Para Pinheiro Pedro, o governo mantém a normalidade apesar das indefinições do gabinete no Planalto
Para retomar o comando da ação, o presidente deve resolver o dilema entre a pandemia do vírus e a pandemia de miséria, baixando uma medida provisória ou decreto presidencial, “para o bem ou para o mal”.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Desde sábado a cúpula do governo vem batendo cabeça, com discordâncias e indefinições sobre o método de prevenir a pandemia do coronavírus e recuperar a economia do país, retomando as atividades.
Bolsonaro, para acirrar o debate, passeou pelo Distrito Federal entrando em contato com o povo. O presidente segue à risca o preceito do “falem bem, falem mal, mas falem de mim”. Claro que atiçou a sensibilidade da população ao se encontrar com um senhor do grupo de risco, fritando churrasquinho de gato para vender aos poucos passantes na localidade – fato que retrata bem o grande desafio do combate à pandemia, que é não deixar que as pessoas também morram de fome.
Falta, no entanto, cobrir o vazio normativo. Resolver a diferença entre o que propugnam legalmente os estados e municípios e o que determina a união. Assim, é imperativo que o presidente edite uma medida provisória ou um decreto o quanto antes.
Esse foi o tema central da minha conversa com o jornalista João Batista Olivi, no Canal Notícias Agrícolas desde dia 30 de março de 2020, que originou o presente artigo.
Para assistir ao vídeo, basta clicar aqui ou na imagem abaixo:
HORA DE RETOMAR O COMANDO DA AÇÃO
É preciso que saia da caneta do presidente Bolsonaro um ato normativo que reflita o que ele pensa, e harmonize o entendimento governamental. Seja para o bem, seja para o mal – pois não é função do administrador ganhar concurso de simpatia.
Nunca foi tão urgente que o chefe de estado resolva legalmente essa diferença de compreensões, compondo a defesa da população face á pandemia, com a defesa da nossa economia.
Veja, por exemplo, na síntese do fim de semana para a data de hoje, a análise da situação: 1° – A desobediência civil está sendo praticada à direita, por bobalhões nos seus carrões… seguros ao volante, mandando os outros se contaminarem por eles. Aliás, ao contrário do que se busca incentivar, não há saques ou baderna provocada pelo povo nas ruas… 2° Quem até agora não editou o Decreto ou Medida Provisória restabelecendo as atividades econômicas, total ou parcialmente, é o presidente da República – que havia prometido para hoje, segunda feira, essa norma. Portanto, a confusão decorrente do hiato normativo, deve-se ao próprio Chefe de Estado. 3° Todos os dados sobre a pandemia estão postos ao alcance do público. Falta uma análise sistemática e prospectiva do governo. Mas parece que se tratou de DESMOBILIZAR o grupo encarregado de analisar medidas técnicas e submetê-las ao presidente, que por sua vez se recusa a convocar qualquer conselho, seja de gabinete, de governo ou da República. Será?
É preciso compreender a pessoa para entender o problema.
O presidente nunca entrará no “veja bem”… “não é bem assim”… pois se o fizer será engolido. Porém é preciso trabalhar em prol de garantir o maior respaldo institucional possível à transformação em regra daquilo que efetivamente pensa e quer decidir. Quanto ao risco do congresso ou judiciário questionarem a medida governamental, respondo que é um risco que poderá ser bastante reduzido se o presidente acatar a sugestão de convocar o Conselha da República. ”
O Conselho da República não morde – é o meio de reunir os poderes da república com o governo para resolver uma situação com a gravidade da atual. Na verdade, para além da liturgia, seria uma boa e saudável “armadilha institucional” montada no interesse do Brasil – de forma a evitar que interesses políticos menores façam agentes políticos saírem “chutando lata” a cada ação presidencial, como agora ocorre. Certo está, portanto, o General Girão Monteiro, ao sugerir esse mecanismo*.
É preciso evitar o velho ping pong: Bolsonaro edita a medida, o judiciário corre para tentar modular e o congresso modifica ou anula a validade. Por isso mesmo é preciso editar essa norma de resolução do conflito com a máxima legitimidade.
Sem essa lei federal, todas as atividades poderão correr risco de serem consideradas desobediência civil.
É preciso de toda forma evitar a pandemia de miséria, e nesse sentido é importante anotar aqui a impressionante ordem imperante nas favelas e comunidades mais carentes do Brasil, absolutamente engajadas no combate á pandemia.
Também se anote que o apoio ao presidente continua alto, porque há uma compreensão geral de que é preciso resolver o dilema e integrar a proteção à economia. E é obrigação do governo detalhar esses mecanismos todos, organizando um diploma legal eficaz.
Face á reação negativa do mercado, que corre á frente do Estado inaugurando uma onda de desemprego, é preciso estender as medidas à esfera de intervenção no domínio econômica, visando a proteção dos empregos e das relações de trabalho, seguido do estabelecimento de linhas específicas de crédito e reforço ao seguro desemprego, financiamento até para as grandes empresas para manter folha de pagamento e, também, não descartar o uso das organizações religiosas, usar as igrejas para ampliar os cadastros, visando atingir uma grande massa da população que não dispõe de cadastro no sistema público de assistência ou sequer possui conta bancária ou de poupança.
Para atingir as comunidades carentes, um bom caminho é buscar quem cuida espiritualmente dos rebanhos. Não tem jeito, será preciso despejar dinheiro nesses programas, visando manter a estabilidade econômica.
Na outra ponta, mais do que nunca é preciso reduzir as discrepâncias internas no governo, e o presidente corre sério risco de perder a interlocução no governo, da mesma forma que já possui interlocução difícil com o parlamento e o judiciário.
É preciso reduzir esse risco, e para tanto é necessário ver que a sociedade politicamente organizada, o Estado, mantém o governo, que não se confunde com a figura individual do presidente da república. Isso é fácil de se observar pois é possível ver que o eventual comportamento idiossincrático do presidente não afeta o funcionamento do governo federal, que está atuando regularmente.
Mais uma vez, é preciso que o presidente ponha no papel e transforme em ato normativo aquilo que ele pensa, para reassumir efetivo comando sobre a equipe.
Uma recomendação clara para um gabinete lotado de militares: é preciso parar de bater cabeça e começar a bater continência no gabinete da presidência da República – impor uma ordem unida – caso contrário todo o governo se desmonta. E o “bater continência” é como se usa no vulgo, pois continência não se bate, se presta.
A popularidade de Bolsonaro, é fato, continua forte porque o povo é mais esclarecido que se pensa. só isso. Não há mérito, há uma realidade: todos nós votamos contra tudo aquilo que antes vigorava de ruim no governo federal. Votamos todos contra o establishment, contra a roubalheira, contra a baderna e o radicalismo. O presidente Bolsonaro está no meio deste pacote de esperança e determinação que todos nós – esmagadora maioria do povo brasileiro, compramos com nosso voto. Portanto, não iremos facilmente abrir mão das reformas do estado, da busca da paz social e do retorno da moralidade na vida pública. Isso é importante para que o presidente se enquadre e enquadre seu gabinete, principalmente nos momentos de crise como é o caso desta pandemia global.
O presidente deve fazer seu gabinete parar de bater cabeça e passar a a bater continência, agir prontamente, produzir documentos, mapas, prognósticos, cenários prospectivos, sem pedir licença ao acólito boquirroto da sala ao lado, sem se deter em intrigas de cozinha, sem faltar com a missão que é confiada a cada quadro instalado no palácio e seus anexos.
É preciso conter, também, o avanço dos oportunistas – não da oposição que ninguém mais quer, mas, sim, os que buscam alguma vantagem política dentro dos esforços governamentais. Os que espreitam o conflito visando capturar a liderança para jogá-la no rumo do impasse institucional ou para uma vantagem eleitoreira mesquinha.
E preciso manter o núcleo da equipe – os excelentes quadros da agricultura, economia, justiça, saúde, infra-estrutura, que fazem o governo que funcionar bem, trabalhar com tranquilidade independente das idiossincrasias do líder (afinal, todo líder tem as suas). Assim, o voto que se deve dar é de confiança ao governo, que está funcionando.
O que falta agora? um decreto ou medida provisória, enfim, uma ordem presidencial, que resolva o dilema entre pandemia e economia.
Essa crise que se vê na mídia, não se reflete no que ocorre no governo. Vamos, portanto, retomar o comando da ação.
Nota
*MONTEIRO, General Eliéser Girão, “Salvemos as Pessoas – do Coronavírus e da Recessão”, in The Eagle View, in https://www.theeagleview.com.br/2020/03/salvemos-as-pessoas-do-coronavirus-e-da.html
Entrevista original publicada no site “Notícias Agrícolas”- 30-março-2020 in https://www.noticiasagricolas.com.br/videos/politica-economia/255813-oposicao-abre-guerra-contra-bolsonaro-mas-nao-atinge-o-governo.html#.XoJ5IohKhqN
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 31/03/2020