Assim como Escobar e seus hipopótamos, certos personagens são ameaças eternas
Por Ricardo Viveiros*
Há mais de 30 anos a Colômbia tenta esquecer Pablo Escobar, criminoso ligado ao tráfico de drogas e conhecido em todo o mundo. Infelizmente, muitas vezes mais lembrado do que ícones da cultura colombiana, como o escritor Gabriel García Márquez e o artista plástico Fernando Botero, apenas para citar dois entre muitos.
O traficante, que foi imortalizado na série “Narcos” (Netflix) com o ator brasileiro Wagner Moura no papel principal —sem falar de várias outras séries, filmes e livros—, segue vivo e causando problemas. O tempo passou, mas sua herança não permite enterrar uma triste memória. E por quê? O que faz de alguém assim, como também aconteceu com o norte-americano Al Capone, tornar-se imortal?
Pablo Escobar está presente na vida colombiana, mais do que nunca, porque uma de suas excentricidades se tornou polêmica nacional. Quando no auge do seu ilimitado poder, conquistado às custas de efetiva corrupção ligada diretamente ao processo político, o criminoso colecionou animais exóticos em sua “Hacienda Napoles” (homenagem à máfia italiana), hoje um parque temático.
O criminoso criou um zoológico particular com espécies da fauna adquiridas, na maioria ilegalmente, em outros países. Depois de sua morte, os animais foram distribuídos por parques estaduais. Entretanto, um casal de hipopótamos que não obedeceu à complexa logística, porque difícil de transportar, foi abandonado na fazenda para morrer. Mas, em busca de alimentos, macho e fêmea se evadiram e procriaram, notadamente nas margens e águas do rio Magdalena —o principal da Colômbia, com 1.543 km de extensão, que atravessa o país de sul a norte.
Hoje estima-se que a população de “hipopótamos da cocaína” no país seja algo em torno de 120, ou mais. Depois da África, a maior do planeta. Segundo especialistas, atingirá 1.500 em uma década. Animal agressivo, com cerca de cinco toneladas, já causou mortes de pessoas. Autoridades colombianas tentaram sua esterilização, mas o custo é alto, e a operação, de risco. Desistiram. Em 2009, caçadores contratados pelo governo colombiano atiraram no hipopótamo “Pepe” por ameaçar comunidades locais. Protestos tornaram os animais da espécie legalmente protegidos, o que é obstáculo a qualquer plano de manejo.
O tema é polêmico, divide a sociedade e já surgem partidários até no exterior. Além do aspecto prático, há o político. De um lado, os que defendem a liberdade para os hipopótamos; de outro, os que não os querem porque esses invasores estão ameaçando trabalhadores rurais e, em especial, alterando o ecossistema da bacia do Magdalena.
Pablo Escobar ficou conhecido, e foi respeitado por boa parte da população que o encobria, como um Robin Hood às avessas. Construiu estádios de futebol, casas populares, escolas e hospitais em comunidades pobres. Foi um sanguinário na busca de seus objetivos e, nos anos 1980, alcançou o status de um dos homens mais ricos do mundo. Corrompeu e matou nos Três Poderes com a sua política “plata o plomo” (“dinheiro ou chumbo”).
Certos personagens da história, em especial com envolvimento político, que podem parecer riscos apenas temporários só até o fim das próximas eleições, são ameaças eternas. Deixam pesadas heranças em um rastro de populismo, violência, corrupção e desmando.
Originalmente publicado em Opinião Folha,24/01/22
*Ricardo Viveiros – Jornalista, professor e escritor, é doutor em educação, arte e história da cultura; autor, entre outros, de ‘A Vila que Descobriu o Brasil’ (Geração), ‘Justiça Seja Feita’ (Sesi) e ‘Pelos Caminhos da Educação’ (Azulsol)
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 24/1/2022
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.