O desafio da multidisciplinaridade
Por Lineu Bonora Peinado*
Pelo Desembargador Lineu Bonora Peinado
A perícia ambiental é fundamental para a elucidação dos processos ambientais. Podemos afirmar, hoje, que a perícia ambiental está caminhando para se tornar multidisciplinar, ou seja, contar com a colaboração de profissionais de diferentes áreas de atuação. Vejamos exemplos práticos do que acabamos de afirmar.
Na abertura de uma estrada são necessários alguns cuidados, pois nela vão trafegar, por exemplo, caminhões com produtos químicos e se ocorrer um acidente por vazamento, pode haver contaminação do solo e do lençol freático, mas o acidente realmente mais grave pode acontecer a muitos quilômetros dali.
A medida de precaução, nesse caso, teria por base o laudo de um engenheiro, o que permitiria conhecer as condições de segurança da rodovia, somado ao estudo do geólogo, que examinaria as condições do solo, por sua vez seguido do meteorologista, que verificaria a direção dos ventos no local.
Também podemos dar como exemplo um outro caso hipotético. O Rodoanel Mário Covas, que está sendo construído em São Paulo, passará por uma área de mananciais, que poderá vir a ser bastante afetada caso não sejam tomadas as devidas medidas de segurança. Quem poderá prever esses riscos é o biólogo, que ao lado de outros profissionais do empreendimento deverá deixar claro quais trabalhos de contenção e recuperação se farão necessários.
Por outro lado, não se pode perder de vista que a vegetação e os micro-organismos guardam uma riqueza inestimável. Por isso não faria o menor sentido um engenheiro declarar que determinada estrada não provocará nenhuma poluição no solo, pois as emissões dos veículos que por ali vão trafegar, por si só, podem trazer sérios problemas para a vegetação.
Vemos que a perícia ambiental não está restrita apenas ao solo, mas também ao ar, entorno, enfim, a toda a dinâmica que existe no local. E só a análise conjunta, feita por profissionais de diferentes áreas de atuação, permite aferir o custo-benefício de uma obra no que tange aos impactos reais e potenciais sobre a Natureza e a sociedade.
Um problema muito comum – que acontece principalmente no Norte do País – é que ao abrir uma estrada, a área de alimentação dos mamíferos fica seccionada. Com isso, muitos animais são atropelados quando tentam atravessar a rodovia em busca de comida. Ou eles não cruzam a estrada e passam a sofrer a privação de alimentos. Uma solução possível seria fazer estradas com passagens de nível para os animais. A perícia ambiental multidisciplinar é determinante na previsão desse e de tantos outros casos.
Nesse contexto, a capacitação dos profissionais envolvidos na perícia ambiental é fator determinante e o perito deve ser habilitado em áreas específicas de conhecimento para contribuir eficazmente na produção desses laudos multidisciplinares.
Outro assunto que merece atenção é o pagamento da perícia ambiental. Nessa área, como em tantas outras, para que haja um trabalho de resultado são necessários profissionais bem remunerados, porém, a lei diz que não se paga por perícia em Ação Civil Pública.
Uma alternativa para esse impasse seria o uso de centros de excelência, como o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). As universidades também poderiam investir nessa área, especialmente as que oferecem cursos de graduação em diferentes ramos de atividade. Vejamos como isso se daria na prática: um caminhão tomba numa pista e contamina o solo com produto tóxico, que por sua vez infiltra-se no lençol freático que, em contato com as águas superficiais, envenena a vaca que produz o leite oferecido às crianças na escola. Um laudo feito por uma universidade com a participação de engenheiros, geólogos, nutricionistas e veterinários poderia prever todo esse ciclo e comprovar que esse fato ocorreu ou pode vir a ocorrer.
Apesar da perícia ambiental estar em franca evolução no Brasil, ainda falta ao laudo ambiental o caráter multidisciplinar. Está provado que não há uma pessoa que possa dominar todos os aspectos de uma matéria. Cada qual é especialista em sua área de atuação. Portanto, assumir conteúdo multidisciplinar é o grande desafio da perícia ambiental. É preciso entender, ainda, que a perícia ambiental observa o contraditório e quando se trata de uma questão técnica, é necessário ouvir todas as partes interessadas ou afetadas para saber se o alegado é realmente nocivo ao meio ambiente e ao Homem.
Lineu Bonora Peinado – Desembargador aposentado, foi membro da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)
Publicado originalmente em Ambiente Legal* 06/2006 – https://www.ambientelegal.com.br/pericia-ambiental-e-o-desafio-da-multidisciplinaridade/#sthash.4qeYyZuX.dpuf