Por Marcio de Almeida Bueno*
Então agora foi dado o start para as pessoas se agitarem na freqüência ‘Páscoa’. A maioria aí sequer explicaria sem gaguejar o que diabos está comemorando, ou recordando, ou celebrando, mas entra na fila assim mesmo. O brilho do papel laminado dos ovos de Páscoa, as sorridentes demonstradoras nos supermercados, os indígenas no Centro vendendo cestas – made in China – e coelhos dentuços desenhados por toda a parte. Traduzindo para o especismo, aperta-se o pedal do acelerador na indústria leiteira, já que a humanidade precisa cumprir seu dever cívico de comer chocolate ‘ao leite’. Apenas chocolate não seria tão divertido, mesmo que o gosto de um chocolate totalmente vegetal não seja diferente. Mas a prova de afeto familiar passa pelo kit ovo-papel-laminado-cesta-coelho-chocolate… ao leite. Longe das vistas de todos, a ‘produção’ leiteira tem portas abertas apenas para a visitação eventual de algum representante da Imprensa submissa, que só vê ali um negócio indo bem ou indo mal, mas jamais exploração animal, que loucura pensar isso!
Isso quando nenhum gênio resolve distribuir coelhos às crianças. Às vezes cai um raio na cabeça de diretor de escola, professora, empresário etc., e dá-lhe coelhos fofos e dentuços sendo encomendados. O que me faz lembrar de uma passagem da infância.
Um ‘vale-coelho’. Eu tinha seis ou sete anos, e morava em Curitiba. Era Páscoa, e algum shopping da cidade – na época dizia-se ‘centro comercial’ – resolveu ENCOELHAR as crianças. Havia um cercado com dezenas deles, então trocava-se por um ticket, não lembro se do estacionamento ou o quê, e um funcionário pegava algum pelas orelhas e entregava à criança. Lembro até hoje do tiozinho pegando um e me entregando – depois, eu leria que ‘não se deve pegar um coelho pelas orelhas’, e essa observação ficou reverberando na minha cabeça infantil. O coelho, todo branco, mexia o nariz rapidamente e fazia cocô pela casa toda. Logo, meus pais deram o coelho para um vigilante do banco onde meu pai trabalhava, que tinha sítio e “o Quik-quik poderia viver melhor”. Não tenho certeza se o nome do coelho era Quik-quik. Antes que eu pudesse pedir para visitá-lo, foi atacado por abelhas e morto a ferroadas. Essa foi a história que eu ouvi, da qual só fui duvidar anos mais tarde.
O fato é que era moda dar coelhos, pintinhos e peixinhos como se dão, hoje, ecobags, fôlderes e adesivos.
Dois ou três anos depois, eu estava em um jantar ‘de Páscoa’, e como decoração havia um coelho no meio do salão, em cima de uma mesa, dentro de uma gaiola que não permitia movimentos. Ninguém achava aquilo estranho, afinal quem promoveu o jantar pensara até nisso, claro. Aí umas crianças da minha idade, ou menos – mentalmente, entediadas de correr pelo salão, pegaram talheres e… começaram a espetar o coelho, que sequer podia se mexer. Minha mãe, futura protetora, viu a cena e foi lá tirar as crianças, e depois foi xingar algum adulto. Eu ia fazendo anotações mentais disso tudo, e ao chegar na vida adulta pude me libertar de datas, obrigações, jantares de trabalho, compras de última hora, papel laminado e… coelhos fofos e dentuços.
*Marcio de Almeida Bueno , jornalista multifuncional, ativista pela libertação animal, anti-especismo e veganismo. Vegetariano desde 1995 e vegano desde 2006, diretor-geral da Vanguarda Abolicionista, voluntário em outras ONGs, músico independente, defensor dos direitos humanos e ateu praticante.