O pedido é que o repasse do total de recursos não reembolsáveis de 2020 para o projeto Lixão Zero de Rondônia seja suspenso.
Quatro partidos políticos — PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade — protocolaram, na terça-feira (5/1), no Supremo Tribunal Federal (STF), uma petição que questiona a destinação de toda a verba disponível em 2020, na modalidade não reembolsável do Fundo Clima, para um único projeto.
Chamado de Lixão Zero, ele vai beneficiar 15 municípios de Rondônia, estado governado pelo coronel da PM Marcos Rocha (PSL), um dos mais fiéis aliados do presidente Jair Bolsonaro. O custo total é R$ 12 milhões, sendo que R$ 6,2 milhões serão bancados pelo Fundo Clima e o restante pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
Diante de várias situações controversas e do fato de que a destinação integral dos recursos ao governo de Rondônia o impede apoio a outros projetos pelo país, os partidos solicitam a imediata suspensão do financiamento até que todas as irregularidades sejam sanadas. Em especial, a necessidade de publicação de edital público, o respeito à lei dos orçamentos públicos e ao decreto que regulamenta a unificação dos recursos do Tesouro Nacional. Baixe a íntegra da petição aqui.
Num rápido processo de aprovação, foi omitido do Comitê Gestor do Fundo Clima o impedimento do governo de Rondônia para receber os recursos. No lugar do governo estadual, o Ministério do Meio Ambiente aceitou como executor o Consórcio Intermunicipal da Região Centro Leste do Estado de Rondônia (Cimcero). Em seguida, agendou reunião extraordinária, em 22 de dezembro passado, quando a substituição foi aprovada pelo Comitê. A formalização do contrato tinha de ocorrer antes do fim de 2020. O Cimcero é composto por 44 municípios, sendo que quatro deles tiveram seus prefeitos presos, em setembro, na operação Reciclagem, do Ministério Público estadual e da Polícia Federal. Entre eles, estava a prefeita de São Francisco do Guaporé, Gislaine Clemente (MDB), que cumpria o segundo mandato de presidente do Cimcero.
“A escolha do projeto Lixão Zero do governo de Rondônia é, no mínimo, bastante confusa e pouco transparente. Não houve edital para a seleção de projetos nem ficam expressas as contribuições para mitigação de emissões de gases de efeito estufa que justifiquem utilizar os recursos do Fundo Clima”, afirma Suely Araújo, especialista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima.
Pressão e manobra
Em 5 de junho do ano passado, os mesmos partidos ajuizaram ação que denunciava a paralisação do Fundo Clima pela União. A petição protocolada ontem passa a integrar o processo dessa ação original, a ADPF nº 708, cujo relator é o ministro Roberto Barroso. Por conta dela, Barroso convocou, em setembro, uma audiência inédita com especialistas e autoridades, para discutir a crise do meio ambiente no governo Bolsonaro.
O Fundo Clima foi estabelecido em 2009 para financiar ações de mitigação e adaptação com royalties de petróleo e empréstimos com juros especiais, por meio do BNDES. No início de 2019, o ministro Ricardo Salles dissolveu a Secretaria de Mudanças Climáticas. Em seguida, em abril, um decreto do presidente Bolsonaro extinguiu o Comitê Gestor do Fundo. Assim, ele permaneceu inativo até que, pressionado pela ação no STF, Salles reconvocou o Comitê Gestor, em julho do ano passado, e voltou a fazer aportes, via transferências ao BNDES, dos recursos autorizados nas leis orçamentárias de 2019 e 2020.
Após reativar o Fundo às pressas, Salles compareceu à audiência pública em setembro e afirmou que a ADPF nº 708 teria “perdido o objeto”, já que o Fundo Clima, segundo ele, estaria ativo. A decisão de Barroso ainda não saiu, mas isso não impediu Salles de articular para que o total de recursos não reembolsáveis de 2020 fosse parar em apenas um estado e num projeto com baixo impacto nas emissões brasileiras de GEE.
“O Fundo Clima ficou paralisado por mais de ano e meio. Agora, sem nenhuma justificativa plausível, o governo resolveu despejar todos os recursos não reembolsáveis em um único projeto, cuja escolha desperta muitas dúvidas. Por conta disso, o Observatório do Clima apoia a iniciativa dos partidos de recorrer à Justiça e aos órgãos de controle, para que acompanhem de perto o desenrolar dessa história”, conclui Suely.
Entenda a ADPF nº 708
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 708 corre contra a União por não adotar providências de índole administrativa relativas ao funcionamento do Fundo Clima, com todos os recursos autorizados pela lei orçamentária e permitindo sua captação por órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, fundações de direito privado, associações civis, empresas privadas, cooperativas e outros possíveis beneficiários. A ação original, proposta em junho de 2020, pleiteia que o Fundo seja descongelado e que o Ministério do Meio Ambiente desenvolva um plano para usar o recurso em 30 dias, além de elaborar os planos para os próximos dois anos.
Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 56 organizações da sociedade civil. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e dos processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: www.oc.eco.br.
Fonte: P&B Comunicação
Publicação Ambiente Legal, 13/01/2021
Edição: Ana A. Alencar
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