Pesquisas científicas no Brasil são perdidas por excesso de exigências e lentidão nos processos para importação de materiais e equipamentos.
Por Ana Alencar e Edna Uip
Em junho de 2014 a revista NATURE apresentou o ranking de países na área científica, analisando o número de artigos publicados em revistas internacionais frente ao total de investimentos em pesquisa. O Brasil figura entre os países menos eficientes: dos 53 países avaliados, ficou em 50º. Em 2013 publicou 670 artigos em revistas especializadas e gastou 30 bilhões de dólares, enquanto o Chile publicou 717 artigos com investimento de menos de 2 bilhões de dólares. A Arábia Saudita, primeira colocada, publicou 288 artigos gastando cerca de US$ 500 milhões.
Embora a presidente Dilma em um de seus discursos pós-reeleição, tenha dito que o Brasil está “cada vez mais voltado para a ciência e a inovação”, quem está a frente dos trabalhos científicos sabe que a situação é bem diferente. A falta de competitividade científica é devida sobretudo, à quantidade de exigências burocráticas e entraves jurídicos. A importação de insumos e equipamentos estrangeiros necessários para as pesquisas, é a maior dificuldade encontrada pelos pesquisadores.
Um estudo inédito divulgado em novembro, conduzido pelo neurocientista da UFRJ e do Instituto D’Or, Stevens Rehen, revelou que 46% dos cientistas brasileiros já perderam material retido na alfândega; 95% já deixaram de fazer ou alteraram estudo por problemas na importação; 51% já o modificaram ou cancelaram por não conseguirem substâncias controladas. Esse estudo foi realizado através de informações colhidas de 165 pesquisadores de 35 centros de pesquisa em 13 estados.
Frustrado com sua pesquisa sobre criar um meio de cultura para células-tronco embrionárias que foi perdida devido o material necessário ter sido apreendido pela alfândega até estragar, Rehen resolveu enviar aos EUA para ser testado. Após a comprovação da qualidade de seu invento, a universidade onde foi testado percebeu a oportunidade de negócio e iniciou os contatos com possíveis parceiros para licenciar o produto. Meses depois seu invento já estava no mercado sem que ele soubesse. Após protestos, Stevens conseguiu um compromisso de receber 40% dos lucros do produto.
A partir desse ocorrido, Rehen têm se dedicado a pressionar o governo e parlamentares no sentido de minimizar as exigências e a lentidão na importação de produtos e equipamentos com fins científicos.
São inúmeros casos parecidos, alguns emblemáticos: recentemente um reagente importado foi confiscado no Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), pelo serviço de vigilância agropecuária, apesar de não ser de origem animal ou de interesse veterinário, o que resultou na perda do reagente, atraso na pesquisa e gastos em vão. Em outro caso os pesquisadores Antonio Zuardi, da USP, e Fabrício Moreira, da UFMG, que estudam as propriedades medicinais do canibidiol, insumo seguro e de alto potencial terapêutico, tiveram sua pesquisa aprovada por laboratório inglês que se comprometeu a fornecer a substância sem custo. A importação acabou vetada pelas leis que até então proíbiam o derivado da maconha.
Franklin David Rumjanek, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ critica essa realidade cruel em que vivem os cientistas brasileiros, penalizados e prejudicados quando têm oportunidade de publicar seus artigos em revistas especializadas. Pela burocracia e leis anacrônicas não conseguem terminar suas experiências e perdem prazos para publicação.
Muitos pesquisadores brasileiros têm deixado o país em busca da continuidade das suas pesquisas. Apesar do mesmo nível de capacitação com profissionais norte americanos e europeus, estes têm a vantagem de testarem suas idéias em poucos dias, enquanto no Brasil nossos pesquisadores levam meses para conseguir terminar os testes. Algumas vezes não conseguem encerrá-los.
A pesquisa clínica em seres humanos também está sendo afetada. Primeiro ocorrem entraves na fase de testes com animais. Em seguida, no estágio com humanos, leva-se mais de um ano para obter a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que avalia as normas sanitárias, e a da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que verifica a segurança do voluntário. Na Europa, EUA e Ásia esse processo dura de um a três meses.
Vitor Harada, presidente do comitê gestor da Aliança Pesquisa Clínica Brasil, organização criada para cobrar mudanças nas leis e regras de pesquisa científicas, disse em entrevista para o jornal O Globo que “ Somos o único país com dupla aprovação ética pelo Conep e pelo Conselho Nacional de Saúde, que são, na prática, o mesmo órgão, mas às vezes dão pareceres diferentes.”
O deputado federal Romário, eleito senador pelo Rio de Janeiro, é autor do projeto de lei 4.411/12, que visa a desburocratizar a importação de material científico, criando um cadastro e uma cota para os pesquisadores. Juntamente com a relatora Mara Gabrilli, luta para que as leis facilitem o trabalho dos pesquisadores e avancem em resultados positivos para tratamento de doenças crônicas, degenerativas e mortais. O projeto já foi aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família e aguarda parecer da Comissão de Ciência e Tecnologia. Na sequência passará por mais duas comissões, o que deverá ocorrer apenas durante este ano de 2015. Romário garantiu para os cientistas que temem pelo arquivamento que como senador pedirá urgência na tramitação e aprovação.
Infelizmente a população brasileira não tem conhecimento do que acontece em sua área cientifica e o quanto estamos perdendo em profissionais especializados, em descobertas, em cura, em tratamentos, em avanços em várias áreas e, principalmente, em tempo de vida para muitas pessoas.
Fontes :
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/11/1549183-gasto-brasileiro-com-ciencia-e-muito-pouco-eficiente-diz-nature.shtml
http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/entraves-burocraticos-taxacao-leis-anacronicas-tiram-competitividade-ciencia-nacional-14506512?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo