Talvez seja hora de todos nós nos olharmos no espelho
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
29 de dezembro de 1992…
Faz mais de vinte anos que Fernando Collor renunciou ao cargo de Presidente da República – toda uma geração.
O episódio foi o epílogo de um longo processo de conflitos envolvendo o Congresso Nacional, Justiça e sociedade civil. Crise econômica, crise de valores, crise de representatividade.
Collor, no entanto, obedeceu às regras do jogo democrático durante o processo de impeachment. Fez uso dos recursos processuais na esfera do Legislativo e do Judiciário. Tomou a iniciativa de renunciar, usando de sua prerrogativa pessoal e política – ante o fato já consumado de sua derrota, na votação do impedimento no Congresso Nacional.
Sob a perspectiva objetiva da história, a atitude de Collor garantiu a consolidação do Regime Democrático no Brasil. Permitiu a transmissão do poder pacificamente ao seu Vice, Itamar Franco, e reduziu à esfera criminal o exame da sua conduta bem como de uma série de outras figuras obscuras, que então orbitavam Brasília.
O Supremo Tribunal Federal era outro. Com sobriedade superou as pressões naturais e, detentor de mais respeito ante as demais instituições, agiu até mesmo com certa presteza – repeitando também a dignidade de todos os atores envolvidos no processo.
Como dizem os americanos “we need to step back and see the big picture”. De fato, dando uns passos para trás, olhamos o quadro todo e, o que se nos apresenta é algo mais complexo – uma realidade dura de enxergar e, principalmente, de absorver.
Comecemos pelos Poderes constituídos daquela época e de hoje.
O STF de então, mais sóbrio, não “protagonizava”. Também não administrava o deprimente comportamento bipolar do Judiciário atual.
De fato, hoje, o Poder Judiciário encontra-se mergulhado em privilégios que provocam vergonha alheia na magistratura de países civilizados.
Desprovido de auto-crítica, ora caça bruxas, ora garante sinecuras, ora protege direitos, ora tolhe cidadãos, ora destrói biografias, ora reprime o democrático exercício da livre opinião, expressa em público ou em rede social.
Há decisões do supremo pretório e tribunais superiores, hoje, que costumam tomar centenas de laudas – com votos que chegam a ser merecedores de índice remissivo por assunto – verdadeiras masturbações mentais (data venia), tamanha a extensão e prolixidade – inversamente proporcionais á eficácia na resolução do conflito.
O parlamento nacional de duas décadas passadas era caótico, porém bem mais pujante – pleno de lideranças e indivíduos com biografias reconhecidas e nítidas.
Já o Poder Legislativo de hoje, INVOLUIU.
Desprovido de conteúdo, de cultura, de biografias. Pobre em ações de interesse público e prenhe de parasitas – o parlamento de hoje ainda sofre com algumas personalidades “zumbis” – congressistas de antanho “recapilarizados”, retocados a bisturi, coloridos por tintura, “reviagrados” e, no entanto, ainda não valendo a gravata que usam. O cinismo tomou o lugar do factoidismo – não se bate mais no peito para alegar honra ilibada, usa-se o dedo para extender o opróbrio pessoal aos demais – como se a lama respingada no outro aliviasse a propria imundície.
O Poder Executivo inchou, tornou-se um ogro burocrático sem qualquer inteligência. Um ser incapaz de planejar, de estruturar, de policiar e de evoluir institucionalmente.
Ao largo desse ogro desdentado e viciado em tributos, surgiram instituições que fazem do exercício da cidadania um verdadeiro crime.
Nossa sociedade sofre, hoje, com uma Administração Pública contaminada por hordas de burocratas sádicos e perversos.
Pari passu com excelentes profissonais, que honram a autoridade na qual estão investidos, sofremos investidas de promotores invasivos e arbitrários, juízes, persecutores, auditores e autoridades policiais, mesquinhos e descontrolados, “grampeadores” de vidas e açoitadores de vítimas.
Há hoje, mais que antes, instituições cronicamente incapazes de combater a criminalidade. Controladorias que controlam apenas o que funciona, procuradores que não encontram e não querem achar, conselheiros que ninguém aconselharia e, ainda por cima, uma geração bem sucedida de advogados canalhas… enfim, uma biodiversidade mais assemelhada àquela observada em microscópio que digna de ser vista a olho nú, por humanos.
O País mudou, é uma potência. Outro país, comparado ao Brasil de vinte anos atrás.
Não sei, no entanto, ainda, se nós, cidadãos, mudamos para melhor ou para pior.
Em editorial denominado “A República do Despudor”, o jornalão O Estado de São Paulo informa:
“hábito ancestral e nefasto que só piora com os exemplos que vêm de cima, o despudor das autoridades brasileiras no trato da coisa pública afronta diariamente uma sociedade que só não reage com a indignação cabível porque – é a triste realidade – de algum modo ela se mostra desgastada pela deterioração dos valores morais e éticos que devem presidir a convivência social civilizada.”
Se somos uma “potência” hoje, comparados com o que eramos antes, o fato é que não seremos nada além de motivo de desprezo do mundo civilizado, se não nos libertarmos dos imbecis que insistem em inverter valores, prestigiar a covardia, vitimizar a mediocridade e considerar inveja social motivo justo para destruir sonhos.
Os cretinos fundamentais que pululam em nossa sociedade, hoje, incentivaram o crime e tornaram a insensibilidade, o desamor, forma de convivência humana.
Talvez seja hora de todos nós nos olharmos no espelho. Precisamos enxergar que tipo de pessoas, que espécie de ente moral estamos nos tornando.
É necessário, também, observarmos o que está vegetando à nossa volta, o que se está criando às custas do nosso dinheiro, da nossa cidadania, da nossa liberdade, do nosso futuro.
É hora de um grande pacto, de cada um consigo próprio e também de todos, cidadãos e sociedade – em prol da consciência de nossa própria condição humana, em prol da realidade.