Corporativismo destrói o judiciário
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Quando ninguém controla quem controla, o resultado é o descontrole
Corporativismo seletivo
A AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, interveio no processo administrativo disciplinar em curso no CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em favor do Desembargador Favreto, do Tribunal Regional da IV Região.
Rogério Favreto é aquele magistrado responsável pelo imbróglio ocasionado por sua decisão de conceder Habeas Corpus, liminarmente, no plantão judiciário, em favor do ex-presidente Lula.
O CNJ somou pelo menos seis representações contra Favreto, dentre elas o da Ex-procuradora do DF Beatriz Kicis, que afirmou que o ioiô decisório por ele protagonizado “constitui capítulo vergonhoso e que expõe a vexame toda a magistratura”.
Porém, o que deveria ser uma atitude vexaminosa a ser examinada pelo órgão de controle administrativo da magistratura nacional, transformou-se em questão de interesse corporativista.
Formalmente, a AMB alega ter ingressado na ação “para observar o bom andamento do processo e verificar se as garantias da magistratura estão sendo respeitadas”. Materialmente, no entanto, emprestou apoio à atitude do imputado.
A intervenção associativa é um absoluto contra senso. Primeiro, pelo fato do processo ser de natureza disciplinar e estar à cargo do próprio órgão de controle da magistratura. Segundo pelo fato do procedimento em tela ser ditado pela regra da desproporção discricionária da Administração em face do administrado – que todo juiz conhece de cor a salteado. Terceiro, por não competir admissão de ingresso de associação profissional como parte em processo disciplinar, muito menos “para verificar se as garantias da magistratura estão sendo respeitadas”.
Ora, não é a “magistratura” que está na berlinda e, sim, a conduta disciplinar atribuída a um único magistrado. Assim, no máximo, admitir-se-ia à associação fornecer um advogado para a defesa do imputado.
O mais desastroso nessa atitude provinciana é a arrogância nela inserida, de se entender que magistrados estão acima dos órgãos da magistratura que zelam por sua conduta. Soa como se o Poder Judiciário não zelasse pelas “garantias da magistratura”, ao apurar falta disciplinar e punir um magistrado faltante…
A atitude da AMB, é de um corporativismo rasteiro, que afronta a cidadania. Constitui, também, um enorme risco institucional pois, assume para toda a classe de juízes associados, a mancha, o estigma e o imbróglio, atribuídos ao magistrado Favreto.
O precedente é lamentável. Algo como permitir à Associação dos Advogados intervir – como entidade – em todos os processos disciplinares promovidos pela OAB contra advogados faltosos – ou à Associação dos Promotores atuar como interveniente nos processos disciplinares promovidos pelo Ministério Público, contra um de seus representantes, etc…etc… lembrando o fato de se tratarem de profissionais capazes, técnica e juridicamente, de se defenderem sozinhos… perante suas instituições oficiais.
A atitude parcial da AMB, nesse diapasão, foi seletiva e estritamente política. No entanto, a entidade classista não agiu sozinha. Ganhou apoio de várias outras entidades de classe da magistratura, incluso da Associação dos Magistrados Paulistas – APAMAGIS.
A grita dos associados contra a direção das entidades tem sido geral. “Que interesse público ou transcendental da própria categoria da magistratura, justificaria essa mobilização de entidades de classe DENTRO de um processo privativo do CNJ?”, questionam vários juízes.
O caso,no entanto, revela um fenômeno mais amplo, relacionado á síndrome de Maria Antonieta que parece ter contaminado o judiciário nacional. Com efeito, a egolatria corporativista e o autismo social configuram formas de reação primárias à justa crítica da sociedade, quanto à péssima qualidade da Justiça que lhe é prestada.
Corporativismo figadal
O exemplo, em verdade, vem da própria estrutura oficial do Poder Judiciário.
É o caso do pedido do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para ingressar como amicus curiae – interessado na defesa de um magistrado na Cidade de Araraquara, responsabilizado por ter deixado um cidadão preso por dez meses, depois deste já ter cumprido pena.
O cidadão ofendido ingressou com ação responsabilizando o Estado e o magistrado por erro judiciário.
Até aí, seria um caso a ser tratado nos termos regulares da jurisprudência, não houvesse o TRIBUNAL decidido, ele próprio, ingressar na ação como interessado no resultado da causa, inclusive constituindo advogado.
A alegação, para o fim a que se presta, é inacreditável: “A responsabilidade civil dos juízes”, segundo a petição do TJ paulista, é muito limitada aos “casos de dolo, fraude ou recusa imotivada de providência que deva ser tomada de ofício ou a requerimento da parte”. Para a corte, “nem mesmo a culpa é capaz de ensejar responsabilização pessoal do juiz”.
Diante do incrível pedido do organismo que lhe é hierarquicamente superior – e recursal, o juízo de Araraquara acolheu a pretensão, entendendo que “responsabilidade civil pessoal do agente público que integra o quadro do requerente”- ou seja, o juiz-réu, autoriza o ingresso do Tribunal como amigo da corte…
Data maxima venia, o entendimento estaria perfeito em um acórdão do tribunal, no bojo do processo. Jamais poderia ser expresso em um requerimento do Tribunal como parte, em um processo em curso no fígado do seu próprio organismo, sob sua jurisdição.
Decididamente, é o caso de se perguntar em que momento os juízes perderam o juízo…
Esprit de Corps pour tous!
Pior que uma entidade privada bancar a tutora das prerrogativas da magistratura contra o próprio órgão da magistratura, é um tribunal agir como se possuísse personalidade distinta da Administração Direta do Estado que ele próprio expressa e chefia…
Mas, esse quadro cubista de teratologias institucionais só foi possível de ser pintado graças aos pincéis e brochas fornecidos pela judicatura de ativistas que hoje infesta os tribunais superiores brasileiros e infiltra todas as entidades de classe da magistratura.
O fato é que a estrutura judiciária que aí está não mais serve à República, e se presta à chicanas e manobras processuais, ideologicamente motivadas.
A par dos problemas graves relacionados aos vencimentos e adicionais que ordinariamente perturbam a relação da magistratura com a opinião pública, o fato é que o corporativismo ideologicamente orientado está carcomendo a estrutura da instituição e degradando a própria postura do magistrado diante da sociedade que lhe deve respeito.
Dizem que a árvore morre pela copa, pelo topo. Instituições também o fazem. É o que está ocorrendo com a jusburocracia nacional, em especial a magistratura.
A degradação contamina as instituições nacionais, assombradas pela zumbilândia normativa excretada pela moribunda Constituição de 1988. Dentre muitos outros fatores, há um que hoje está explícito: no tronco da árvore frondosa e centenária da justiça brasileira, corre a seiva tóxica do corporativismo rasteiro.
Esse corporativismo irá matar a árvore…
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API, é Editor – Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.