistema e precisamos respeitar determinados limites de convivência se quisermos continuar nele.