Enquanto a Petrobras insiste em explorar a Margem Equatorial, o governo da Colômbia avalia não fechar mais nenhum novo contrato e os equatorianos vão às urnas decidir se suspendem a produção bilionária numa área protegida
Por Jennifer Ann Thomas
Atingir as metas do Acordo de Paris e conter o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC exige cortar emissões de gases de efeito estufa drasticamente. De forma mais precisa, essas emissões precisam cair 43% até 2030, de acordo com dados do IPCC. Abrir novas fronteiras de produção de petróleo não contribui com esse objetivo. Pior ainda se o petróleo ocorre perto ou embaixo de áreas de florestas densas, responsáveis por capturar carbono, regular o clima global e abrigar alta biodiversidade, como a Amazônia. Infelizmente, está na região uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
Explorar ou não mais petróleo e gás no bioma é um drama compartilhado por todos os nove países que dividem o território da floresta. Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela já têm algum grau de exploração dessas matérias primas na Amazônia e precisam decidir se vão aumentar essas operações. Guiana, Suriname e Guiana Francesa, assim como o Brasil, têm reservas comprovadas na Margem Equatorial, uma região marinha que corre ao longo do litoral norte da América do Sul. Operações nessa área também poderiam afetar a Amazônia (mesmo que a extração ocorra a centenas de quilômetros do litoral, como argumenta a Petrobras).
Só na Amazônia brasileira há 451 blocos (áreas com potencial para produção de petróleo) dentro das categorias “em estudo”, “oferta” e “concessão”, divididos entre 328 na costa amazônica e 123 na floresta. Ao considerar os outros países, o número de projetos de petróleo e gás na Amazônia salta para pelo menos 840 (confira o mapa abaixo). Os dados totais se referem a 2020 e o número de projetos aumentou desde então. O levantamento foi realizado pelo Instituto Internacional Arayara, organização que atua em litigância climática e análises de eficiência energética.
Por critérios puramente financeiros, a estratégia de investir em petróleo e gás na região tem alto risco temporal. Projetos no setor habitualmente demoram anos para dar resultados, e a Agência Internacional de Energia estima que a demanda global por petróleo deverá chegar ao pico em 2028. A partir daí, as empresas terão de disputar um mercado estagnado ou minguante. A Petrobras trabalha com um cenário de demanda global ainda relevante em 2050 e acredita que vai oferecer petróleo com preço competitivo. O diretor técnico do Arayara, Juliano Araújo, aponta para a atual disparada das fontes renováveis. “O declínio não será um corte lento. A expectativa é que a demanda por petróleo despenque”, afirma. Os governos interessados no petróleo usam também argumento sociais, já que a produção eleva a arrecadação e royalties deveriam beneficiar diretamente as populações afetadas.
Discussões sobre qualquer atividade industrial na Amazônia, porém, não podem mais se restringir a resultados financeiros e arrecadação de tributos. O bioma já se encontra sob severo estresse, diante de múltiplas agressões (desmatamento e queimadas), e pesquisadores alertam para a proximidade do ponto de não retorno. A partir de certo grau de destruição, a Amazônia perderia a capacidade de se manter como floresta equatorial gigante, geradora de umidade e reguladora de clima para o Brasil, a América do Sul e o planeta.
No caso do petróleo amazônico, o Equador é o caso mais importante a observar no momento. É o país que mais explora petróleo na Floresta Amazônica, de onde saem atualmente 194 milhões de barris de óleo cru, que geram mais de US$ 7 bilhões anuais. A atividade na floresta carrega uma conta pesada: em 2020, um deslizamento de terra danificou oleodutos que derramaram cerca de 15 mil barris de petróleo em três rios da Bacia Amazônica. Em 2022, outro acidente parecido causou o vazamento de cerca de 6.300 barris em uma reserva ambiental. Em maio deste ano, ocorreu novo vazamento na Amazônia, perto de um rio. A estatal Petroecuador afirma que o episódio mais recente foi sabotagem.
Em 20 de agosto, os equatorianos vão às eleições para presidente e para o legislativo nacional. No mesmo pleito, a população votará o referendo para decidir se mantém a exploração do bloco 43-ITT, localizado no Parque Nacional Yasuní, um dos mais ricos em biodiversidade no mundo. A região também abriga duas tribos indígenas Waorani isoladas.
A polêmica se estende há dez anos – o coletivo ambientalista Yasunídos começou a pedir o referendo em 2013, inicialmente sem sucesso, e a exploração do petróleo começou em 2016. O governo do Equador afirma que interromper a exploração do petróleo significa abrir mão de US$ 1,2 bilhão de receita anual.
“O referendo é um exemplo interessante com relação à exploração de petróleo na Amazônia e pode inspirar outras ações em outros países. Torcemos para que a população vote pelo sim, para deixar o petróleo dessa reserva no subsolo”, diz o diretor na América Latina da ONG ambientalista 350.org, Ilan Zugman.
O segundo país que chama atenção pela exploração de petróleo e gás na Amazônia é o Peru. As atividades de exploração de petróleo no Peru vinham ocorrendo em parcela cada vez menor do território da floresta, numa tendência benigna até o fim da década passada: 40% do território em 2009, 13% em 2017, 8% em 2019. No entanto, o recente interesse no petróleo sul-americano elevou essa área novamente – e esta década começou com 31% da região amazônica peruana designada para futuras operações de petróleo. A análise está num relatório produzido pela Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos do Peru junto com a ONG Oxfam, de combate à desigualdade social. A quantidade de vazamentos no país se tornou questão social grave para várias comunidades. De acordo com o mesmo relatório, de 2000 a 2019 foram registrados 474 derramamentos nos campos de petróleo da Amazônia no Peru e no Oleoduto Norte Peruano (ONP).
Há uma proteção parcial em vigor. A Corte mais alta da Justiça do Peru decidiu, em fevereiro de 2020, que o parque nacional Sierra del Divisor, então alvo de interesse das petroleiras, não pode receber qualquer atividade de perfuração ou exploração. A decisão foi uma vitória para os povos tradicionais do país. O Peru tem a maior população de povos indígenas na Amazônia, com cerca de 4,4 milhões divididos em cerca de cinquenta e uma etnias.
Um sinal positivo que pode influenciar os outros países que dividem a Amazônia foi dado pela Colômbia no Fórum Econômico Mundial, em Davos, no início deste ano. Atrás apenas do Brasil, a Colômbia é a segunda maior produtora de petróleo da América do Sul e a maior parte de sua produção está fora da Amazônia. A ministra colombiana de Minas e Energia, Irene Vélez, declarou este ano, novamente, que o país não vai mais fechar novos contratos de exploração de petróleo e gás, a fim de se concentrar na transição energética. Irene segue em confronto com seu colega, José Antonio Ocampo, ministro da Fazenda, que considera novos contratos necessários. Mas a ministra lançou, no país vizinho, um debate público necessário no Brasil.
A Cúpula da Amazônia, a ocorrer em 8 e 9 de agosto, em Belém, vai oferecer uma oportunidade para os países que abrigam a floresta discutirem alternativas sustentáveis de atividade econômica para a região – e como manter os combustíveis fósseis sob o solo.
Fonte: Um Só Planeta
Publicação Ambiente Legal, 12/07/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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