Mudanças na Lei das Calçadas ainda estão longe de oferecer uma solução definitiva para os passeios públicos de São Paulo
Por Vitor Lillo
Desde 2011, com a Lei das Calçadas promulgada ainda na gestão de Gilberto Kassab (PSD), o proprietário de imóvel em São Paulo com calçada em situação irregular era autuado em 300 reais por metro linear (comprimento), não importando o tamanho da irregularidade.
Por exemplo, se a calçada da propriedade tiver 10 metros de comprimento, o valor da multa pode chegar aos R$ 3 mil. E com um agravante: pelo sistema atual, assim que o fiscal verifica a irregularidade, a multa é emitida, sem que o dono do imóvel tenha prazo para recorrer.
Isso pode mudar com o projeto substitutivo do prefeito Fernando Haddad (PT), já aprovado em primeira votação na Câmara Municipal na última quinta-feira (04). A proposta é que se dê o prazo de 30 dias para o munícipe regularizar a situação ou então a própria prefeitura se encarrega de obra e repassa o custo ao dono do imóvel.
O projeto substitutivo foi o tema de audiência pública da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio-Ambiente, realizada na terça-feira (09). Foi a oportunidade para representantes do Poder Público e da sociedade discutirem a proposta, antes da segunda votação e da sanção do prefeito, caso seja aprovada.
A audiência que inicialmente discutiria o problema das calçadas e a proposta e Haddad, acabou sendo marcada pela discussão sobre o projeto de lei do vereador da oposição Andrea Matarazzo (PSDB) que passa para a Prefeitura a responsabilidade de se cuidar das calçadas.
“Esse projeto resolve apenas o problema das multas. As calçadas são de responsabilidade do poder público e devem ser padronizadas e acessíveis a todos”, declarou Matarazzo.
Já o vereador da situação, Paulo Frange (PTB), relator do projeto substitutivo, é contrário a proposta. “Não gostaria que a Prefeitura pagasse para fazer calçadas de bancos, supermercados, shoppings e de grandes empresas em geral. É preciso cautela, pois poderia se aprovar uma Lei que não seja exequível”.
A deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) fez coro à proposta de Matarazzo e cobrou o cumprimento do Plano Emergencial de Calçadas, feito quando ainda era titular da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED), que atribui à Prefeitura as reformas das calçadas estipuladas pelas “Rotas Estratégicas”.
“As Rotas são aquelas ruas que agregam serviços, meios de transportes públicos, hospitais, escolas, correio. Muito pouco foi reformado na gestão anterior”, aponta Gabrilli.
Todos esses projetos e reinvindicações atingem pontos centrais desse verdadeiro nó que é a construção e manutenção de calçadas em São Paulo. Nos 35 mil quilômetros de passeios públicos existentes na capital paulista, o melhor e o pior em matéria de mobilidade para pedestres se contrastam.
Em São Paulo a calçada é considerada parte do lote e, portanto, é de responsabilidade do proprietário. Ele contrata um pedreiro que, geralmente, ignora as normas de construção do passeio. Isso quando a própria prefeitura, responsável por 3% das calçadas da cidade – situadas na frente de edifícios públicos – deixa de fazer a manutenção adequada.
Somando-se esses fatos à cultura de priorizar os carros, a falta de manutenção e as intervenções de empresas concessionárias, seja para instalar um poste, ou a rede de esgoto e gás e está criado o problema das calçadas.
E que problema: segundo levantamento do Hospital das Clínicas (HC), as quedas em calçadas foram responsáveis por 1000 atendimentos em um ano. O custo desses tombos chega à casa dos R$ 2,9 bi, incluindo gastos hospitalares e dos dias de trabalho perdidos pelo acidentado.
“São Paulo é diverso, é um local em que as desigualdades se manifestam em blocos. Você vai encontrar lugares como a Avenida Paulista e a Faria Lima com calçadas de padrão internacional, mas em ruas próximas você encontra trechos que parecem que passaram por uma guerra ontem”, opina Marcos Sousa, editor do portal da ONG Mobilize Brasil, voltada para a questão da mobilidade urbana.
Sousa coordenou o levantamento Calçadas do Brasil que avaliou as calçadas de 12 capitais brasileiras entre fevereiro e abril de 2012. Foram avaliados pontos como irregularidades no piso, acessibilidade, iluminação, entre outros. São Paulo ficou em 5º lugar no ranking. Curiosamente, o trecho da Avenida Brigadeiro Faria Lima que fica uma quadra depois do cruzamento com a Eusébio Matoso, foi eleito o melhor do País, com média 10,0.
Para o jornalista, a cobrança de multas não é uma solução para o problema das calçadas. “É uma fora de administrar, mas você vai perenizar o problema. Se você faz a calçada certinha, alguém destrói, então vai refazer e não fica adequado.”, opina Sousa, para quem as principais ferramentas para consertar as calçadas na cidade são conscientização e vontade política .
“A prefeitura precisa se aproximar do cidadão, fazer campanhas de conscientização na mídia explicando como se faz as calçadas e é preciso investir na formação de profissionais. Na Europa existe a função do calceteiro, um profissional especializado em calçadas. No Brasil, algumas empresas já ofereceram cursos, mas as prefeituras não levaram isso adiante”.
Outro lado
A reportagem procurou a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, órgão encarregado da fiscalização e manutenção das calçadas da Capital. Em resposta, informaram que não estão se pronunciando por enquanto sobre a questão das calçadas, “devido à tramitação do projeto que altera a Lei das calçadas e que pode ser modificado até a regulamentação”.