A bioquímica Mona Oliveira mudou os rumos da sua startup por causa da pandemia e passou a desenvolver insumos para testes nacionais de detecção da Covid-19.
Em 2018, inscrevi a Biolinker no Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP. Eu tinha desenvolvido a ideia na Eslovênia, durante o doutorado, em parceria com um colega austríaco e um grego. Penso na Biolinker como meu terceiro filho – a primeira filha foi Lana, nascida quando eu estava na graduação, e o segundo Dario, poucos meses antes da empresa. Até setembro de 2019 estávamos recebendo equipamentos, montando os laboratórios e desenvolvendo pesquisas, utilizando por vezes a estrutura da Universidade de São Paulo [USP]. Em janeiro de 2020, começamos a faturar. Fechamos projetos promissores com a indústria alimentícia, com empresas como a BRF e a Bauducco. Até que chegou a Covid-19 e tudo parou.
A pandemia, contudo, abriu uma nova oportunidade para o nosso negócio. A Biolinker sintetiza proteínas recombinantes para uma infinidade de aplicações, como produção de fármacos, cosméticos e conservação de alimentos. Só que os testes para detectar a nova doença também precisam de proteínas recombinantes para funcionar. E foi nesse rumo que focamos nossos esforços a partir de março de 2020. Para usar um termo que se popularizou no Brasil nos últimos meses, estamos dedicados à produção de insumos farmacêuticos ativos, os IFA.
Surgiram alguns convites para sintetizar proteínas específicas do Sars-CoV-2 e fabricar testes 100% nacionais. Em uma parceria com Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP, obtivemos um financiamento Pipe de fase 3, que contempla o desenvolvimento comercial e industrial de inovação. O objetivo era criar um teste de diagnóstico, de laboratório, para detecção de anticorpos circulantes IgG, produzidos em fases mais tardias da Covid-19.
Também sintetizamos proteínas – especificamente da espícula do Sars-CoV-2 – para outro teste em desenvolvimento, do tipo rápido, em parceria com Frank Crespilho, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. Esse teste detecta anticorpos neutralizantes, inclusive em quem foi imunizado com vacinas, e custa quase cinco vezes menos do que os testes de farmácia comercializados no Brasil.
As dificuldades iniciais do período de pandemia foram lidar com a universidade fechada, o que dificultava o acesso aos laboratórios, e com atrasos na chegada de equipamentos essenciais para manter a produção. Um exemplo disso foi a necessidade de encontrarmos um serralheiro que fosse capaz de montar, do zero, um molde para fabricar as garrafas que usamos nas centrífugas. Essas peças não são produzidas no Brasil e a importação demoraria 120 dias, prazo inviável para nosso cronograma. Foi trabalhoso, mas deu certo.
Driblamos também percalços como um alagamento acidental – que felizmente não danificou nenhum equipamento nem as colônias de bactérias que utilizamos para reproduzir os vírus – e a necessidade de reforçar as instalações elétricas do laboratório para dar conta dos novos equipamentos que chegavam.
Vencidos esses obstáculos, a rotina tem sido intensa. Não é incomum deixar o laboratório às 23h. Meu marido, Sandi, também trabalha na empresa, como diretor-executivo, o que contribui para evitar desgastes familiares. Além de compreender minha rotina, ele consegue estruturar o home office para cobrir o período em que estou trabalhando. Cuida da casa e das crianças na minha ausência e dividimos bem as tarefas domésticas. Quando precisamos estar fora ao mesmo tempo, minha filha mais velha, de 15 anos, cuida do irmão de 4 anos.
A rotina escolar deles segue on-line desde o início da pandemia. Minha mãe passou alguns meses conosco no início, mas voltou para casa quando retomei a rotina diária de trabalho no laboratório. Temos saído pouco para lazer, sempre em espaços abertos e mantendo uso de máscara e isolamento. Depois de tanto tempo de circulação familiar restrita, temos uma viagem marcada para Salvador, minha terra, em alguns meses.
Tenho muita saudade de estar junto com as pessoas, fazer contato social, festas. Também faz falta frequentar palestras e congressos. Acho que aqui em casa eu sou quem mais sofre com isso. Minha filha adolescente, por outro lado, está feliz da vida por não precisar acordar cedo para ir à escola e tirou de letra o ensino on-line. O pequeno fica com mais vontade de sair para brincar, passear. Tenho concentrado as atividades escolares dele, que são mais lúdicas por causa da pouca idade, no fim de semana. Assim, o pai acompanha mais a rotina escolar de Lana e eu a de Dario.
Felizmente, a Covid-19 atingiu apenas um familiar – meu irmão, que é marinheiro, e não teve sintomas graves. Na empresa, ninguém se contaminou. Fazemos testes frequentes e seguimos rígidos protocolos, inclusive de notificação. Se algum funcionário teve pessoas próximas diagnosticadas ou com sintomas, todos fazemos testagem imediatamente. Tem dado certo até aqui.
Em meados de maio, tive mais um motivo para comemorar: conseguimos um altíssimo nível de especificidade, de 98%, em um dos testes que estamos desenvolvendo. Um bom momento para celebrar aqui em casa abrindo um champanhe. Saúde!
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
Fonte: Revista FAPESP
Publicação Ambiente Legal, 14/06/2021
Edição: Ana A. Alencar
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